O Mecanismo da Amizade

O que faz alguém ter sentimentos tão intensos e tão profundos por outra pessoa? Por que alguém deixaria sua mente ser tomada pela paixão por alguém que mal conhece? Por que a paixão é tão sequestrante? Se não retribuída, torna-se obsessão. Se correspondida, mas sem dedicação, transforma-se em desencontro frustrante.

E se nos permitirmos questionar, por que romantizamos o desastre? E se a paixão nada tiver a ver com o amor? Será que alguém sabe realmente separar o desejo do bem-querer? E se não soubermos o que é o amor? E se você nunca tiver amado de verdade? Ouvi isso de um amigo, sobre nunca ter amado.

Ele falou que seu avô, moribundo e entregue, foi sepultado sem homenagens, exceto por uma filha chorando, abandonada. O resto da família, sem saber o que sentir, pesados pela perda, mas paradoxalmente aliviados pela partida. Naquele dia, ele, meu amigo, não derrubou nenhuma lágrima.

O caixão desceu à cova, seguido por escombros, como quem enterra um aborto nojento, torcendo para que a terra não o cuspisse para fora em forma de morto-vivo decadente.

Meu coração é uma casa abandonada, fétida e mofada. O mundo não faz sentido. De um lado da fronteira, crianças inocentes morrem de fome enquanto, do outro, presunçosos egoístas têm muito mais do que precisam.

Aqueles que deveriam se calar são os que mais falam. Como ninguém vê isso? Eu não quero viver em um mundo assim. Muito embora, eu, como engrenagem do mecanismo mundano, serei hipócrita ao constatar tal verdade. Se no meu silêncio, habita meu consentimento.

Gostei de uma menina por uns sete ou oito anos, não sei direito. Na verdade, foram oito anos, quatro meses e vinte e sete dias desde que nossos olhares se cruzaram e fizeram de mim um abismo sem sentido. Ela tinha cabelos pretos derramando sobre seu corpo juvenil; conforme crescia, o tempo lhe presenteou com todas as graças femininas. Eu era o seu prosélito cego, viciado na dopamina de imaginar cenários impossíveis onde eu e ela nos encontraríamos, e isso jamais aconteceu.

Ela encontrou alguém. E no mês seguinte, postou no Instagram uma foto de alianças recém-compradas com a legenda: "Você é o meu feliz para sempre."

Mas amor ao lado dele? Eu não acredito nisso. O que é sequer o amor? A todos que perguntei, me deram respostas diferentes. Acreditei ser sábios os que disseram não saber.

Nesse momento, sei que meus sentimentos pela Alessandra são nada mais que lixo emocional. Prometi e zelei para nunca mais sentir nada, mas ela surgiu em um momento de fragilidade minha. Isso não significa que sou fraco e que não consigo lutar contra meus sentimentos. A responsabilidade de acabar com meus sentimentos é só minha. Alessandra é gentil demais; se ela soubesse algo, acabaria por ficar preocupada. É por isso que vou esconder isso dela até às últimas consequências. Pois este amor tem que acabar.

No fim das contas, ela só foi uma anomalia emocional, que passou pela incompletude do meu ser e fez seu ninho. Tomou parte de meus pensamentos, como uma dívida que não posso pagar. Mas o seu ninho será seu túmulo, Alessandra. Eu vou te matar dentro de mim mesmo. Talvez, em circunstâncias diferentes, se nossos mundos não fossem tão opostos, nós poderíamos ter sido amigos...