Fora do ar
Através do vidro da cabine de som, Barry Gray viu o operador de áudio fazer o gesto que ele estava aguardando: Charlene estava na linha - fora do ar, naturalmente, já que a conversa entre os dois era absolutamente privada. O locutor já havia programado uma sequência de músicas para serem tocadas pela WMCA, Nova Iorque, aguardando aquele momento do seu plantão na rádio, início de madrugada.
- Barry? - A voz dela soou cálida em seu ouvido.
- Oi Charlene... bom dia.
- Já é bom dia? Ah, passou de meia-noite, né?
- Sim. Você está bem?
- Na medida do possível. Ele viajou para San Diego, só volta na terça, acho.
O locutor sentiu uma onda de felicidade invadí-lo: teria pelo menos duas noites para aproveitar com sua ouvinte mais do que especial.
- Você quer que vá te pegar na portaria do prédio?
- Não, já é de madrugada, pode chamar a atenção. Me avise quando chegar em casa e eu pego um táxi.
- Está bem, só não vá dormir - brincou ele.
- Eu vou estar te ouvindo, não vou dormir - prometeu Charlene.
* * *
Mais tarde naquela madrugada, ambos fumando deitados na cama da quitinete do locutor, este virou-se para a mulher e indagou:
- A primeira vez que você ligou para a rádio, sequer havia visto uma foto minha, verdade?
Ela sorriu na obscuridade do quarto, olhando para o teto.
- Não, tudo o que eu conhecia de você era a sua voz. Não sabia sequer se era casado...
- O que tem a minha voz que te atraiu tanto, afinal de contas?
Ela soltou um baforada para o alto, antes de virar-se para ele.
- Duvido que eu tenha sido a única que já te disse isso... a sua voz inspira confiança. Sempre me pareceu a voz de um amigo com quem eu poderia desabafar.
Ele apoiou-se no cotovelo e a encarou.
- Eu tenho que passar confiança; afinal, debato sobre as notícias que leio. Mas no nosso caso, isso foi bem mais longe do que uma relação amistosa entre ouvinte e locutor.
Ela pousou o cigarro no cinzeiro antes de responder, muito séria:
- Talvez porque eu quisesse alguém especial... mas também pela ironia de que foi meu marido quem despertou minha atenção para o seu programa, sem saber que acabaríamos nos tornando amantes.
Gray fez um gesto de cabeça.
- Isso me parece quase uma vingança, Charlene.
Ela deu de ombros.
- Eu não penso em vingança quando estou com você, pode ter certeza.
E passando suavemente uma unha ao longo do braço do locutor:
- Qual fã não gostaria de ter o seu ídolo a sós, numa sessão exclusiva?
- [24-03-2024]