Alberto

Quando eu estava na oitava série, gostava muito de escrever. Minha professora de português Shirley lia meus poemas e me elogiava. Eu sentia que era o seu favorito.

Um dia ela me perguntou se eu conhecia o Alberto, da outra turma. Experimentei o ciúme de um adolescente apaixonado.

Daí a uns dias, ela me trouxe um texto dele, no que fazia um rodeio para chegar à conclusão do raciocínio, recurso muito elogiado por ela e causador do meu ciúme crescente. Comecei a olhar para os meus textos com olhos medíocres. O pior era concordar com a professora a respeito da engenhosidade do Alberto. Escrevia bem mesmo. Era um autor de verdade. Eu via meu Éden falir.

Ele era melhor do que eu. Isso constatei com meus olhos. Eu me roía de ciúmes, mas não podia ficar parado, então tentei escrever um poema que arrebatasse de vez o coração da professora só pra mim. Compus estrofes com métrica regular e refrão cheio de simetrias e exatidão. Fui correndo mostrar a ela, que adorou. Disse que lembrava uma música do Cazuza. Eu conhecia a música e fiquei me sentindo lisonjeado. Depois ela disse que queria que eu conhecesse o Alberto, e então novamente vinha aquela sensação de pequenez, de mediocridade. Parecia que as coisas bonitas que eu fazia para ela ativavam um portal que me trazia o visitante para sentar-se conosco. Começava a ficar desconfiado das minhas próprias obras, que se voltavam pra mim, para me afrontar. E o quadro terminaria onde começou: ele era melhor do que eu.

Naquele mesmo dia, conheci o Alberto. Ela nos deixou e foi para o estacionamento. Ele e eu fomos caminhando para o ponto de ônibus e aproveitamos para trocar ideias. Descobri que ele, assim como eu, sentia por ela o que o fazia escrever e escrevendo buscava redundar em perfeição para compensar o que não poderia concretizar com nossa mútua amada musa.

Nada nessa proximidade diminuiu meu senso de posse sobre a pessoa dela em relação a ele e, se fez algo, foi acirrar minha rivalidade na perseguição do amor. Alberto era um garoto bacana, um moleque bom, e eu o via como um concorrente, de forma velada. Era uma competição unilateral? Covardia. Era a covardia.

Os dias vieram, e Alberto e eu fizemos o possível para conquistar a posição de favorito da professora Shirley. Ora nos revezando, ora cooperando. Sim, cooperando, os dois, unidos no propósito de agradá-la. Ela tinha esse poder. Unia os desunidos, que voltavam a se desunir para disputar o favoritismo platônico de um amor não conhecido. Ela não fazia ideia do que ocorria entre nós. Desperdiçávamos os dias que poderiam ser de amizade de verdade. Esses, sim, se foram.

Depois de voltar para minha casa, almoçava e ia ruminar o drama com o Alberto que morava na minha cabeça. Fazia minhas coisas, atendia minha mãe, as tarefas da escola.

Um dia, deu seis horas e minha mãe falou:

─ Vai ali no mercado comprar pra mim uma farinha, mas tem que ser torrada.

Eu me arrumei para sair. Ela disse:

─ Traz uma tipiti marrom.

Ia descendo pela rua, pensando na Shirley e no Alberto.

O que esse moleque tem que ver aqui no meio?

E eu ali no meio. Ia encucado, matuto naquilo. Entrei no mercado, peguei a farinha. “Marrom. É essa.”

Eu e os meus problemas. A farinha, a tarde, acordar cedo e ir para a escola. Paguei no caixa e saí, sentindo falta do meu sofá.

Olhei pro outro lado da rua, lá estava o Alberto, com seu boné eterno, a mão esquerda no bolso da bermuda, a direita segurava um pacote de bananadas, ainda vestido no uniforme da escola.

Não consegui atravessar a rua e falar com ele. Ele também não me notou. Me retirei discretamente e voltei para minha casa. Ele estava esperando um ônibus, e eu não vi quando passou.