a porta vermelha
uma garota corre pelas ruas da cidade, evitando os pingos de chuva, pois esqueceu o guarda-chuva, o que não adiantou muito pois está encharcada quando chega ao seu destino, ofegante e com medo do que pode acontecer ao dar três batidas na porta vermelha. pelo menos a chuva parou um pouco. ela tenta ajeitar a roupa, mas a chuva estragou qualquer pretensão de parecer apresentável. a jaqueta jeans está ensopada, o rabo de cavalo está se desmanchando e o all star vermelho está cheio de lama, pois pisou numa poça sem querer. mas não pode retroceder agora. já adiou por tempo demais o que pretende fazer. suspira, reúne a pouca coragem que tem e sobe os cinco degraus que a levam à porta vermelha. se dá conta de que seu tênis e sua blusa cor vinho fazem um conjunto harmônico com aquela porta. sorri com a coincidência do entrelaço dos tons vermelhos. suspira mais uma vez e leva a mão a porta. bate três vezes. aguarda pacientemente que alguém venha lhe atender. não qualquer alguém. mas ela. torce para que ela esteja sozinha e atenda a porta. será se ela ficará feliz em vê-la? surpresa com certeza ficará. ela está muito nervosa. o coração não aquieta no peito, quer sair e saltar para as mãos dela. os segundos que antecedem a abertura daquela porta lhe parecem uma eternidade. ela retorce as mãos e fica trocando o peso de um pé para o outro, visivelmente desconfortável. até que quando está distraída, tirando um fiapo da saia xadrez verde, a porta abre. do outro lado está ela, a encarando com muita surpresa. porém, ela não parece brava, com da última vez que se viram, a alguns anos. ela parece aliviada e feliz em vê-la. seu rosto se ilumina após a surpresa. ela sente relaxar um pouco com essa recepção calorosa. contudo, está muito mais nervosa agora ao vê-la. ela continua linda. seus olhos cor de mel e o suéter branco lhe caem bem. o cabelo está num coque bagunçado que a deixa mais jovem. ela se dá conta de como sente falta dela. mais do que achou que seria bom ao seu coração. ela a encara, com expectativa. ela se perde no olhar dela até que se lembra do que veio dizer. diz oi timidamente e sem dar tempo para que ela a responda, começa a falar o que ensaiou muito tempo antes de bater na porta dela. “gosto de você. no presente. e me arrependo muito de não ter contado antes. então… pode fazer o que quiser com isso”. ela fala assim, de supetão, antes de fraquejar e ficar em silêncio, como da última vez que se viram. a outra lhe encara com surpresa e confusão diante de tal declaração. “sinto muito por ter demorado tanto tempo para me dar conta de que eu me importo muito com você.” ela sorri. toca a nuca e suspira. ela sabe que quando ela faz isso está pensando no que responder, porque não tem certeza do que falar. ela se prepara para ser mandada embora e já começa a dar meia volta. mas ela a pede para esperar. dar uns passos para frente e a abraça. envolve-a com delicadeza e ela, pega de surpresa, a abraça de volta. aperta-a em seus braços com medo de soltá-la e ela desaparecer como uma miragem. coloca seu rosto na curva do pescoço dela e aspira seu perfume tão familiar. agarra-a como se quisesse segurar o seu mundo de novo nos braços. “não tem problema, eu sempre esperei por você”, ela sussurra no seu ouvido e ela sorri. depois de um tempo, ela a solta e pega na sua mão. ela se dá conta, surpresa, que o encaixe das mãos ainda é perfeito. “vem, entra, tira essa roupa molhada e toma uma xícara de chá comigo”. ela sorri, com lágrimas nos olhos, assentindo para ela. como sentiu saudade dela. como a ama. elas entram juntas e batem a porta vermelha.
ela pisca, saindo do devaneio que se seguiu enquanto lutava por se manter seca. o guarda-chuva verde não a livrou dos pingos de chuva. ela olha para cima, encara a porta vermelha e se acovarda. da janela ela a vê, radiante, com um bebê nos braços e sorrindo. a cena a encanta e a emociona. uma lágrima de felicidade e do que poderia ter sido escapa de seus olhos. sabe que o sonho dela se tornou realidade e fica feliz por ela. suspira e segue seu caminho, desviando das pessoas que corriam para suas vidas monótonas. ela segue na contramão e procura para si um novo caminho. outra chance de amar apareceria, tinha esperanças. desvia da multidão, com cuidado para não ser atingida por mais desilusão. o laço verde do seu rabo de cavalo se destaca no cinza do multidão e nas nuvens de chuva. ela espera que o sol volte a brilhar em breve no céu e no seu coração.