E O Coração Lá...
Deitada no sofá, Emília ouvia música. Seu casamento de quase vinte anos tinha terminado há pouco tempo. Apesar de já não haver mais amor ela ainda se sentia perdida.
Ao ouvir certa música seu pensamento voa, passeia por seu passado. Vai voltando e pousa em sua infância. Tantas lembranças das férias na fazenda do avô com os irmãos, primos e primas. Sorri sozinha. Eram dias tão felizes. Bons tempos eram aqueles de tanta inocência e sonhos. Pela manhã o leite ao pé da vaca, os banhos de riacho, as frutas colhidas no pé, os almoços fartos e alegres, as brincadeira e à noite, sob a luz de lampião, os mais velhos contavam casos, algumas vezes de assombração. A penumbra tornava tudo ainda mais fantasmagórico. Ela sentia muito medo. Sorri lembrando do primo Bernardo dizendo que a protegeria. Apenas dois anos mais velho, sempre a protegia e defendia de todos os perigos como se fosse um herói, sempre presente. Eram muito unidos e amigos. Tempos mais tarde, já adolescentes, na mesma fazenda ele roubou um beijo. Ficaram confusos e constrangidos. Não falaram mais nisso. Continuaram amigos. Depois foram estudar e se encontravam pouco. Quando começou a namorar seu futuro marido eles se afastaram por causa de ciúmes. Ele achava que entre eles havia mais que amizade. O tempo passou, ela se casou e perderam o contato. Só se viam nas festas de família. Ela voltou ao presente e sorriu. Pensou em Bernardo. Como estaria agora? Sabia que não tinha se casado. Teve alguns relacionamentos que não duraram.
Nas semanas seguintes Bernardo não lhe saia do pensamento. Sentia vontade de falar com ele, saber como estava. Teve um tempo que pensou estar apaixonada. Depois começou namorar outro e tudo ficou no passado, como uma doce lembrança. Decidiu que encontraria seu número de telefone e ligaria. Afinal foram tão amigos, tão ligados. Não importava que tanto tempo se passou. E ligou… Do outro lado a mesma voz, o mesmo jeito de se expressar. Era agora um empresário e ela uma advogada. Ambos bem sucedidos. Conversaram muito. Ele ficou emocionado ao falar novamente com a prima querida. Estava sozinho e já sabia de sua separação.
A partir desse dia sempre conversavam. Por telefone, nas redes sociais… E veio o convite dele para um jantar. Estavam ansiosos. Como seria o reencontro? Jantaram, conversaram, riram, relembraram o tempo em que sempre estavam juntos. Parecia que nunca se separaram. Ao deixá-la em casa ele roubou-lhe um beijo.
—É a segunda vez que lhe roubo um beijo.
—Pra que roubar? Eu daria numa boa. Não ficaria constrangida como aquela vez.
No dia seguinte mandou flores, lembrava quais eram as suas preferidas. Ela se emocionou. Continuaram se encontrando e cada vez se tornava mais urgente estarem juntos.
Num jantar na casa dela tudo aconteceu. O clima foi esquentando, beijos, carícias ousadas, desejos contidos por tantos anos explodindo. Toque de pele, química perfeita, calafrios de desejo, delírios de paixão. Toque de bocas, beijos ardentes, carícias delirantes roubando os sentidos. Paixão arrebatadora. Corpos se entregando, corações acelerados, convulsões de prazer. Abraçados em sintonia ele diz:
—Você não imagina o quanto eu te amava, o quanto eu te amei a vida inteira. Procurava encontrar você em uma namorada, em um caso passageiro, na mulher com quem vivi. Mas você é única, nenhuma conseguiu ocupar nenhum espaço em meu coração pois ele é todo seu. Por que você me rejeitou? Não posso acreditar que nunca percebeu o meu amor. Meus olhares, minha atitudes, o beijo roubado, tudo me denunciava e você se fazia de desentendida. Você nunca sentiu nada por mim. Eu sempre achei que queria, mas fugia.
—Teve um tempo que eu achei que te amava, mas tinha medo da reação de nossas famílias e preferi tentar esquecer. Somos primos, pensava que não era certo.
—Namoro, casamento, sexo entre primos não é proibido. Nem a lei dos homens nem a Igreja proíbe. E não acredito que Deus condene um amor tão grande como o que sempre senti por você. Não imagina o que eu sentia quando te via acompanhada, outro ocupando o lugar que era meu. Nem sei se devia me abrir assim, confessar tudo isso. Mas eu não resisto. Você se entregou de uma maneira que só uma mulher que ama se entrega.
—Acho que não importa o que passou. Eu estou me sentindo apaixonada por você. Não sabe como estou me sentindo feliz desde que nos reencontramos. Acho que só pode ser amor. Pessoas apaixonadas são assim, ficam bobas, românticas.
—Não saia mais de minha vida. Merecemos viver um amor, curtir a felicidade.
Seguiram juntos pela vida… E o coração lá…