DEVANEIOS DE UM ESTUDANTE

 

Nunca pude esquecê-la, Marlene era seu nome, uma mulher linda que foi por muito
tempo a razão dos meus sonhos de menino. Conheci Marlene quando tinha quatorze
anos de idade. Na época nossa família tinha passado a morar na cidade, visto que no
sítio onde morávamos não havia recursos para que eu pudesse dar meus primeiros
passos, dentro de uma sala de aula, por isso, iniciei meus estudos já fora da faixa
etária, porém por ser um autodidata os diretores da Escola Euclides da Cunha, me
aceitaram e me colocaram logo no primeiro ano primário.
Lembro que no meu primeiro dia de aula sentia-me como um pássaro preso numa
gaiola, sem muita ação e assustado com aquele ambiente novo, onde meninos e
meninas da minha idade se apresentavam fardadas e perfilados para a entrada nas
salas de aula… recordo que antes da entrada era obrigatório cantarmos o Hino
Nacional. Eu, um menino matuto, vindo das brenhas dos matos sentia-me receoso e
trêmulo, pois nunca havia cantado o tal hino, a não ser ouvido no rádio de minha casa.
Depois do término todos os alunos iam pra suas salas em fila e em silêncio. Lembro
que as carteiras eram uma só, porém bem grandes, onde sentávamos em par, sentei-
me na carteira 12, em seguida, sentou-se junto a mim, uma menina bonita e
perfumada, com o nome de Jane, filha de pessoas ricas, da cidade, porém de uma alma
linda e cordial, com quem passei a contar com a ajuda para orientar-me com alguma
coisa que eu ainda não conhecia.
Relembro que era quase sete da manhã, quando entrou na sala de aula, uma mulher
de cabelos pretos, morena e sorridente, posicionou-se em frente de todos e com um
sorriso de anjo deu bom dia pra gente. Era Marlene Gomes, a nossa professora de
Português, ela era linda demais, educada ao extremo, carinhosa com os alunos que
dava gosto de ver. Estava eu ali, vivendo um mundo totalmente diferente, do que eu
vivia antes, no sol escaldante da lavoura e nos cuidados das poucas criações que
tínhamos.
Os dias foram passando, e cada vez mais conseguia a simpatia dos alunos e da
professora Marlene, e não demorou muito para eu me apaixonar por minha professora
de Português, em tudo que eu via ou escrevia eu via Marlene, no meu rico imaginário
de menino, a professora Marlene era minha namorada, o certo é que pedia a Deus
para chegar de noite, só para sonhar com aquela que passou a ser a razão de um
menino pobre e roceiro, que o tempo e o sofrimento fez um homem prematuro.
O tempo corria feito louco e eu cada vez mais apaixonado por minha professora,
vibrava de alegria quando Marlene entrava na sala de aula, com aquele olhar lindo e o
sorriso que me enchia de luz, ela era uma deusa, os dentes alvinhos de fazer gosto!
Mas, como alegria e pobre dura pouco, foi numa quinta-feira de não sei o ano, que
Marlene sumiu da sala de aula, e aquilo me deixou intrigado, procurei sabe com Jane o

motivo da sua ausência, mas ela não soube me responder… fiquei muito triste, e os
dias seguintes ela permanecia sem vir lecionar, sendo substituída por D. Alba.
Mas, tudo veio à tona quando Francinaldo, meu amigo de sala de aula entrou
espantado e falou baixinho em meu ouvido:
“- Sua amada morreu, a professora Marlene faleceu, minha prima trabalha na casa de
um irmão dela e ele falou que ela vinha se tratando de um câncer nos seios. E hoje
cedinho se foi para junto de Deus.” Confesso, que nunca tinha sentido tanta dor, em
minha vida; naquela hora o meu mundo escureceu, em prantos larguei a sala de aula
feito louco entrei na Diretoria, aos prantos e chorando perguntei a D. Maria José
Sampaio, se era verdade o ocorrido, lembro que na hora ela olhou-me de cima a baixo
e falou que sim.
Bem, passaram-se alguns dias do seu falecimento e eu já não sentia ânimo pra voltar a
estudar, não sentia vontade de comer e pouco falava com meus pais e irmãos, o
mundo havia se acabado para mim, a minha amada tinha partido para perto de Deus, e
eu só queria morrer para ficar juntinho dela e poder desfrutar daquele amor platônico
de um menino que veio conhecer o amor de uma forma tão complicada.
Hoje sou um Homem maduro, que ao longo dos meus 58 anos de idade, nunca pude
esquecer aquela mulher incrível, que se foi, sem nunca saber do meu amor por ela.
Porém, sempre que visito minha terra natal, Senador Pompeu CE, vou visitar seu
túmulo, onde posso ler em letras quase apagadas: “AQUI JAZ-MARLENE GOMES.”

Vantuilo Gonçalves
Enviado por Vantuilo Gonçalves em 30/07/2024
Reeditado em 30/07/2024
Código do texto: T8118027
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