MINHA PRIMEIRA PAIXÃO
MEU PRIMEIRO AMOR
Eu conhecia a viúva de vista. Ela passava em frente da nossa casa quando ia ao mercado. Ao olhar para ela pela primeira vez, alguma coisa fez cócegas lá dentro da minha barriga e me deixou de pernas moles. Então, naquele dia. que acompanhei a mãe à casa dela, fiquei meio encabulado, sentado numa cadeira enquanto elas conversavam. Madalena me perguntou se eu gostava de ler e disse para eu pegar um livro na estante.
Durante aqueles 30 minutos que ficamos na casa da viúva, eu li vários livros, aliás, li apenas alguns trechos. Fingia ler, enquanto por um vão na estante, entre o livro de Eça de Queirós, (O Crime do Padre Amaro) e o de Júlio Ribeiro, (A Carne); eu admirava Madalena conversando com minha mãe no quarto. Minha cabeça encheu-se de fantasias. Mas em certo momento a porta foi fechada acabando com meu devaneio.
Eu sabia que aquele sentimento era algo bobo, inútil, que a diferença de idade era muito grande, que Madalena nunca se casaria comigo, sequer pensava em mim. Para deixar de pensar na bela viúva, comecei a sair com meus dois amigos para caçar e pescar. O Zeca tinha 15 anos e o Chico, 11.
No bairro, havia uma casa abandonada considerada mal-assombrada e certo dia, o Zeca nos desafiou a entrar nela. Entrar pela porta da frente e sair pela porta dos fundos, foi o combinado.
Na minha ideia, seria moleza entrar correndo pela frente e sair pela porta dos fundos. Era só atravessar o corredor que dava reto do outro lado. No dia seguinte, nos encontramos em frente da casa abandonada. Era mais comprida do que larga, tinha uma varanda ao redor. Nas paredes, manchas brancas encardidas era o que restava da antiga pintura. Ervas daninhas cresciam ao redor.
Um trovão soou na distância. Grossas nuvens começaram a surgir no horizonte. A tarde findava e um vento impertinente começou a soprar. Foi decidido que eu seria o primeiro a entrar. Respirei fundo e me fui, passei por cima do portão de ferro tombado no chão e entrei na varanda. Como bem dissera Zeca, a porta estava entreaberta. Eu precisava acabar de abrir, entrar e correr.
Os trovões se intensificavam e a chuva não tardaria a cair. Estendi o braço para empurrar a porta, quando ouvi os gritos dos garotos. Voltei-me e vi meus dois companheiros correndo como loucos, morro abaixo. Até parecia que viram um fantasma.
De repente surgiu algo na esquina da casa que me deixou com os cabelos da nuca em pé. Um vulto branco. Em princípio julguei ser um fantasma, mas depois percebi que era uma mulher de carne e osso. Era Madalena! Me lembrei da música de Jorge Ben, Maravilha; “ela vem toda de branco, toda molhada linda e despenteada, que maravilha, que coisa linda é o meu amor”.
Ao me ver, a viúva sorriu, ajeitando uns fios de cabelos atrás das orelhas.
─ Ainda bem que temos um abrigo!
Sacudi a cabeça, olhando para a chuva que caia. Que maravilha! Eu não sabia se ia embora ou ficava. Fiquei meio abobado com aquela aparição. Madalena era uma mulher bonita de doer. Eu sempre a admirei, assistindo-a passar pela rua quando ia ao mercado, sorrindo e cumprimentando todo mundo. Voltava carregando uma sacola e eu pensava em perguntar se precisava de ajuda, mas nunca tive coragem. Eu era muito envergonhado.
─ Fui visitar a minha comadre. Se soubesse que ia chover não tinha saído de casa! – disse ela, com aquela voz macia, aveludada. – E você, o que está fazendo aqui?
─ Fugindo da chuva.
A proximidade com aquela mulher me deixava num estado de graça. Eu tinha medo, não sei do que. Pensei em ir embora. Até dei um passo para frente, mas um trovão estourou bem sobre nós e eu me assustei. A viúva puxou-me e me abraçou como se eu ainda fosse uma criança. Fiquei com o rosto colado no busto dela. Que perfume!
─ Não saia daqui! É perigoso sair ao ar livre quando está trovejando. Um raio pode pegar em você!
Mesmo gostando daquele abraço, me desfiz dele com delicadeza, em respeito a espontaneidade e a pureza daquele gesto. Ficamos encostados na parede, esperando a chuva passar e conversando banalidades. Quando a chuva amainou, Madalena virou o rosto para mim e esboçou um sorriso.
─ A tempestade passou. - ela agitou os dedos na altura do rosto.- Tchau!
Fiquei extasiado, vendo-a sumir na curva do caminho. Que fantasma lindo!
No outro dia, fiquei na varanda de casa esperando ela voltar do mercado, carregada de compras. Eu estava pronto para oferecer ajuda, mas a viúva veio acompanhada. Um homem carregava as sacolas para ela. Os dois conversavam e riam como dois pombinhos apaixonados. Com um suspiro de resignação, entrei em casa pra fazer o dever da escola.
Fim