Nova Esperança
Seus pés tocaram aquele chão novamente depois de tantos anos. A emoção fez duas lágrimas brotarem em seus olhos. Abaixou beijou aquela terra e as lágrimas caíram ali. Jurou cuidar do pedaço de chão que pertenceu por tantos anos aos seus antepassados e que foi tirado de seu pai. Viveu mais de vinte e cinco anos alimentando o ódio, o desejo de vingança, o anseio de um dia pisar novamente aquele lugar. Durante todo esse tempo só pensava em trabalhar, em refazer o que foi perdido pelo pai. Abriu mão de viver, de amar, de ser feliz. Era um homem amargo, desiludido da humanidade, mas estava ali. Venceu. Só levantava todos os dias, só respirava pela vingança. E ali estava. Recuperou o seu rincão, o lugar onde nasceu e que amava tanto.
Seu pai era um próspero empresário que herdou de seu pai os negócios, aquelas terras e outros bens. Morava ali com a esposa e seus quatro filhos. Eram felizes, amorosos, sonhadores. Mas um dia um canalha inescrupuloso enganou seu pai. Foi ingênuo e acabou perdendo tudo. Mudaram de cidade e recomeçaram. Hélcio, então com dezoito anos, jurou que iam se reerguer, que um dia voltaria e retomaria tudo que foi de seu pai, principalmente aquele pedaço de chão. Em seu coração sabia que este dia chegaria. Esperava a derrocada de seu inimigo. E ali estava. Comprou de volta suas terras.
Olhou o lugar. Estava abandonado. A casa que ele tanto amava estava precisando de reforma. As benfeitorias estavam deterioradas. Por sua lembrança passou o tempo que viviam ali. Lembrava de cada detalhe. Lembrou do dia que saíram com a mudança. Beijou o chão prometendo voltar pra ficar. Nos olhos de seu pai havia imensa tristeza. Sua mãe chorava em silêncio. Os irmãos mais novos não compreendiam muito bem o que estava acontecendo. Foram para uma outra cidade com os móveis, objetos pessoais e o que restou da empresa para recomeçar. O tempo passou. Ele lutou ao lado do pai para se reerguerem. Passaram dificuldades, necessidades. Seu pai estava disposto a começar tudo novamente. Mas o homem altivo e de caráter não suportou bem as humilhações e injustiças que sofreu. Começou a definhar, adoeceu e acabou falecendo anos depois. Sua mãe, de saúde frágil, também se foi e o deixou só com os três irmãos. Ele anulou sua vida pelo trabalho e para dar um norte e formar os irmãos. Saiu vitorioso.
Agora aos quarenta e cinco anos estava de volta. Só ele, sua empresa, o ódio que lhe movia, sua amargura e solidão. Já tinha planos de restaurar e voltar a morar no seu lugar, trabalhar e continuar crescendo. E assim fez. Não seria enganado nem humilhado por ninguém. Não confiava em ninguém. Sentia-se vazio de sentimentos, coração árido. Reencontrou seu amigo de infância, Humberto, e se sentiu menos só.
Numa tarde ele tomava um drinque com o amigo. Ao olhar pro lado se deparou com um par de olhos. Foi como se algo se movesse dentro dele. Ela também olhava com encantamento. Ele perguntou quem era ela. Humberto disse que era a filha mais nova de seu inimigo. Disse que ela teve uma grande desilusão com um namorado e nunca mais se interessou por ninguém. Seu olhar se apagou. Não acreditava que pudesse ser verdade.
À noite em sua cama pensava naqueles olhos, naquele encontro. Nunca em todos esses anos se interessou por uma mulher. Quando sentiu seu coração envolvido, era uma mulher da qual só queria distância. Talvez não tivesse mesmo sorte no amor.
O tempo passava e ele não conseguia esquecer Manu. Sempre se pegava pensando naquele olhar, naquela mulher tão doce que nem parecia ser filha de um cafajeste. Sentia-se ainda mais triste e solitário. Sentava-se à noite na varanda olhando a lua e as estrelas e sentia seu coração bater mais forte. Mas jamais poderia estar ao lado da filha daquele homem que tanto mal fez à sua família. Mergulhava no trabalho pra esquecer. Talvez sua sina fosse essa: cofres cheios e coração vazio.
Numa noite em um barzinho Humberto armou pra que se conhecessem. Ao serem apresentados ficaram super constrangidos. Conversaram rapidamente e se afastaram.
—Por que fez isso? Sabe que de nada vai adiantar nos colocar frente a frente. Uma barreira intransponível nos separa.
—Fiz porque preciso salvar vocês. Ela do desamor e você do ódio. — ele engoliu em seco.
—Não te pedi pra me salvar de nada.
—Eu te conheço desde criança. Considero-me seu amigo de verdade. Não vou deixá-lo morrer seco, estéril, cheio de ódio. Quero que conheça o amor. E sei que o amor já brotou em seu peito. Nada acontece por acaso. Se o amor brotou em você pela filha de seu maior inimigo é porque algo precisa mudar.
—Essa raça não presta. Não há que se gastar amor com quem não vale nada.
—Quando tudo aconteceu ela era apenas uma menina. Por que tem que pagar pelo que o pai fez?
—Ela tem o sangue ruim do pai. Não tem como trocar.
—Ela também está encantada por você. Por que não dar uma chance um pro outro?
—Não quero mais falar nesse assunto.
Os dias passavam lentos e quanto mais ele tentava não pensar em Manu, mais ela estava presente. Mas tinha a certeza que nunca poderia viver um amor com ela. Odiava seu pai e não era certo nem pensar em ceder e viver um amor com sua filha. Ela, depois de muitos anos se abriu novamente para o amor e não entendia aquela rixa idiota entre ele e seu pai.
Resistente e teimoso ele seguia a vida. Pensava que sempre foi fácil enquanto não conheceu o amor. Agora vivia atormentado e cada vez mais triste. E seu pai lhe apareceu:
—Meu filho amado, de que adianta ter conquistado tudo de volta? De que vale viver neste lugar onde sempre houve tanto amor se você só abriga ódio em seu coração? É chegada a hora de deixar de lado o ódio e acolher o amor. Eu te liberto do ódio e da vingança e te libero para o amor. Ser feliz é mais importante que tudo. A vida é curta, viva enquanto é tempo. Deixe que esta casa se encha novamente de amor, de felicidade, de alegria. Não me agrada sua amargura e infelicidade. Eu te abençoo e abençoo seu amor. Deixa pra lá o pai dela. A vida está cobrando tudo o que ele fez. Vai e seja feliz.
Ele acordou e viu que tinha sonhado. Nunca teve um sonho tão claro com seu pai. Mas pensava se não era seu eu que tentava fazê-lo ceder. Por muitos dias ficou meditando. Enfim resolveu que iria procurar Manu e conversar, conhecê-la, saber quem era na verdade. Humberto os aproximou e conversaram muito. Eram pessoas tão sofridas e se entendiam muito bem. Mesmo estando ainda resistente se encontraram outras vezes. Feito adolescentes conhecendo o amor caminhavam de mãos dadas, conversavam, riam, se conheciam. Souberam que tinham muito em comum e quanto gostavam de estar juntos.
Uma nova esperança surgia em seus corações de que o amor poderia salvar suas vidas do vazio, das desilusões, do desamor e do ódio…