MURO DE CIÚMES
Carlos voltou da cidade de Berlim na Alemanha e trouxe um pequeno pedaço do muro. Pedaços do “ muro de Berlim” são vendidos aos turistas como souvenires. Helena entendeu o recado, ela construíra um muro de ciúme em torno de Carlos.
Carlos trabalha como supervisor de vendas uma empresa que vende equipamentos agrícolas e, de vez em quando, viaja sozinho a trabalho. Helena fica pensando que não pode fazer nada no caso das viagens, que Carlos ficasse longe, mas quando Carlos está no Brasil, ela sabe que ele deve entrar no trabalho às 8:30 da manhã e se é assim, se ele cumpre os horários matinais, porque não cumpre os horários noturnos? Porque não pode chegar em casa exatamente às 18:30? Se Carlos chega às 18:45, o que o fez chegar tão tarde? Provavelmente ele esteve se socializando com as mulheres do escritório da empresa e isso é uma tremenda humilhação para Helena, que sabe cumprir horários. Ela então cria um escândalo de jogar feijão quente no prato do marido sentado na mesa, para que o caldo do feijão respingue em seu rosto, queime a sua pele, quando então ele se lembrará que não se deixa esposa quinze minutos vencida pela humilhação.
O supervisor de vendas conhece a esposa e repete sempre que a culpa é do trânsito. “Mas como você pode chegar às 8:30 no emprego e não cumpre o mesmo dever chegando às 18:30 em sua casa?”
O ciúme de Helena era imenso. Podia ser medido pela escala Richter .da dor-de cotovelo e, quando o atraso vai além das 18:45. Helena quebra pratos, joga a pizza que comprara na parede, grita que irá embora, chuta as paredes para só depois de muito escândalo, quando tudo se assenta, perguntar o que aconteceu. “Furou o pneu e tive que trocá-lo!” – diz o marido. Nesse dia as ondas sísmicas desse terremoto, que é chamado também de trepidação do despeito amoroso, chegaram a 9,5 de intensidade quando o máximo é 10.
Helena tem uma história de pai boêmio. Viu como sua mãe sofreu calada, sabendo das traições do marido. Helena não quer o mesmo destino para ela, mesmo imaginando que o seu marido pode derrubar o muro e sair da sua proteção de esposa. Imagina o abandono, mas não quer sofrer calada, em frente a tevê, assistindo aos beijos de atores nas novelas.
Hoje a mulher acordou com uma certeza. Já se passaram dois anos de casamento. Pede a Carlos que chegue cedo. Que não demore desta vez, pois ela não está muito bem. Sonhou com vários ovos de galinhas espalhados em um imenso jardim. Foi um aviso. Cada ovo era uma traição do marido. Carlos procura ser paciente, pois percebera de alguns meses para cá que o ciúme da esposa precisava de tratamento. Ele era uma doença.
Carlos brinca com o sonho da esposa. Os ovos podem ter outro significado. Talvez oportunidades de melhorar de vida. Talvez significasse que os dois teriam filhos.
Helena não perde a oportunidade de criar seu próprio pesadelo. Talvez os filhos fossem de Carlos que fecundou outras mulheres deitadas em camas de motéis que imitavam em seus quartos os imensos jardins de seu sonho. Os encontros deveriam durar das 18:00 às 18:15 provocando a avalanche do atraso final do marido, às 18:45 horas; quinze minutos de ondas de libertinagem.
O marido orienta a esposa. “Pense antes de acabar-se, se é realmente necessário fazer tudo isso. Pense antes, às 18:25 horas, se não será um pouco exagerado agir como tu agirá”.
Helena abre os olhos e procura no marido a confissão da mentira escrita em seu rosto, no sorriso devasso.
Mas Helena também chegou finalmente a uma outra conclusão: ela está precisando trabalhar fora de casa. Quem não trabalha fora, fica em casa pensando; pensando em ovos estalando ao alvorecer.