A BUSCA
Contava quinze anos de idade quando decidiu que precisava de um ato de heroísmo que impressionasse Clarice. O que faltava nele para que um dia fosse percebido por ela? Vivia sonhando com aquela menina, mas não tinha a menor segurança para se aproximar dela. Muito baixinho perto dos outros meninos de sua idade e com o rosto cheio de espinhas, não se via capaz de conseguir a atenção dela.
E quem era Clarice? — Simplesmente a menina mais linda da escola, inteligente, amiga dos amigos, doce, gentil… — Era isso que T.J. pensava e sentia.
Todos os dias ele sonhava acordado com a doce menina de cabelos curtos e negros como uma noite sem lua. Passava horas e horas imaginando o momento em que ela finalmente pousaria aqueles olhos grandes e castanhos sobre seu corpo magro e esquálido.
Sempre muito retraído, T.J vivia espreitando Clarice. Admirando aquela que para ele era a perfeição em forma de gente. Nunca, nem nos seus devaneios mais fantasiosos, lhe passava pela cabeça que ela também cultivava sonhos com aquele menino cheio de espinhas. Sim, Clarice já havia notado a intensidade do olhar de T.J e ficara encantada e enternecida com o jeito daquele garoto tímido.
T.J. encheu a mochila com tudo que achava importante ter para aquilo que considerava a aventura de sua vida: lanterna, cantil com água, barras de chocolate, um canivete, uma muda de roupa, cordas, isqueiro, vela, um saco de dormir e, não poderia esquecer das revistas em quadrinhos do Homem-Aranha. Como viver sem as aventuras de Peter Parker?
Ele partiu para a jornada da sua vida, desbravar a caverna de Botuverá, em Santa Catarina. Era um lugar ermo e mal afamado. Desde que Sebastião Timbó sumiu por aquelas bandas que ninguém ousou pôr os pés por lá. Desde então, histórias fantasmagóricas, causos de aparições e pessoas que subitamente desapareciam rondavam o lugar.
Em sua mente de herói, T.J teria de fazer algo que desse a Clarice orgulho de ser seu amigo (quem sabe mais que amigos). Seu corpo suspirava de paixão, antecipando o momento em que vislumbraria a carinha bonita dela toda admirada com o seu heroísmo.
Porém, nada disso aconteceu, pois assim como os demais que sumiram ao tentar provar que eram corajosos, T.J também nunca mais foi visto na face da Terra. A única pista que encontraram foram as revistas do Homem-Aranha que ele levava em sua mochila.
Clarice recusava-se a aceitar o desaparecimento daquele menino tímido que lhe encantava. Inconformada começou a ir todos os dias à trilha que levava ao “Buraco da Morte”. Foi assim que o povo batizou o lugar. Fazendo uma analogia ao buraco negro do espaço, onde tudo que entra nunca mais volta.
O tempo passou, Clarice começou a diminuir suas idas ao local, e, T.J caiu no esquecimento do povo, mas não da moça, que sempre ao visitar o local ouvia a voz deT.J lhe chamando. Porém passou a frequentar o local uma vez por semana, depois uma vez por mês. E, por fim, uma vez por ano, sempre no aniversário do desaparecimento dele.
Clarice nunca esqueceu completamente o rapaz. Com o passar dos anos, a menina se transformou em mulher, e seus sonhos da juventude voltavam com força sempre que a data se aproximava. 27 de agosto de 2013, há exatamente 30 anos, T.J foi visto pela última vez na face da Terra. Apesar do jovem se achar feio e sem atrativos, a mocinha não pensava assim. Para ela, ele era o menino mais interessante e bonito da escola.
Como estaria ele se não tivesse ido ao Buraco? Teria crescido? Que curso universitário teria escolhido? Os dois seriam hoje um casal? Filhos, casa, teriam uma família? Como teria sido a vida ao lado de T.J.?
Dúvidas, dúvidas que Clarice carregou em seu peito durante esse anos todos. E, hoje, 27 de agosto de 2043, ela decide que é hora de tirar esse peso do coração. O mundo moderno, com suas
inovações tecnológicas, oferece a ela a chance de usar a tecnologia a seu favor.
Quem poderia imaginar que a moça possuía uma foto de T.J? Ela tirou sem que ele ou ninguém soubesse. E, com ajuda da inteligência artificial, aparece diante de seus olhos um novo T.J.: um homem moreno, aparentando 45 anos, olhos e cabelos castanhos. Ela achou conveniente lhe atribuir uma barba bem aparada, pele queimada de sol, rosto arredondado, lábios grossos, mas não muito. Se Clarice já sonhava há 30 anos com o menino T.J, agora transformado em homem, ela estava irremediavelmente apaixonada por ele.
- É como se ele estivesse vivo… Não! Ele está vivo. E com ajuda da mídia, da polícia ou dos espíritos, encontrarei T.J. — Clarice diz em voz alta a si mesma. - Ele está vivo sim!
Com a foto em mãos, ela procura rádios, emissoras de televisão, em sites de mídia digital, e faz um anúncio: VOCÊ CONHECE ESSE HOMEM? Ligue para (36) 43944838.
Sem sucesso, ela busca outras maneiras de encontrar T.J. Nessa mesma noite, sob o manto estrelado, Clarice se senta no gramado de sua casa, com a foto dele em suas mãos, fechando os olhos e concentrando-se com toda a vontade do seu ser. Sussurra seu nome várias vezes, até que começa a entrar em uma espécie de transe. Tempo e espaço parecem se misturar.
O passado vem aos poucos tocando sua mente, trazendo lembranças daquele menino magrelo e cheio de espinhas sorrindo timidamente. Ele sempre foi o motivo dela nunca ter se casado, embora tivesse vários relacionamentos em sua vida. Porém, casamento, filhos e família ela queria com ele — um sonho que o destino cruelmente lhe roubou.
Em meio a essas lembranças, Clarice sente que alguém lhe observa. Um arrepio lhe corre a espinha. E durante sua vigília, ele aparece para ela, como se os anos não tivessem efeito sobre ele. Porém, de imediato, algo começa a acontecer. O jovem vai se transformando no homem de seu retrato produzido pela IA. Mal acreditando no que seus olhos vêem sente que as lágrimas descem e a voz fica presa na garganta. Mesmo um pouco assustada ela se levanta e corre em direção a ele.
- Clarice, quantos sofrimentos eu teria evitado se tivesse me aproximado de você no passado…
- Isso não importa mais, o importante é que te encontrei, me leva contigo… — Mas assim como T.J. apareceu, do mesmo modo se foi. Desmanchando-se no ar como uma nuvem de fumaça.
T.J. retornou ao mundo invisível. Talvez ele não tenha voltado, talvez ela realmente tenha produzido a imagem dele numa fantasia, numa vã esperança de um encontro. Tudo teria sido criado pela sua angústia em viver eternamente uma história inacabada?
A roda do tempo mostra agora uma Clarice que possui mais cabelos brancos que pretos. Mesmo assim ela continua buscando pelo garoto tímido e espinhento. Quem sabe um dia ela não o encontrará?
Juliana Duarte / Jota Alves
Revisão: Fabiana Nichelli