OLHANDO AS ESTRELAS
Nando abriu a janela e recuou um pouco, olhando o firmamento. A noite estava linda, o céu estrelado, mas a aragem fria que invadira sem permissão o aposento era pouco convidativa. Acabou por fechá-la. Ponderou um pouco, olhando através dos vidros e depois dirigiu-se ao outro quarto, onde Lucia repousava na cadeira de rodas. Destravou-a e empurrou-a suavemente até junto da janela que antes fechara.
Nando apontou o céu e ela seguiu a indicação com o olhar.
- Que linda noite, querido - murmurou extasiada.
- Sim, está uma noite maravilhosa… Adequada para olhar as estrelas…
Lucia contemplou o céu em silêncio, muda de encanto.
Ao fim de algum tempo, Nando falou-lhe perto do ouvido:
- Sabias que algumas das estrelas que agora estás a ver podem já nem existir, ter-se extinto? Mas como a distância é inimaginável, mesmo com a velocidade da luz, ainda conseguimos distinguir a sua luminosidade.
Ela suspirou.
- Não ligo para essas coisas da ciência, prefiro ver o lado romântico. Por exemplo, quero crer que aqueles pontos de luz são pessoas queridas que já partiram e estão ali a zelar por nós.
Ele olhou-a, embevecido com o jeito ingénuo dela e acariciou os cabelos brancos que lhe configuravam o crânio.
- Não foi por acaso que me apaixonei por ti, sabes? O modo terno e fantástico como interpretas tudo o que te cerca há muito me seduziu.
Ela olhou-o tristemente e baixando os olhos retorquiu:
- Tens sido tão carinhoso, tão meigo … Só te dou trabalho, cuidas de mim, alimentas-me, banhas-me, vestes-me… Poderias estar com outra, sem todos estes problemas…Que seria de mim se não existisses?
- Tolinha, não precisei de assinar papeis para gostar muito de ti, para te amar… e quando se ama, cuida-se, vale nos bons e nos maus momentos, essa é a forma que eu entendo ser a correta.
Ela disfarçou uma lágrima rebelde e olhou-o de novo, profundamente reconhecida, a face iluminada pelo luar.
Nando abraçou-a, enternecido e beijou-lhe as faces.
- Estarei sempre aqui, ao teu lado… E não te preocupes, Deus dará um jeito para que nunca fiques só.
- Obrigado, meu amor…- sussurrou, acariciando-lhe a face.
Ele então pegou-lhe no queixo, beijando-a suavemente nos lábios.
- Somos um do outro e sempre assim será até ao fim. Como se fossemos um só ser…
Passado algum tempo, estando ele ajoelhado no chão ao lado da cadeira de rodas, abraçado a ela, viraram ambos o rosto para a janela e olharam de novo as estrelas.
- Que céu tão lindo, cintilante…é pura poesia…
- Deus fê-lo assim em nossa honra…
- Presunção tua, querido…
- O que custa sonhar? Estamos juntos, o cenário é extraordinário, desperta-nos fantasias…
- Tens razão, a noite está divinal e contigo sinto-me nas nuvens, esqueço-me das minhas dores e mágoas…
- Hummm… Agora quero que esqueças tudo o que é mau e apenas penses no que é bom para ti e te faz feliz…
- Só tu me fazes feliz…
- Então pensa em mim, sempre…
- Estás sempre em mim, nunca me sais do pensamento.
- Querida…- olhou-a apaixonado - é por isso que te amo tanto…
Calaram-se algum tempo e depois ele quebrou o silêncio:
- Amor, não queres deitar-te? Está a ficar frio... Vamos ficar juntinhos, abraçados, como gostamos…
- Está bem, querido, mas antes deixa-me olhar de novo este céu tão lindo… O Éden deve ser assim…
Ele aguardou alguns momentos, depois rodou a cadeira e conduziu-a até junto da cama, no outro quarto. Travou a cadeira, puxou a coberta para trás, pegou na figura franzina de Lucia por baixo dos braços e deitou-a suavemente, tapando-a.
Depois correu os estores por causa da luminosidade e dando a volta à cama também se deitou, abraçando o vulto que ali repousava.
Ouvindo PATSY CLINE - CRAZY (1961)