Milagre do Amor
Comemorar o aniversário de uma criança é uma alegria contagiante. A família reunida, dedinhos distraídos deixando marcas no bolo e denunciando o autor pelo restinho de recheio que ficou grudado nos lábios. A velinha é soprada por muitas bocas inocentes de priminhos que disputam espaço com o aniversariante. Tudo é festa, tudo é motivo de alegria.
Assim foi a comemoração dos dois anos de vida completados por Jessé. Ninguém esperava que, nos dias seguintes, toda aquela alegria fosse se transformar em momentos de aflição na família, quando foi diagnosticado com uma doença que, à época, era quase uma sentença de morte: Leucemia. O prognóstico médico foi avassalador, anunciando que mais de 80% das células sanguíneas estavam comprometidas.
A notícia se espalhou pela família e, em poucos instantes, a alegria se transformou em profunda tristeza. Parentes manifestaram solidariedade, deram palpites animadores, indicaram tratamentos alternativos, tentando ajudar a família da melhor forma possível.
Os primeiros dois meses foram cruciais, com a criança isolada num minúsculo quarto de hospital, na companhia da mãe Lúcia, protegidos do meio exterior e tentando se proteger no ambiente interior também. Máscaras eram usadas continuamente, mãos e objetos eram higienizados a todo momento para evitar qualquer tipo de contaminação. Como explicar isso para uma criança que tinha acabado de festejar com os priminhos o seu aniversário?
Difícil mesmo foi levar a avó para visitar o neto no hospital, após o período inicial de isolamento. "Estou preso, vó", foi o que ela ouviu daquela boquinha inocente que não entendia o motivo de estar com o braço imobilizado na grade lateral da cama para evitar perder o acesso do soro e medicamentos.
Essa foi a única e última vez que a avó esteve visitando o neto no hospital. Preferiu ter notícias por meio das filhas a ter que passar novamente por tamanha dor. Acreditou no ditado popular “o que os olhos não veem, o coração não sente”. Só que não... o coração doía demais e iria doer por muito tempo ainda. Era preciso fortalecer a fé para suportar tamanha dor.
O primeiro ano de tratamento foi de muita insegurança, medo, momentos de pânico, buscas por recursos da medicina tradicional, alternativos, tratamentos espirituais e tudo mais que chegasse como uma esperança de cura.
A dedicação de Lúcia ao pequeno era em tempo integral. Seu emprego de longa data foi deixado para que a dedicação a ele fosse exclusiva. Jessé ainda mamava no peito e era isso que o mantinha em condições de suportar a quimioterapia. Recusava outros alimentos e houve um tempo em que passou a aceitar “asinha de frango” que a avó preparava com todo carinho e as tias levavam para ele no hospital.
Em casa, muitas vezes a mãe oferecia leite no conta-gotas porque o materno já não era suficiente. A saúde física e emocional da mãe estava frágil; era preciso cuidar dela também. E a família, ainda mais unida, não media esforços para apoiar no que fosse preciso. A presença das tias e tios mais próximos era diária.
Em meio ao turbilhão de preocupações, outras se somaram. O desemprego do marido de Lúcia chegou como uma bomba, desestabilizando a estrutura familiar. Na mesma época, um furto em sua residência subtraiu o pouco que haviam conquistado ao longo dos anos com o suor de seus trabalhos, buscando garantir o bem-estar material dos filhos.
Mas o momento era de dedicação ao pequeno Jessé. Era preciso buscar todas as formas de ajudá-lo a recuperar a saúde, utilizando tudo o que a ciência oferecesse para a cura e aproveitando todas as possibilidades que o universo pudesse proporcionar.
Nessa busca, o caminho deles se cruzou com o caminho de Maria, uma mulher de fé inabalável que vivia numa pequena cidade no interior de São Paulo. Ela se tornou um porto seguro para a família, oferecendo apoio espiritual para lidar com a situação.
No dia em que os médicos desenganaram a criança, prevendo que teria apenas algumas horas de vida, as tias de Jessé foram à casa de Maria. Encontraram-na no portão, já com os móveis no caminhão, pronta para se mudar de bairro. Ao perceber o desespero delas, Maria se aproximou do jardim, colheu um botão de rosa e disse às tias que ficassem em paz. Ela prometeu que, ao chegar à sua nova casa, colocaria o botão em um vaso com água e o ofereceria a Nossa Senhora Aparecida, pedindo que intercedesse pela vida da criança.
De lá, as tias foram diretamente ao hospital. Havia urgência em visitar o sobrinho e apoiar a irmã. Poderia ser a última visita. Chegando lá, Lúcia recebeu as irmãs com um semblante de profunda tristeza e as conduziu ao quarto para verem o sobrinho. Ao saírem, estavam devastadas. O menino parecia um balão, tamanho era o inchaço em sua barriga, e na pele branca sobressaía o azulado das veias. Era uma cena capaz de fazer chorar até o ser mais insensível da face da terra.
Ao cair da noite, a família se reuniu para rezar enquanto olhavam os ponteiros do relógio marcarem os segundos, minutos e horas que passavam lentamente. O coração apertado no peito da avó e das tias refletia a angústia de um desfecho iminente.
Ao despertar no dia seguinte, as tias voltaram ao hospital. Quando a porta do quarto se abriu, Lúcia, visivelmente abatida, contou sobre a difícil noite que passou ao lado do filho agonizante. Mas, para espanto de todos, ele estava vivo! Enfermeiros e médicos, exaustos, mal podiam acreditar que a criança tivesse resistido àquela noite. Lúcia contou que, na madrugada, por um breve momento fechou os olhos e teve um sonho reconfortante. Nele, Nossa Senhora apareceu e entregou-lhe uma rosa. Nesse instante, as tias se emocionaram profundamente, pois no dia anterior, não haviam mencionado nada sobre o botão de rosa colhido por Maria no jardim para oferecer a Nossa Senhora.
Fato é que, a partir desse dia, a recuperação do menino foi surpreendente. Em poucos dias, ele recebeu alta e nunca mais passou um dia sequer internado.
O amor triunfou! Essa força que move montanhas e nos faz acreditar no improvável. Amor que busca na ciência todos os recursos possíveis, que acredita na fé como a maior força do universo. Um amor capaz de transformar e acionar as forças do bem. Inspirador e conspirador em nosso favor. Um amor que se multiplica nas dificuldades.