A APOSTA DOS ORIXÁS

A APOSTA DOS ORIXÁS

Naquele instante mágico, alguns dos mais prestigiados e requisitados orixás com endereço naquela encantada baía pararam os seus afazeres sagrados para acompanhar atentamente aquela conversa. Afinal, o casal sentado à mesa havia escolhido aquele sugestivo ‘altar’, um aconchegante restaurante na cabeceira da Baía de Todos os Santos, para esgotar suas últimas palavras como simples amigos e, contando com as bênçãos de todos eles, iniciar o que prometia ser um lindo (e proibido) romance.

Eufóricos com a oportunidade de ver nascer mais um caso de amor, os orixás criaram entre si (pasmem!) uma bolsa de apostas para premiar quem acertasse o que o rapaz faria diante daquela pontiaguda pergunta que ela acabara de disparar-lhe: Diria a verdade, pondo tudo a perder? Mentiria escancaradamente em nome daquela arrebatadora paixão? Ou diria uma meia-verdade ou quase uma mentira como normalmente se faz em situações semelhantes?

A maioria dos orixás apostou na última hipótese. Perderam feio. O homem preferiu a verdade. A verdade que afasta, que separa, que impede. A verdade que moraliza, mas faz sofrer. A verdade malsoante, ímpia e falsamente importante.

Até ela se surpreendeu. Apesar de desconfiar da solteirice dele, não era a resposta que ela gostaria de ouvir. Aquela verdade, ali, naquele momento, não cumpriria nem minimamente suas nobres funções, quais sejam: Fazer justiça, promover o bem-estar e tornar-se exemplo. Fazer justiça? Que justiça seria feita separando-os? Bem-estar de quem? De quem irá sofrer por tê-la usado? Tornar-se exemplo? Quem quer exemplos que nos afastam do que mais desejamos? Não, definitivamente, ele errou!

Melhor seria que ele tivesse agido como agem o Sol e a Lua nos fins de tarde, quando o crepúsculo se debruça sobre aquela imensa baía e os orixás marotamente lhes perguntam se já é hora de sair. A Lua, louca para se exibir e pratear as águas dos rios, cachoeiras e mares, inspirando poetas e apaixonados diz que sim, que já está absolutamente pronta. Já o Sol, sempre altivo e afogueado, diz que ainda é dia e que sua luz e seu calor ainda se fazem necessários. Ambos dão sentido aos seus argumentos e nem por isso a Noite, eterna confidente de verdades e mentiras, deixa de acontecer.

Augusto Serra