As facetas da saudade

Às vezes fico a me perguntar, de onde vem essa coisa tão sofrida chamada saudade? Por que a gente sente isso? Quanto disso podemos suportar? Tem como prevenir?

Tentando ajudar a responder algumas dessas questões, resolvi catalogar os tipos mais conhecidos desse impiedoso sentimento.

O primeiro deles é a saudade ‘Tatuagem’ - a mais pirracenta de todas, só sai com técnicas especiais. Gruda na pele da vítima de tal maneira que mesmo que esta tenha absoluta certeza de que seus atos, palavras, pensamentos e omissões estejam à disposição de outra pessoa, causa ou pecado, ela evita se olhar no espelho porque sabe que a imagem que irá refletir ali trará estampado em sua pele o desenho do rosto de alguém que conhece intimamente cada poro do seu corpo;

O segundo é a saudade ‘Cigana’ ou ‘Pombajira’ – nômade, festeira e exibida, ao primeiro gole de álcool ela se apresenta sem a menor cerimônia, puxa a cadeira e senta. Não satisfeita, exibe-se dançando ao som exagerado de melodias românticas de gosto discutível, porém marcante. Exala sedução. Cria uma nuvem de insegurança e ciúme que envolve a todos. Promove a intriga, faz com que sua vítima se afaste de quem lhe faz companhia. Em seguida, rouba suas horas e sabota sua lucidez. Embriagada, insiste em fazer mil previsões para o que ela chama de “seu futuro próximo”. Depois de usar e abusar, virar sua noite e sua vida de cabeça para baixo, ela dá um nó cego nas linhas de suas mãos e desaparece, deixando como lembranças a conta, o vexame e a ressaca;

O terceiro tipo é a saudade ‘Perfumada’ - apesar de charmosa, é traiçoeira. Felina, sente à distância a presença da fragrância que alguém deixou cravada em sua pele e na sua memória. Discreta, porém ladina, ela hipnotiza suas vítimas, mexe no roteiro dos seus pensamentos e inverte suas intenções. Ato continuo, altera seu metabolismo fazendo com que seus poros exalem o odor da mistura dos suores que tanto marcou seus encontros secretos. Esse composto cria o DNA aromático de alguém muito especial que um dia te encheu de razões para hoje ocupar a suíte presidencial de suas lembranças. E se nessa hora alguém tentar se aproximar de você, por melhor que seja o perfume por ele (a) usado (a), seu olfato, agora sob nova direção, dirá tratar-se de uma reles água de cheiro do tempo do cangaço;

O quarto e (por enquanto) último tipo é a saudade ‘bandida’ - cantada em prosas e versos, é aquela que se impõe marginal e destemida. Não respeita nada nem ninguém e quase sempre age em bando. “Sequestra” suas vítimas em qualquer lugar, a qualquer hora, preferencialmente à noite, e na maioria das vezes não negocia resgate. Quem sofre com a ação desse tipo de saudade vive acorrentado ao presente por medo de ser arrastado pelas lembranças de um passado inconfessável, porém repleto de desejo e prazer. E são eles, o desejo e o prazer que irão tramar para que a vítima seja mais uma vez capturada por quem tem o poder de libertá-la das algemas da rotina tediosa do cotidiano. No cativeiro e portando intenções de grosso calibre, a vítima mergulha de corpo e alma no submundo do prazer para encontrar e matar essa fora da lei conhecida na roda do crime como Saudade, que vive refugiada nos recônditos de suas lembranças. No dia seguinte, tomada por um arrependimento postiço e jurando ser aquela a última vez, a vitima sai em busca de um “habeas memoriam” e retorna à sua rotinazinha sem sal e sem açúcar.