Apenas Tereza

Tereza, Tereza, bendita Tereza!

Essa foi a primeira frase que Raul conseguiu pronunciar após descobrir enfim o nome da jovem que tirava seu sono a dias.

Tudo começou em uma manhã de sexta-feira, na esquina da rua principal, após sair da venda do S.r. Júlio. Viu de relance a jovem que atravessa a rua. E o que o fez parar e sair hipnotizado, não foi saia nem decote. Mas seus olhos tristes e castanhos. A jovem sorriu de volta, ainda que um pouco assustada.

A atração foi tanta que pensou em segui-la. Mas certamente sairia como louco e perdendo todas as chances, que até o momento, eram só suposição. Desta forma, conteve seu ímpeto.

Quem era ela, de onde tinha vindo, a qual família pertencia, por que nunca a tinha visto naquela cidade tão pequena, e o mais importante, qual era seu nome?

Os próximos dias seriam alternados entre fantasia e investigação. A princípio chamou-a Dalva, pois parecia mais uma estrela caída do céu. Depois, achou que ela tinha cara de Joana. E por fim, convenceu-se que seu jeito era mesmo de Laura.

Percorreu por horas as ruas do bairro, na esperança de encontrá-la novamente e desta vez ter coragem para se apresentar. Mas o tempo, cheio de artimanhas não criava mais que uma oportunidade ao acaso.

No passar de uma semana, não suportando mais permanecer apenas no mundo das ideias, decidiu por si mesmo descobrir quem era ela. Pois certamente, ela jamais bateria em sua porta,

Mesmo que para isso, ele tivesse que ir contra a recomendação de seu saudoso pai, que insistia para que ele não fosse um homem de muitas perguntas. Pobre que era, logo chamaria a atenção.

E de fato, foi o que ocorreu. Não houve uma alma caridosa que aceitasse a curiosidade do rapaz de bom grado. E em vez de respostas, ele recebia apenas mais perguntas.

Por que você quer saber? O que precisa falar com ela? Onde você encontrou essa menina? O que pretende?

Após responder cada uma delas, com toda sinceridade e o máximo de calma possível, a todos que o indagavam, enfim, recebeu a primeira pista, e está veio de Verônica, uma conhecida fuxiqueira da cidade. Tratava-se de Tereza, neta de Luiz Antônio, nascida e criada na capital paulista, veio passar uma temporada no interior. Mas até o momento, ninguém sabia por qual motivo ou até quando duraria a estadia na casa dos avós. E isso parecia ressenti-la de alguma forma. Ficou explícito quando ela disse para Raul:

-Quem sabe você não pode descobrir?

Porém, Raul não ouvia mais nada. Apenas Tereza repetindo incessantemente, como um vinil que alguém esqueceu de virar o outro lado. E desta forma, sem perceber, seus pensamentos escaparam pela boca. Fazendo assim Verônica e outras três ou quatro pessoas ao redor, ouvirem a dita frase pronunciada em voz alta.

Chegando em casa, afoito e apaixonado, mas acreditando ser desprovido de dotes poéticos, pegou uma folha solta e escreveu cem vezes Tereza, ocupando frente e verso da página em branco. Percebendo que isso não bastaria, tratou de ir para a casa do velho Antônio, confirmar com os próprios olhos se a informação era verídica. E para sua surpresa, qual não foi sua emoção quando observou de longe, a jovem saindo de braços dados com a avó, Zilda. Estavam indo para a igreja. E para lá que ele foi como um foguete, como um devoto em busca de salvação, assistindo uma missa inteira depois de anos, sendo que a última vez que esteve por lá, foi ainda na infância. De modo que ele não lembrava mais os rituais e a hora certa de sentar e levantar. O que fez uma jovem ao lado sorrir. Mas não era Tereza. Então, ele a ignorou. Do mesmo modo que Tereza o ignorava.

Foram mais algumas semanas em agonia, de tocaia ou seguindo os passos da moça, na maioria das vezes, sempre acompanhada. Sem coragem para nada, nenhuma atitude que de fato o aproximasse dela. E a medida de sua covardia, era proporcional a sua obsessão. Repetia seguidas vezes, o nome em voz alta. Rabiscava em muros, inventava canções, onde só havia uma palavra, Tereza. Cada vez mais inalcançável.

Até que um milagre aconteceu. Eles se esbarraram novamente na rua. Os Deuses do amor tiveram piedade de sua alma. E ele ouviu pela primeira vez a voz da jovem, pedindo desculpas, após esbarrar lentamente em seus ombros.

Quanta beleza e delicadeza podia conter em um ser. Era a prova de que Deus de fato existia. Tudo havia conspirado para aquele momento. Todas as dores e tormentos, firmemente suportados. Havia um sentido único, um fluxo contínuo como o rio em direção ao mar. A prova de sua existência, seria desaguar seu amor em Tereza. E assim, cumpririam um pacto celeste na Terra.

E por um tempo pareceu real e palpável e possível. Tereza parecia corresponder, entender, ceder, ser, estar. Tereza era espelho e presença, e sina e sentença. Não era mais um nome sussurrado no escuro, até que precisou ser gritado pelo mundo. E por um tempo, foi possível até mesmo compartilhar o sagrado silêncio, ao lado de Tereza. E ver seus olhos brilhando.

Mas não era por Raul. Nunca foi. Raul ainda não sabia. Então ainda havia vida e esperança. Antes de tudo colapsar.

Assim, começa um novo capítulo nesta história.

O velho Raul andando pelas ruas, maltrapilho, sem rumo, entregue ao álcool, alucinado. As meninas corriam quando se deparavam com ele em alguma esquina, mesmo quando diziam que ele não oferecia perigo. Era somente um velho louco, sem forças para nada. Os jovens zombando. Alheios a queda gradativa de colágeno, certos que a sanidade jamais os abandonariam. Não do jeito que abandonou Raul.

Ninguém entendia muito bem o que o velho dizia, apenas palavras desconexas, frase sem sentido. Sílabas sopradas no ar em vão. T t t t. Era tudo o que conseguiam ouvir. E ninguém sabia de fato o que significava. Mas toda cidade pequena tem seus causos, suas lendas, suas histórias e os mais velhos sabiam. Era mal de amor.

Tereza amava outro. Tereza achava que Raul era seu amigo, não seu amor prometido. Tereza já tinha a quem amar. Tereza foi embora para nunca mais voltar. E o jovem Raul ficou, com o gosto amargo na boca, com a dor da traição, com a solidão, com o fracasso, com a tristeza. Raul chorou, gritou, se revoltou. Escreveu cartas, ficou sem rumo. Buscou respostas, virou garrafas. Desistiu de tudo. Esqueceu de si.

Ah, pobre Raul. Se esses jovens insolentes ao menos soubessem de tudo isso.

Um dia, o velho Raul tombou na rua e soprou como quem cospe, aos ouvidos de um transeunte que passava, sua última frase. Ao que o homem compartilhou com a roda de pessoas curiosas que se aproximavam em torno do corpo caído.

O que ele disse? Gritou alguém impaciente.

Tereza, Tereza. Maldita Tereza!

Tiane Maga
Enviado por Tiane Maga em 15/06/2024
Reeditado em 15/06/2024
Código do texto: T8086712
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