Pores do Sol
Vivi minha maioridade na pré-adolescência e lá mesmo envelheci. Minha primeira paixão me tornou adulto e me apresentou à velhice logo após me abandonar. Passei a ser tudo em mim mesmo, tudo impreciso, tudo inacabado.
Apesar de invisíveis, tive novas paixões, com nomes e endereços, mas que me negavam companhia e cumplicidade, prometendo-as sempre para o dia seguinte, quando o eu de ontem já não habitava mais em mim.
Tracei rotas imaginárias e me tornei um ébrio viajante solitário. Minhas distantes viagens eram cheias de rostos, símbolos e histórias e duravam muitos sóis, mas eu não me permitia trazer dos lugares que visitava nenhuma lembrança. A saudade nunca me foi gentil.
Adormecia sóbrio e amanhecia embriagado. O álcool contido no meu sangue era imaginário, mas eficaz. Sua finalidade era inibir qualquer chance de a realidade contaminar meus sonhos.
Só quando minha mente, minha alma e meu corpo finalmente fizeram as pazes é que pude me entender humanamente defeituoso.
Pedi perdão ao tempo e hoje me ocupo de permutar bens acumulados por pores do sol, cuja contemplação é fonte de indescritível felicidade.
Augusto Serra