A MÁQUINA DO TEMPO

Ela acorda... olha à volta... as paredes pintadas de salmão. Paredes salmão, olha-as... nuas paredes. O teto lilás.

A moça volta a olhar a parede e o teto. É um sonho? Só pode ser um sonho. Ou terá morrido durante o sono? O paraíso... não o imaginava dessas cores... salmão... lilás... berrantes cortinas cor de abóbora.

Só pode mesmo estar maluca.

A cama é a mesma em que se deitara. Branca e dourada. Os lençóis com motivos infantis. Personagens de Walt Disney. Seu pijama cheio de carinhas de Mônica e Magali.

Além da cama com seus lençóis, seu pijama; mais nada ela reconhece como seu ali.

O quarto enorme, um ambiente totalmente estranho, hostil. O silêncio aterrador.

Ensaia levantar-se, mas o corpo não obedece. As pernas parecem pesar toneladas. As mãos estão completamente imóveis.

Só os olhos se movimentam e buscam um detalhe, um só que possa explicar a razão de estar ali.

O tempo. A explicação só pode estar no tempo. Começa a lembrar-se de quando tinha uns doze anos.

Ela e Arthur sonhavam construir a máquina do tempo.

Arthur! Arthur! Ele partira.

Então lhe vem à cabeça o amigo diante dos olhos. O traquina companheiro de aventuras. A mangueira do Sr. Fausto. Os dois pulando lá do alto... o velho Fausto lhes ameaçando:

- Vou contar à sua mãe Lívia. Eu ainda lhes pego seus pestes.

Os dois de mãos dadas correndo. Mãos meladas. Rosto grudando do sumo da manga.

Arthur se mudando. Até um dia... eu volto... a gente vai se encontrar de novo...

Nunca mais vira Arthur depois daquele dia. Ele acenando, mandando beijos, beijos...

Fecha os olhos e os abre novamente. O quarto estranho.

Só pode ser isso. Arthur conseguira construir a máquina do tempo, voltara e quisera fazer uma surpresa. Ele a colocara dentro da máquina com a cama e tudo enquanto dormia.

Mas por que seu corpo não consegue mover-se?

Começa a recordar-se que a mãe viera beijá-la antes de pegar no sono. As duas se falaram um pouco. Era sempre assim, a mãe vinha lhe fazer carinhos toda noite.

Por que mamãe não aparece?

Tenta chamá-la... a voz também não sai.

Tentar trazer a mãe à sua presença com a força do pensamento. A telepatia... elas já haviam tentado comunicar-se por telepatia. As duas, sempre tão unidas. Crescera sem pai, na verdade ele morrera antes dela nascer.

A mãe, sempre com aquele olhar sonhador... no porta-retrato dourado aquele homem fardado, imponente. Oficial, aviador... seu pai que não chegara a conhecer.

E a mãe que nunca o esquecera.

Mãe, mãe, ó mãe! - ela grita dentro d'alma.

Quem sabe se agora a telepatia funciona.

Fecha os olhos e fica assim um tempo.

Quando abri-los de novo verá aquele quadrinho com a oração de "boa noite papai do céu". Começa a lembrar-se a reforma do quarto. Não tivera coragem de desfazer-se do quadrinho e quisera que o colocassem no mesmo lugar de sempre.

Não tem coragem de abrir os olhos. Começa a lembrar-se de tantas coisas...

Vinte e três anos... o bolo... as velinhas... Começa a lembrar-se da formatura... sempre quisera ser professora. Achava que tinha jeito para a coisa. Acabara optando por Fisioterapia. A mãe lhe dando a maior força. A mãe desejando vê-la casada.

- Lívia, está na hora de encontrar um bom moço e casar-se.

- Estou tão bem sozinha.

Arthur. A verdade é que nunca o esquecera. Será que ele se casara?

Agora vai abrir os olhos. Não ainda não.

Fantasia mais um pouco. Como seria hoje o rosto do amigo de tantas traquinagens?

Um campo tão verde lhe surge diante dos olhos e um jovem vem caminhando lentamente. Tenta caminhar até ele e não consegue.

- Lívia, sua preguiçosa. Acorda minha filha. Não ouviu o rádio relógio?

De um salto a moça levanta-se e olha ao redor. O quadrinho está no lugar de sempre. As "Magalizinhas" e "Moniquinhas" estão no seu pijama. O quarto mantém suas paredes imaculadamente brancas e as cortinas rendadas são branquíssimas.

- Mãe, eu tive um sonho tão estranho. Na hora do almoço lhe conto.

A mãe a segue ao banheiro.

- Filha, ontem eu esqueci de lhe contar uma coisa. Encontrei a Maroca no banco e ela me contou que o filho está voltando do exterior e que voltarão a morar aqui na antiga casa.

Lívia arregala os olhos e a mãe continua:

- Ele continua solteiríssimo minha filha, e a Maroca me disse também que ele está um belo rapagão. Bonito ele sempre foi.

Vendo a moça tão calada a mãe insiste:

- Não era o que você estava esperando? Você nunca o esqueceu mesmo. Não vai dizer nada minha filha?

- Mamãe, ele voltou... o meu sonho... a máquina... ele voltou...

- Que maluquice é esta agora menina? Que máquina?

- Esquece mamãe. Ele voltou! Ele voltou!

Beija efusivamente a mãe e só consegue repetir: Ele voltou, voltou, voltou...

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SONIA DELSIN
Enviado por SONIA DELSIN em 11/05/2024
Código do texto: T8060923
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