Sopros silentes.

Corria a canoa sobre águas tão límpidas que mais pareciam espelho, refletindo todo o inalcançável acima, mas com amor próprio o suficiente para fazer-se transparente a ponto da mais mínima pedrinha ser notada.

— Olha aquela, como brilha! - talvez fosse uma esmeralda ou uma fada tentando se fazer encontrar.

Já não moviam o remo, pararam no meio do lago, donde se concentravam os peixes. A missão era fisgar pelo menos dois para o almoço. Se o mundo é um teatro, todas as luzes se voltaram para aquele lugar, tamanho brilho se concentrava, fazendo toda cor ser um ente vivo, capaz de gritar a vida a toda criatura.

— Aqui está bom, ainda bem que trouxemos a rede, se jogarmos ela aqui nem será preciso muito esforço. Tenho certeza de que não sairemos daqui sem uns dez, no mínimo.

— É, mas não precisamos de tudo isso, no máximo quatro, tenho certeza que é o suficiente.

A fala lhe soou como a voz da própria natureza. Desde pequeno ouvia: o mundo te estende a mão, cabe a ti saber retirar o que precisa dela; mas, caso tua ganância for maior que tua necessidade, saiba: quem puxa para si o tudo deve suportar quando esse tudo esmagar. Imaginando a cena, livrou-se do tento.

Conseguiram, preferiram à vara. Três, no total, grandes. Fora tão rápido que sentiram pena de findar a viagem, talvez hipnotizados pela visão, tudo tão aceso que sombra algumas vivia entre as florestas. A montanha, vista frente a deles, só faltava falar. Verde que vencia qualquer outro verde, e, olhando acima, notaram as primeiras manchas, vindas lá do outro lado do monte, tentando disputar com um céu tão convencido de si.

Algum fantasma havia por ali, que sussurava, e ele sempre aparece quando alguém o chama. Ele surge e não avisa, apenas espreita, dando força às escondidas, enchendo o peito dos humanos de alguma coisa que costumam chamar coragem; às vezes loucura, mas nunca acertam. Ninguém sabe como ele é, nem há saber. Dizem somente que ele nasceu de um suspiro, semente que virou véu e abraçou toda a Terra, pronto para cobrir as pessoas.

Estava tão concentrado na vista da colina que não notou que era observado. Os olhos quase fechados, esse semblante de quem visa uma distância que serena está na palma da mão, pronta para ser possuída, mas não sabe, porque ainda é estrela, sua luz se vê, mas não se toca, ou como o vento, que mexe e faz farfalhar ao longe, mas ainda não é sentido.

— Escuta isso? - um chiado.

— Sim. É a chuva...

— Será que é melhor voltarmos?

— Ainda está longe, dá pra ficar mais um pouco. E também, parece que não é tão forte, as nuvens nem são muitas e não estão tão carregadas.

Quando elas chegaram ao topo da montanha, uma surpresa: formou-se um véu muito branco no pico, flutuando, enorme. Encheu os olhos dos dois. É que a temperatura do alto do monte era tão baixa que transformava as gotas antes delas caírem, formando um vapor constante. Por muito tempo observaram o fenômeno, até ver que a sombra das nuvens escorria pelas águas, querendo alcançá-los.

— É, agora é hora de irmos! - foi quando virou o rosto e ambos de viram.

Veio-lhe à garganta, quase feroz, um pedido: fiquemos. O sorriso de encantamento, de dia bonito e perfeito, estampado, ainda em outras realidades. Mexeu o corpo, esticou um pouco a perna, se fez mais corpo, inconscientemente, ao sol que temia sumir. O fantasma ali, presente, firme no seu propósito, soprou forte e uma rajada atingiu os dois. O tecido da roupa em ondas horizontais frenéticas, e os fios de cabelo revelando outras faces, para, num átimo, tudo se aquietar novamente, e ficar, entre os dois, apenas o silêncio, tal como o meio de um pêndulo. Os olhares que ficam para a eternidade, e um pedido nunca feito.

Desviou o rosto para baixo e disse: — É, vamos.

Tomaram os remos e partiram de volta para casa.

~

ñ.r.

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 30/05/2024
Código do texto: T8075091
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