"Te amo" basta?
Ela estava recostada no sofá de veludo carmesim, distraída com seu antigo livro de poesias. Entediada, mas confortável, como quem já o lera mil vezes e ainda encontra algum furtivo prazer.
Decidi romper com a rotina. "Te amo", pronunciei, como quem tira um véu e se expõe. Ela sorriu, sem afastar os olhos do livro, e suavemente respondeu, "Eu também."
Decepção.
Ela seguia o curso de sua leitura, como se minhas palavras fossem uma brisa que tocara seu rosto.
Ama-se muito, disse a mim mesmo, do café ao entardecer, do riso pueril ao abraço materno. E quando o amor se dirige a alguém, parece necessitar de um aditivo, como se a pureza da expressão não bastasse.
Aproximei-me mais, abaixando-me para que ela pudesse sentir minhas palavras como um vendaval.
Houve uma pausa.
Ela pareceu não entender o porquê da ênfase. E então, acrescentei àquele "Te amo" uma vírgula e continuei:
"Te amo, mesmo."
Havia uma resolução nesse adendo que escapava à mera hipérbole. Era ponderado e preciso. Ao acrescentá-lo, eu desejava dizer: "o amor que ofereço não se assemelha ao amor pelo sol e pela lua, ou pelas coisas fugazes que aquecem a alma e logo se dissipam. É um amor comprometido, reconhecido ao teu lado, sério e sincero."
A simples adição de um "mesmo" a um "te amo" foi como soltar um furacão. No entanto, esse acréscimo, em sua sinceridade, parecia também apontar para um deslize, como se involuntariamente sugerisse um arrependimento.
Não era essa a minha intenção!
Ela fechou seu livro e arqueou uma sobrancelha.
"O que quer me dizer?" ela perguntou."Não te preocupes com isso," respondi na tentativa de dissipar o mal-entendido.
O que eu queria mesmo dizer era que nosso amor não dependia dos dias ensolarados, pois estaríamos juntos mesmo nos dias monótonos, como aquele. Nosso amor era como a luz matinal que entra pela fresta da janela, gentilmente iluminando o chão, aconchegante, chamando para se levantar e aproveitar o lindo dia lá fora.
Mas as palavras certas nem sempre vêm à mente quando mais precisamos delas. Antes que eu pudesse elaborar melhor, sua voz quebrou o silêncio com uma pergunta:
"Deveria me preocupar?"
"Não, não precisa," respondi, trêmulo, e ela pôde notar. "O que quero dizer é que nosso amor não depende do sol para brilhar. É como a luz matinal que entra pela fresta..."
Ela se enterrou no fundo da poltrona. Tentei articular uma frase completa:
"O que quero dizer é que te amo, mesmo. Mas não te preocupes com isso. Porque estou aqui, onde quer que estejas.
"Foi então que ela começou a choramingar.
"E por que estás me deixando?"
"Não estou! Deixa para lá."
No final das contas, só "te amo" basta.