Buscou Ajuda Dum Santo Para Casar

Por Nemilson Vieira de Morais (*)

Quase um romance...

'Casai com seu vizinho' — Manoel da Costa

Ribamar filho mais velho de Zé de Dora e Mariquinha. Trabalhava com afinco, com os pais, num sítio no Cabeçudo.

No trabalho, Ribamar era um “coringa": ajudava na lavoura de subsistência da família; tratava das criações e cuidava dos irmãos menores. Por a mãe sofrer seus incômodos de saúde; após o parto de Carmelita, a caçula da casa.

Volta e meia dona Mariquinha precisava ir ao médico em Campos Belos, para fazer exames, um checape. Zé de Dora apresentava suas limitações quanto as execuções das atividades da propriedade: pela idade avançada. E o pesado do serviço recaía sobre os ombros de Ribamar o mais velho dos filhos, mas isso não havia de ser nada para ele com o seu vigor; forças e disposição para a luta.

Mas como não era de ferro...

Ribamar às vezes saía com alguns amigos para a cidade; e por lá pegavam o sol com a mão (virava a noite) nas farras. A queimar um dente, molhar a palavra... nuns tragos de aperitivos com meizinhas (uma planta, uma raiz de pau): budim, sucupira, milhome... Nunca namorou sério, e não tinha namorada certa para namorar, mas namorava assim mesmo; nem se fosse um provar de néctar que nem o beija-flor; numa e noutra flor do jardim da ilusão.

Geralmente nas tardes de finais de semana, do Campos Belos antigo (meados de 1970), Ribamar dava um tempo do sítio e logo era visto montado no Imponente pelas redondezas do Curral da matança (zona boêmia). Trajes fivo... chapeu-panamá de bordas dobradas para cima e botinas zebu; compradas na Sapataria Lobo, de Aleixandre Lobo, Rua co comécio. Que só eram usadas para vir a sede do município.

E como a noite é uma criança...

Frequantava os forrós-pé-de serra tocado por Luiz Farofa e, Pedro Canuto. — Por vitrolas, ou radiolas em casa de família.

Os sanfoneiros, nos intervalos dos toques do fole, enxugavam umas e outras margaças... daquelas que o passarinho não bebe. — De boa qualidade fabricada nos alambiques artesanais da região. O restilo era mais forte (de alto teor etílico), — chamado de "cabeça da cachaça".

Dona Mariquinha se preocupava com as idas do filho a Campos Belos. Quando bebia seu temperamento ficava "demudado" para pior, como ela mesma dizia. Mas o pai defendia o rapaz, alegando que ele trabalhava demais e precisava de um momento para se divertir.

O tempo passou depressa para Ribamar: quando percebeu, seus cabelos brancos, já haviam tomado parte da sua cabeça. — Melhor seria não ter arrancado os primeiros fios brancos que íam aparecendo. Naquele uso constante do espelhinho-de-bolso, pela casa afora. "Não arrancarei mais os meus cabelos brancos, já que a natureza quer assim... assim seja". — Dizia Ribamar a um amigo que o aconselhava a dar um trato no visual e, se parecer mais jovem.

Sua preocupação se fazia notória: com o tempo a correr para ele, da maneira que corria. E sem uma companheira que a amasse, ao seu lado.

"Há um bom tempo que Ribamar deixou de ser um garoto". — Dizia o seu pai.

A força de trabalho já não era mais a mesma; isso era incontestável. Os músculos se tornaram mais flácidos, e até as leituras costumeiras que Ribamar fazia, passou a depender dos óculos de graus.

Há uma certa cobrança da sociedade e interna, da própria pessoa em si, ao casamento. Alguns amigos, casados (as), fazem chacotas dos solteirões por não viverem como eles: compromissado com alguém, numa relação a dois.

Ribamar não aguentava mais os amigos batendo na mesma tecla, dia após dia: “Se Ribamar continuar assim vai ficar para titio”.

Se perto da mãe, diziam: ”Quando é que você vai arrumar uma nora para a sua mãe, Ribamar?”.

Desconsertado Ribamar ria sem graça; mas na solidão da noite, lá com o travesseiro, pensava seriamente sobre o assunto. E concluía, antes de dormir, que havia sentido às cobranças a ele (todas elas), inclusive a dele: em que, se casasse.

Vivia na mente de Ribamar as palavras do, quase centenário, Manoel da costa, da Rua 7 de Setembro; em que alertava aos moços, no ponto de se casar:

“Casamento é bom, mas casai com seus vizinhos (as)!”

Ribamar decidiu levar a coisa mais a sério: "... Não me casei. Mas, um amor de verdade, uma família faz muita falta", disse a um amigo que lhe perguntou se já havia se casado. Nesse sentido precisava agir, de alguma forma para encontrar sua cara metade... uma 'vizinha' que pudesse ser a dona do seu coração. — Ia fazer de tudo e mais um pouco, para integrar-se ao "time dos casados".

... Não por despresar seu time do coração (o de solteiro), pois Ribamar tinha um apreço grande a este: pelos seus momentos de glória vivido nessa agremiação. Apesar de não ter ganho torneios, significativos, nunca foi rebaixado.

Entre a sua vizinhança, a possibilidade de Ribamar encontrar uma solteirona disponível, a seu gosto, era remota... não por ele ser um mau "partido", mas por achar estarem todas elas casadas. Não lembrava no momento, de ainda ter alguma. Encarar viúvas ou mulheres separadas, não queria nauele momento; estava complicado; e o tempo a passar por ele como um tiro...

Ribamar não passava nem perto de ser aquele príncipe lindo, maravilhoso, que toda mulher gostaria de tê-lo, para o resto da vida. Longe disso. — Pelo contrário Ribamar não tinha tanta aparência assim... e nem uma situação econômica resolvida; mas isso não era tanto impercilho. O rapaz possuía outras características importantes: era trabalhador, honrado, cumpridor dos seus deveres, uma pessoa do bem; de ideias consistentes e, amável...

Como as coisas não caem do céu de mão beijada, Ribamar foi a luta...

Queria tirar uma dúvida que, a ele precisava ser esclarecida, quanto ao casamento; para dirimi-la teria que ouvir alguém com muita experiência. Então foi ter com um sábio que morava nos confins da terra e dava bons conselhos. Que, descansava uns dias, numa tenda de palhas de buritis aos pés da Serra Geral. Onde o Rio Mosquito faz a curva em forma de "S", — nos termos de Pouso Alto.

Imponente (seu vavalo) era pau de toda obra: sairam de casa pela manhã e após horas de cavalgaduras com Ribamar no lombo chegou ao distrito.

Passou no buteco dum amigo para "bochechar" um aguardente. Apeou do cavalo e o amarrou numa estaca de cerca e entrou. O dono da venda tomava um suco de limão.

— Cumpade Vicente, boa tarde; cumé que tem passado e, a cumade Raimunda com os mininos, vão bem?

— Tudo bem; como Deus é servido; nas graças do Minino Jesus

— Cumpade põe uma das boas aí pra eu queimar um dente que disparou a doer aqui!

Ribamar tinha pressa devido ao horário e seguiu seu destino...

Despediu do seu compadre Vicente e transpôs o Mosquito a nado, com o Imponente. Tirou uma lasca da Cruz dos revoltosos (mortos na travessura do rio), ganhou um campo aberto, subiu uma íngreme trilha no espinhaço dum morro...

A tardinha, avistou um fogo aceso e uns peixes assando no braseiro, enrolados em palhas de bananeiras; dois cachorros-do-mato peitaram Ribamar, mas foram aquietados pelo sábio, que abanava o fogo; com abano feito por ele mesmo; de palhas de buritizeiro.

Num português precário apresentou-se e quis saber quem era ele, bem como o motivo daquela visita inesperada; àquelas horas.

Na calmaria dos bichos, e no frescor de uma noite de lua-clara, o convidou a centar-se numa pedra em volta do fogo.

Numa certa altura da prosa, Ribamar lhe perguntou:

— Mestre gostaria muito de ouvir uma resposta do senhor, quanto ao casamento; qual o melhor para mim, casar ou não casar? O sábio pensou, tornou a pensar e disse a Ribamar:

— Nesse caso meu filho, não há como saber sobre a sua melhor opção; o que eu sei é que, em qualquer uma das decisões que você tomar, em algum momento haverá um arrependimento.

Pronto, Ribamar despediu-se do sábio com um nó nos pensamentos; do jeito que havia chegado: com a mesma dúvida.

O encontro com aquele ancião, fonte de sabedoria não foi perdido...

Ouve outras variantes da conversa bastante interessante, proveitosas. Uma delas, foi a sugestão dada pelo sábio na sua despedida:

— Descansa seu coração e ouça a sua mãe quando for tomar uma decisão importante na vida!

Após a última recomendação do sábio, Ribamar lembrou-se, de um conselho de dona Mariquinha, a mãe:

“Seja mais frequente na igreja meu filho, e faça uma amizade com um Santo daqueles. Um Santo faz muita falta na vida duma pessoa”.

Ribamar colocou em seu coração de não desistir do seu sonho e de lutar por ele; e lembrou-se do protetor dos mais necessitados e do matrimônio: o santo do amor: e amarrou Santo Antônio de cbeça para baixo; para que o ajudasse a encontrar seu amor. E só o desamarraria depois da benção alcançada.

O dia do santo, 13 de junho; e com certeza iria acontecer algumas comemorações... Chegado o grande dia da festa, bem cedo, Ribamar escovou o Imponente, seu cavalo de montaria e o selou com um arreio bonito. E com muita fé de ser atendido em seu pedido...

Só rememorndo: Imponente corria de igual para igual com os cavalos campo lina de Edson do Açougue e em algumas vezes chegava em primeiro lugar, nessas corridas de cavalos; um tanto já famosa na cidade e redondezas. Naquele tempo inicialmente a pista de corrida de cavalos ficava nas imediações do Colégio Dom Alano, Praça da Bíblia e do primeiro campo de aviação.

Ribamar num terno de linho branco, em que, só usava nos momentos especiais; uma gravata listrada a combinar com uma camisa branca, sapatos, preto de cromo, estava pronto e despediu dos pais e rumou para festividade.

Era a primeira obrigação religiosa de Ribamar; Imponente inquieto só queria ganhar a estrada. Afrouxou as rédeas do macho e garrou numa marcha serena que nem demorou tanto, e já ouviu barulho de foguetes; logo chegou a Campos Belos.

Fiéis da sede do município e região convergiam em massa e disputavam palmo a palmo um espaço, na Igreja Matriz para fazer suas preces, seus votos e seus agradecimentos, pelas graças recebidas.

As ruas da cidade estavam movimentadas e a Praça Central não cabia mais gente...

Cavaleiros e amazonas perfilados em procissão; apostos em seus cavalos. E estouros de fogos de artifícios por todo cantos avisavam a chegada do santo na Igreja matriz.

Dona Maria Baiana perdeu uma das mãos numa ocasião dessas, ao soltar esses fogos para um santo! E muitos passaram a amarrar as varetas de foguetes de 1, 2 e 3 três tiros, numa vara comprida para diminuir os acidentes nessas comemorações.

Havia uma imensa fila de nubentes para o casamento coletivo. E filas indianas de cavaleiros, vindo de todos os recôncavos, enfeitados; e cada um com suas bandeirolas tremulando no ar e, caixas de foguetes; com estampas da foto dum santo qualquer...

Ribamar participou um pouco da passeata com os colegas cavaleiros, mas não podia perder tempo e logo saiu. Foi rogar ao Santo casamenteiro: Santo Antônio, para encontrar a sua pretendida.

Amarrou o Imponente no braço da cruz de madeira, fincada na porta do Templo e adentrou no santuário com dificuldade: devido à multidão de fiéis que se aglomeravam por todos os lados.

Mas, pela muita paciência Ribamar conseguiu chegar no incensário, e queimou duas velas... uma para si e outra ao santo das causas impossíveis (São Judas Tadeu). Seguindo adiante e chegou defronte do santo mais procurado pelos solteirões encalhados. — Em desespero para se casarem.

Não se alongou em palavras, com o milagreiro, fez logo seu pedido, uma prece, e riscou três vezes o polegar direito na testa, em em forma cruz. Ao virar-se, para atender alguém que o havia chamou duas vezes; deparou-se com a Belinha, filha de Manuel Casca Grossa e dona Jovita, vizinhos do sítio. Que visitava os pais que não os via há anos!

Estava lá também, a participar da festa da padroeira; como o fazia no passado. E pelo fato de morar distante, estava ausente dessas festividades. Belinha havia feito suas preces e estava quase a retornar ao sítio. O templo estava cheio como coletivo em cidade grande, em horário de pico. Na nave do templo não dava para conversar, para não atrapalhar a sequência dos atos litúrgicos.

Então, saíram os dois para conversarem... um tio de Belinha a buscaria de carro mais tarde (avisaria o horário de budvá-la). Morena cor de jambo, Belinha, distribuía elegância por onde passava; num conjunto de blusa preta decotada e, uma saia justa branca na altura do joelho e, sapatinhos pretos de salto alto. Davam o tom de sua elegância.

Atravessaram a rua e entraram na Kampuba; danceteria tradicional da cidade. Puxaram às cadeiras e sentaram-se; ela cruzou as pernas e pediu ao atendente que o trouxesse dois campares, por gentileza! Ribamar tirou seu paletó e o colocou no encosto da cadeira e bambeou o nó da gravata. — Fazia calor naquelas horas do dia. Após o brinde garraram de papo...

Ribamar aceitou a bebida para não ser deselegante a senhorita naquele instante único: gostava mesmo era de cachaça das "boas", mas não quis estragar o momento; afinal de contas a bebida descia "bem".

Belinha e Ribamar foram criados juntos nos sítios de seus pais. Após crescidos, não se viam tão facilmente, pelo rumo que cada um tomou...

Cada um falou um pouco de seus projetos pessoais a médio e longo prazo:

— Conversaremos mais da próxima vez que nos vermos; eu gostaria de agendar com você o nosso próximo encontro. — Vai ser lindo eu sei!

— Sim, sim, é só marcar e nos veremos; vai ser inesquecível já posso imaginar. — Disse ela.

Nesse primeiro encontro botaram a prosa em dia; mataram saudade.

— Ribamar, eu estou tão feliz hoje, como nunca estive na vida: por cumprir com minhas obrigações religiosas, por lhe ver, saudável e bonito, como nunca o vi; e também pela conversa sadia e proveitosa que tivemos. Nesse instante seu telefone tocou: era o tio que queria saber se já podia buscá-la para o almoço em família que teriam. Seus pais o aguardava em sua casa, no distrito do Barreirão.

— Vamos conosco, almoçar?

— Obrigado, não faltará ocasião.

Como não havia mais tempo, levantaram-se, e se abraçaram calorosamente...

Abraçados e colados, rosto no rosto Ribamar disse algo baixinho, no cantinho da sua orelha esquerda... que só os dois ouviam.

— Quero lhe revelar uma coisa que a outras não revelei: todos esses anos sem nos ver, eu nunca me esqueci de você. E, jamais me esquecerei. Ainda estou solteiro, mas já fui amado e amei também; e a partir de hoje, se lhe convier meu amor, não terei olhos, para mais ninguém!

— Já me sinto seu namorado; e quando se ama de verdade e é correspondido, a vida têm outro sentido para quem ama e é amado.

— Nossa! Era tudo o que eu queria ouvir de você!

Belinha já com seus 32 anos, nunca havia ouvido e visto de rapaz algum, uma declaração de amor de tamanha grandeza. Essas palavras puxaram o chão, dos seus pés...

Sua fisionomia se iluminou com a graça do que ouvira.

— Está bom demais para ser verdade! — Pensou Belinha.

Sua ficha não havia caído...

Mas era verdade sim, a mais pura verdade o que lhe dissera Ribamar. Ao seu ouvido, em sussurro. Ele não estava de brincadeira com coisa séria; não foi à-toa sua busca de ajuda a Santo Antônio.

Na conversa que tiveram lembraram do tempo de adolescência dos dois, e de um namorico que esboçaram na primavera de suas vidas... Uma afeição, um querer bem que se eternizou no coração de ambos. E a chama do amor reacendia nesse encontro.

Belinha seguiu sua viagem de retorno a Goiânia; aonde havia terminado a sua graduação em Eng. Sanitária. Ia encantada com a vida, pela estrada; sorrindo atoa como quem encontra um tesouro.

Ribamar foi visto horas depois, na descida do Paiol Velho montado no Imponente indo para o sítio do pai. Fazendo o mesmo que Belinha fez no caminho de casa: rindo de felicidade.

Com a alma bem leve e o corpo solto, descontraído, Ribamar cavalgava dissoluto, no lombo do seu cavalo, com as lembrancinhas da festa.

Umas fitas multicores amarradas no punho, com os nomes de santos gravado nelas; bandeirolas, bom-bons e quitandas: rosquinhas, sequilhos, broas de fubá... feitos na casa de Joaquim Ribeiro para os fiéis.

Suspiros, Maria-mole... e balas-doce também, para os irmãos menores e a enxada, duas caras, que o pai o encomendou. Comprada no armazém de seu natã. A garrafa de aguardente que comprou no bar de seu Elias ia numa sacola, pendurada na cabeça do arreio. E o cartão de visitas, com nome e o contato de Belinha, estava no bolso do paletó; e a todo momento conferia se ainda está no seu lugar.

Tempos depois Ribamar e Belinha já estavam casadinhos da silva. Formando assim um casal quase perfeito.

Mudaram-se para Campos Belos, era melhor para educar os filhos e poder assistir, dar um conforto melhor a mãe, nas questões de saúde.

Ribamar não na teve lá grandes problemas para conseguir trabalho, na cidade, pois sabia se, a boca miúda ser ele um homem muito trabalhador, caprichoso no que se propusesse a fazer, responsável, idôneo...

E fixou numa firma de Limpeza. E, logo saiu sua promoção ao cargo de encarregado, por bom desempenho no trabalho. — Em que, melhorou sua remuneração salarial.

A esposa foi convidada pela Administração Pública local, para assumir um cargo de chefia na Secretaria Municipal de Meio Ambiente. E já estava trabalhando.

Os filhos vieram depois: Cleidson, Hudson e Cleide...

Pela fé e esforço da busca, Ribamar com certeza que ía encontrar a pessoa certa com quem compartilharia da sua felicidade.

Teve a convicção plena em que tudo iria dar certo. E deu.

“A quem Deus promete não falha”.

*Nemilson Vieira de Morais,

Acadêmico da ANELCA & ALB/MG/RMBH

(24:06:24)

Nemilson Vieira de Morais
Enviado por Nemilson Vieira de Morais em 23/06/2024
Reeditado em 30/06/2024
Código do texto: T8092179
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