Sintomas de uma moléstia

Ela é única, mas, conforme as circunstâncias, sua maneira de agir pode variar de forma e intensidade. E todas as suas facetas fazem sofrer, umas muito mais, outras pouco menos. Algumas, acreditem, são até letais. Não é exagero. Quem pensa que essa coisa não mata, se engana, mata, sim. Ela age sorrateira, silenciosa, e aos poucos vai ocupando espaços cruciais. A depender do tempo, das razões e do significado do ser ausente, pode até levar suas vítimas ao esquife.

A dor provocada por ela é do tipo metálica, pontiaguda, e nasce quase sempre da ausência física de alguém que amamos muito. Por isso que ela, convencida do seu poder de fogo, se julga o mais fiel ‘termômetro do amor’.

O modus operandi dessa vetusta senhora, eternamente jurada de morte, é sempre o mesmo. Inicialmente o nome e a imagem da pessoa ausente não saem da nossa cabeça nem com reza braba, comprometendo o surgimento de novas ideias e inspirações e tornando os nossos dias rigorosamente idênticos, sem uma gota de emoção. Depois, o coração se perde em batidas débeis e descompassadas, negligenciando uma das suas mais nobres funções: bater efusivamente diante de alguém que mereça nossa especial atenção, ou por algum acontecimento importante.

Ela é astuciosa e se alimenta da renitência das nossas recordações. E essas recordações às vezes são tão reais e intensas que provocam todo tipo de estrago: o ar que respiramos torna-se rarefeito, causando-nos uma sensação de fadiga; o alimento fica insosso e nauseante; e o sono, que desolado observa a insubordinação das pálpebras, suas antigas aliadas, agora adquire cacoetes de penitência.

Por fim, aquele velho sorriso de varejo, nosso acetilsalicílico in natura, indispensável para o enfrentamento das dores de cabeça do dia a dia, de tão raro já não vê motivos para se expor. A partir daí a alegria, sem ter a quem apelar e sem forças para resistir abandona seu posto. Ato contínuo, a tristeza, sempre oportunista, finca bandeira e se instala em nosso peito.

O troço é invisível, silencioso e cruel. Ainda que tenhamos o corpo apalpado, auscultado ou até mesmo submetido à mais rigorosa bateria de exames médicos dele não se conseguirá arrancar nenhuma confissão que permita revelar a verdadeira identidade dessa ‘moléstia’ misteriosa.

Somente o olhar amigo e solidário de quem entende das coisas do coração será capaz de desvendar tal mistério. E ele dirá: “é saudade, amigo! O caso é grave, e pode até matar. Porém, se serve de consolo, tem tratamento e não é contagioso”. Kolofé!

Augusto Serra