O ciúmes

Já eram namorados há dez meses. Haviam se conhecido na igreja. Na época, Goretti contava com seus 17 anos e era uma pequena adorável. O cabelo liso louro descia até suas costas e gostava de dançar conforme Goretti desfilava pelas ruas da cidade, seja para comprar pão na padaria, ir ao colégio ou à missa com os pais. Seus olhos cor de mel eram um convite à invenção de um pecado e guardavam uma interrogação que nenhum filósofo era capaz de silenciar: como a idade podia vestir a pureza de uma garota, que desejava, já tão cedo, como mulher?

Era pequena, mas seus seios já tinham vida. Goretti havia descoberto o sutiã primeiro que todas as outras garotas do bairro, e interrogava a mãe:

-Por que só eu tenho que usar sutiã? Por quê as outras não precisam?

Dona Lucília, sem saber o que dizer, inventava:

-Porque Deus quis que você virasse mulher mais cedo.

A mãe não podia dizer que os seios formosos da filha despertavam o desejo da amamentação não nos bebês, mas nos homens.

-Mas, mamãe, eles são tão bonitos. - Dizia Goretti, se contemplado nua de frente ao espelho.

-É por isso que devem ficar guardados.

- Mas o que é bonito não se mostra?

Dona Lucília não tinha para onde fugir, mudou de assunto. Era mais fácil.

- Vista logo o sutiã, seu pai está esperando para irmos a igreja.

E foi na igreja que conheceu o noivo, Amadeu.

Amadeu era um garoto alto, bonito, inocente, com uns belos olhos e cabelos negros e trabalhava para o doutor Carlos, advogado e pai de Goretti. O doutor Carlos nutria muito carinho por Amadeu e tentava há muito reunir o jovem de 17 anos com a filha.

-Amadeu é o rapaz ideal para Goretti - ele dizia para a esposa - ele é educado, honesto, trabalhador. E virgem, principalmente. Se Goretti casar com um virgem, não gostará de sexo e permanecerá inviolada, para todo o sempre.

Era essa a esperança do advogado: garantir que a filha não fosse deflorada.

Depois de um encontro ali, outro aqui e vários beijos decentes, Goretti começou a ficar impaciente. Queria mais do que beijar a boca, queria massagear o falo.

-Quando iremos nos despir, Amadeu? Quero mais do que segurar a mão e dar beijinhos. - Ela olhava com olhos raivosos para o namorado e ordenava, como uma criança mimada - Eu quero mais!

- Meu anjo, seu pai me fez prometer que iríamos esperar até depois do casamento.

- Então casemos logo, já namoramos demais.

E assim, apressaram o casamento para a consumação do desejo de Goretti.

Na lua de mel, doutor Carlos não pôde evitar o destino da virgindade: ser morta. Goretti, com muita ânsia, foi deflorada.

Amadeu sentiu nervosismo na primeira vez do casal. Com Goretti nua, estendida na cama, as pernas abertas e os seios formosos pedindo carne humana, o recém casado disse:

- Eu não sei o que fazer. Não fui ensinado a tocar uma mulher assim.

- Eu também não, meu anjo. Deixe eu lhe ensinar.

Eis a verdade: todo mundo já nasce sabendo transar, até lembrar que é virgem.

E assim, Amadeu aprendeu com Goretti a melhor forma de amor: quando os corpos viram um só.

Depois da primeira vez, não pararam mais, para desgosto do pai de Goretti.

- Minha filha não foi feita para essas coisas, Amadeu. Ela é uma menina pura!

- Por que a pureza deseja o sexo? Por quê as puras cheiram a sexo, doutor?

- Cale essa boca! Isso é errado! Prometa para mim que nunca mais irá tocar em minha filha com as mãos da perversão?

Amadeu não queria afrontar o advogado, via nele um pai, que nunca teve. Assentiu.

- Sim senhor, doutor.

Após a conversa definitiva com o sogro, Amadeu mudou completamente. Passou a chegar tarde em casa, parou de beijar de língua, voltou a beijar decentemente, não deixava mais a esposa dormir sem roupas.

Goretti ficou possessa, não sentia falta do marido, sentia falta do sexo. Chegou a conclusão:

- Ele tem outra!

Goretti ficou transtornada de ciúmes. Toda mulher era uma inimiga, a potencial amante do marido. Não cumprimentava mais as vizinhas, a cabeleireira, deixou de falar com as amigas. O marido não podia ter uma cliente mulher. Não podiam ir a um restaurante onde a garçonete fosse mulher. Ela enlouqueceu de ciúmes.

- Todas querem o meu marido, ele é só meu!

Um dia, arrumando as roupas do marido, encontrou, camuflada entre as camisas sociais, uma caixa de chocolate e um buquê de flores. Seu aniversário tinha acontecido há um dia e Goretti não recebeu presentes. Espumou raiva pela boca.

- Quem é esta ordinária que está roubando o que é meu?

Comeu os chocolates e jogou as flores fora.

Exausta de tanta solidão e ciúmes, Goretti foi para a casa dos pais e furtou a arma que o patriarca guardava no cofre.

Voltou para a casa e ficou esperando o marido chegar, em pé, atrás da porta.

Ao entrar, Amadeu tem diante de si uma Goretti que não era sua: descabelada, lágrimas desfilando pelas bochechas sem vida, olhos perplexos, cor de fúria.

- Mas o que é isso, meu anjo?

- Você está me traindo, Amadeu?

- Claro que não, Docinho.

- Por que você não me toca mais, não me beija com desejo? Por quê me beija com carinho?

- Meu bem, abaixe a arma, vamos conversar.

- Qual é o nome dela?

- Dela, quem?

- A outra!

Goretti se acabava de tanto chorar. Deve ter perdido centímetros de altura após esse pranto.

- Não há outra, meu anjo, eu lhe garanto...

- Ela é mais bonita do que eu?

- Não há mulher mais bonita do que você, meu anjo.

- Então por que você não me deseja? Quero o seu segredo, não o seu carinho.

Eis a verdade: A gente só revela quem é na cama, o resto do contato humano é mera formalidade necessária para a convivência.

- Calma, meu bem, eu lhe explico tudinho. Vamos conversar...

- Para quem eram as flores e o chocolate?

- Eu vou lhe contar, abaixe a arma, Docinho.

Amadeu se aproximou cuidadosamente e abaixou o revólver. Abraçou a esposa.

A arma disparou. Amadeu caiu, com um tiro na altura do estômago. O sangue manchando seu terno. A máquina de lavar ficou descontente, teria que trabalhar.

Goretti segurava o marido em seus braços, estendido no chão.

- Eram para você... As flores... E o chocolate... Feliz... aniversário... - o jovem advogado balbuciava as palavras, entre um suspiro e outro. - Nunca... Houve outra... Garota, meu bem.

- Não importa mais, meu bem, não importa.

- Seu pai... Me fez prometer nunca mais tocar você.

- Não interessa. Pelo menos, agora nenhuma outra vai ter o que eu não posso ter. Você é só meu, agora, meu anjo.

Amadeu não disse mais nada, seus olhos se fecharam. Goretti olhava para o marido falecido e parecia sorrir.

Linx Bonarde de Oliveira
Enviado por Linx Bonarde de Oliveira em 04/09/2024
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