Narcisos, Rosas e Não-me-esqueças
O fim do inverno é o começo de outra primavera. Uma nova era, nascida ao fim de uma outra. O fino véu entre sonho, realidade e lembrança.
Enquanto empacotava meus pertences para a difícil mudança que está por vir, encontrei um antigo presente de aniversário, um livro de poemas desbotado e empoeirado com páginas amareladas pelo tempo. Ganhei-o do meu primeiro amor no dia em que o perdi.
Folheei-o para lembrar a sensação, as poesias que costumava ler. Porém, marcando o meu favorito, estava um Narciso seco e frágil. Jamais esquecerei de quando o guardei.
Eu ainda era uma criança quando o encontrei pela pela primeira vez, Narciso. Eu o via todos os dias, ficávamos deitados no campo perto da escola, conversando sobre tudo ou nada, às vezes apenas deleitando o silêncio que palavras simplórias não poderiam preencher.
Vi ali meu texto favorito junto à flor. Não era um daqueles pertencentes aos grandes poetas, mas um papel escrito a mão, rasgado e amassado, com a letra quase apagada. Um sonho que se perdeu.
"Certa feita, vi-te correr apressadamente na chuva inesperada de uma tarde dourada. Seus cabelos molhados e suas roupas encharcadas revelavam que estaria resfriada no dia seguinte. Quando tu paraste embaixo de uma árvore e esboçaste o mais singelo dos sorrisos para mim, soube que te amarias em meus sonhos.
Ainda lembro de como teus cabelos caíam por teus ombros, de como tua voz entoava cada letra enquanto lia teus poemas preferidos. Também mantenho vívida a memória do formato de teus lábios quando pronunciava o meu nome.
Minha querida Rosa, progenitora do meu sofrimento, tens sido uma honra amar-te enquanto não me vês mais que a um amigo. Amar-te-ei agora de mais longe, não me esqueças quando eu já não estiver mais contigo."
A mudança pode ser difícil, mas necessária. Para que se possa apreciar o novo florescer, é preciso que o inverno cesse. Nas caixas que levei estavam minhas roupas, meus lençóis, minha inseparável cafeteira e alguns outros pertences.
Sob a chuva inesperada de uma tarde dourada, eu parti. Vi pela janela do carro a cidade ficando para trás junto às bonecas da infância e um antigo livro de poemas com as páginas amareladas pelo tempo.