Entre notas e sentidos
Às margens de um bosque denso e sombrio, onde as árvores se entrelaçam formando um teto natural e a luz do sol mal consegue penetrar, repousava uma pequena aldeia. Entre as casas de pedra e telhados de colmo, havia um jardim secreto onde flores de cores sutis, mas de uma beleza enigmática, balançavam suavemente ao vento.
No coração desse recanto escondido, vivia Elara. Ela era uma figura etérea, com uma presença que parecia quase sobrenatural. Seus olhos, grandes e profundos, brilhavam com uma intensidade rara, refletindo uma sabedoria e uma melancolia que cativavam todos que cruzavam seu caminho. Embora a voz de Elara nunca houvesse sido ouvida, seus olhos falavam um idioma próprio, repleto de sentimentos que transcendem palavras.
Do outro lado da aldeia, uma realidade distinta se desenrolava. Nikolai, um homem de semblante sereno e cabelos já salpicados de grisalho, vivia sua vida em completa escuridão desde a infância. A falta de visão não o impediu de cultivar uma sensibilidade musical rara. Sua audição aguçada e seu talento inato o tornaram um violinista excepcional. Todas as noites, o som do violino de Nikolai se espalhava pela praça central, criando uma sinfonia de notas que encantava todos que passavam.
Em um crepúsculo particularmente suave, enquanto as sombras se alongavam e a brisa começava a soprar, Elara passeava pelo bosque, guiada por um instinto que parecia ser mais profundo do que o simples desejo de um passeio. A melodia que envolvia a aldeia era familiar para ela, uma sinfonia que parecia chamar por algo mais profundo. Quando se aproximou da origem do som, seus olhos encontraram os de Nikolai, criando um vínculo silencioso, mas palpável.
Enquanto Nikolai tocava seu violino, cada nota parecia encontrar um eco no silêncio dos sentidos de Elara. Seus olhos, embora mudos, absorviam a melodia com uma intensidade que falava diretamente ao coração de Nikolai. Assim, eles se moviam entre notas e sentidos, criando uma conexão que transcendeu o físico.
Elara não tinha voz, mas seus olhos brilhavam com uma intensidade que cativava todos que a viam. Ela vivia reclusa, cuidando de seu jardim de flores silenciosas, que pareciam dançar ao vento.
Nikolai também sentiu algo especial. Ele parou de tocar e estendeu a mão na direção de Elara. Ela tocou seus dedos, e ele sorriu. Elara não podia falar, mas seus olhos diziam tudo o que ela sentia. Nikolai a levou para dançar sob a lua, guiando-a com movimentos suaves.
Os dias se transformaram em semanas, e o amor entre eles cresceu. Elara tocava o rosto de Nikolai, explorando cada traço com seus dedos delicados. Ele a levava para passear pelos campos, descrevendo as cores e os cheiros das flores que ela não podia ver. Juntos, criaram um mundo de silêncio e melodia.
Mas o destino é implacável. Uma noite, uma tempestade feroz atingiu a aldeia. Elara e Nikolai estavam juntos em sua pequena casa, abraçados, quando um raio atingiu uma árvore próxima. A casa pegou fogo, e as chamas se espalharam rapidamente.
Elara não hesitou. Ela correu para a janela e gritou, mesmo sem voz, pedindo ajuda. Os aldeões vieram correndo, mas o fogo era intenso demais. Nikolai estava preso dentro da casa em chamas.
Elara não pensou duas vezes. Ela entrou na casa, guiada apenas pelo som do violino de Nikolai, que ainda estava lá. Ela o encontrou, desmaiado, e o carregou para fora. Os aldeões conseguiram apagar o fogo, mas Elara estava gravemente ferida.
Nikolai é sentiu que Elara, lá estava. Seus olhos encontraram os dela, mesmo cego sentia a luz de Elara e ele sussurrou: “Você salvou minha vida.”
Elara sorriu, mesmo com lágrimas nos olhos. Ela não podia falar, mas seus olhos disseram tudo. Ela o amava mais do que as palavras poderiam expressar.
Nikolai beijou sua testa e tocou seus lábios. “Você é minha melodia silenciosa”, disse ele. “Minha luz na escuridão.”
E assim, eles ficaram juntos, Nikolai com o seu ouvido aguçado ouvia o sessar lento de sua respiração e a diminuição dos batimentos do coração que amou. Acompanhou até o último suspiro. Elara morreu nos braços de Nikolai, mas seus olhos permaneceram abertos, olhando para ele com amor eterno.