Um Casamento Nada Convencional

Corria a ano de 1947. Naquela época um homem tinha sua esposa, aquela que era a rainha do lar. Era mulher pra ser respeitada. Gerava, paria e criava seus filhos, cuidava da casa e das coisas do lar. Era a que amava e se apresentava perante a sociedade e a família. Mas era comum o marido ter uma amante ou procurar uma mulher de “vida fácil” com quem se satisfazia, se lambuzava, realizava suas fantasias.

A sociedade fechava os olhos a esta situação, a esposa não sabia ou fingia que não sabia, as famílias toleravam ou fingiam que era normal. O homem podia tudo. Diziam que tinham suas necessidades que um mulher direita como a esposa não satisfazia e que todo homem trai.

Por essa época Júlio conheceu Nancy. Eles se conheceram por acaso na praça da cidade. Conversaram e logo se apaixonaram. Sempre se encontravam em público, ela nunca deixava que ele fosse até a sua casa. Ele estranhava, mas se sentia enamorado e se considerava namorado dela. Não sabia nada de sua amada e não se importava com isso, sabia que era aquela a mulher que queria pra sempre ao seu lado. Tinha vinte e seis anos e nunca tivera uma namorada que levasse a sério, apenas namoricos. E agora estava completamente apaixonado. Ela sempre dava uma desculpa para não apresentá-lo à sua família. Ele acreditava e não se importava.

Meses se passaram. Ele se sentia confuso e refém daquela situação pois não sabia se ela o levava a sério. Sempre se encontravam quando e como ela queria.

Uma noite Júlio e Nancy namoravam na praça quando o pai dele, voltando uma reunião, passou por ali. Ao vê-los ele empalideceu. Ela ficou desconcertada. Ele logo seguiu seu caminho. Júlio notou um certo clima, mas deixou pra lá.

Quando o filho voltou pra casa seu pai o esperava.

—Júlio, quero falar com você.

—Pois não, meu pai.

—Onde você está com a cabeça de se encontrar em público com aquela mulher?

—O que o senhor está me dizendo, meu pai? O que tem aquela mulher?

—Aquela mulher recebe vários homens em sua casa, é uma dama da noite, se deita com homens por dinheiro. Quer que eu seja mais claro? Será que só você não sabe disso? Ela já se deitou até com seu pai. Portanto termine já o relacionamento com essa vagabunda. Não é mulher pra se encontrar em público como se fossem namorados.

Os olhos de Júlio ficam cheios de lágrimas.

—Vai chorar agora? Homem não chora, principalmente por mulher desse tipo.

—Não pode ser verdade.

—Procure saber se não acredita em mim. Vá dormir e amanhã acabe com isso.

Júlio vai pra seu quarto. Deita e chora baixinho. Sabe que seu pai não mentiria. Pensa em todas as desculpas que ela deu pra não levá-lo até sua casa. Por que ela fez isso? Não se conformava.

No dia seguinte ela falta ao encontro que marcaram. Ele entende que Nancy nem teve coragem de encará-lo. Procura saber onde é sua casa e quem é. Fica sabendo que ela recebe, discretamente, apenas homens casados em sua casa. Tenta manter o sigilo sobre suas atividades, mas numa cidade de porte médio muitos sabem e comentam. E ele, ingenuamente, desconhecia as atividades daquela mulher. Sentiu-se um idiota, sentia vergonha e pensava que todos olhavam e riam dele quando saía à rua.

Depois de alguns dias afastado de tudo e todos, resolveu procurar Nancy. Chegou em sua casa no meio do dia. Ao vê-lo, ela baixou a cabeça.

—Eu precisava vir pra saber o que você tem a me dizer.

—E o que eu teria a dizer? Que eu me apaixonei por você e ousei sonhar que poderia ter uma vida digna?

—Por que não me contou e me deixou fazer papel de idiota?

—Eu não tive coragem. Você me tratou tão bem. Nunca um homem agiu comigo como você. Nunca senti o carinho sincero de um homem. Eu me apaixonei e fui deixando o tempo passar. Foi um erro, mas eu não resisti. Queria viver um pouco esta fantasia.

—E pouco se importou com meus sentimentos, não é? Nem ligou se ia me fazer sofrer, se ia me magoar.

—Eu também estou sofrendo por saber que nunca vou poder viver o amor que sinto por você.

—É verdade que conhece meu pai e já se deitou com ele?

Ela se calou.

—Você não tinha direito de me fazer passar essa vergonha. Não podia ter me exposto como fez, me enganado, mentido pra mim. Namorava o trouxa como se fosse uma virgenzinha e se deitava com metade da cidade. Eu sendo chacota pra todos. O idiota que namora a prostituta.

—Eu não me deito com metade da cidade. Minha clientela é selecionada e se resume a apenas alguns homens, todos casados. O sigilo de ambas as partes é total. Não sou uma prostituta qualquer?

—Não é uma prostituta qualquer? Uma mulher que se deita com homens por dinheiro é o quê? E seduzindo homens casados. Você não vale nada. É uma vagabunda.

—Eu sou uma mulher que precisou lutar desde muito cedo pela sobrevivência. Eu me perdi aos quinze anos com um homem muito mais velho que me prometeu amor e respeito, mas só queria me enganar. Meu pai me expulsou de casa e eu tive que me vender para sobreviver. Eu tentei trabalhar, mas não consegui emprego. Era considerada uma perdida. Só me restou esse caminho. Quando te conheci, senti vergonha de mim. Então eu tentei viver meu conto de fadas de um namoro, um amor que eu sempre sonhei. Perdoe-me, eu não tinha mesmo o direito de sonhar. Não tinha o direito de te expor ao ridículo. Você não sabe o que é a miséria, não sabe o que é passar fome, o que é não ter um teto para se abrigar. Ficar pelas ruas à mercê de toda sorte de pessoas más. Ser humilhada por todos. É muito fácil qualquer um me julgar, mas se tivessem vivido metade do que eu vivi, me entenderiam.

—Não pense que dizendo tudo isso vai me comover. Todas contam esse tipo de história pra justificar sua vida torta. Eu só vim aqui pra olhar na sua cara e dizer que te desprezo com todas as minhas forças.

Ela chorou. Ele se segurou para não chorar e saiu rapidamente.

Sua vida se tornou um inferno. Pensava nela todos os dias, todas as horas, todos os momentos. Em casa, no trabalho, onde quer que estivesse. Sentia sua presença a cada instante. Era como se ela estivesse o observando a cada segundo. Em suas fantasias a amava em sua cama. Ela estava dentro do seu coração ocupando todos os espaços.

Foi procurá-la.

—O que faz aqui?

—Não consigo te esquecer.

Ele a abraçou, beijou, tocou seu corpo e acabaram na cama.

—Você deixaria a vida que leva por mim?

—A qualquer momento. Eu me apaixonei. Também não consigo te esquecer. Estou sofrendo com sua indiferença e desprezo e por saber que não sou mulher pra você.

—Não importa mais nada, quero ficar com você. Quero que seja minha esposa.

—Você teria coragem pra tanto?

—Não vou ficar sem você. Vamos fazer tudo discretamente. A partir de hoje você é minha noiva. Não tem mais clientela. Tem um noivo, um futuro marido.

Eles fazem planos para o futuro. Apaixonada, ela deixa tudo por Júlio.

Ele anuncia em sua casa que pretende se casar com Nancy.

Em particular seu pai lhe diz:

—Se você se casar com essa prostituta, não é mais meu filho. Não criei filho para me escandalizar perante a sociedade.

—O senhor está com ciúmes, meu pai?

Ele lhe dá uma bofetada.

—Respeite seu pai. Não lhe dei o direito de falar assim comigo. Você envergonha toda a família querendo casar com uma meretriz. Como pretende frequentar a casa de seus irmãos? Vai levar uma vagabunda pra conviver com mulheres direitas e honestas, como são as esposas de seus irmãos? Vai frequentar a casa de suas irmãs, que são mulheres bem criadas, esposas corretas? Vai trazer essa ordinária pra dentro da casa de sua mãe que é uma santa?

—Não posso trazer pra dentro da casa de minha mãe a mulher que já se deitou com o senhor, não é?

Ele parte pra cima do filho e apesar de ser um homem, lhe dá uma surra.

—Esta é a última vez que o senhor me bate. Vou me casar com ela, não sou mais seu filho. — sai.

Pouco tempo depois Júlio e Nancy se casam. Ela se casou vestida de noiva, de véu e grinalda e escandalizou a todos. Houve um grande falatório na cidade. Sua mãe não aprovava o casamento, mas contrariando a vontade do marido, compareceu à cerimônia e abençoou o filho e a nora.

Enquanto sua mãe foi viva ele frequentou a casa dela, evitando o pai. Nancy nunca foi à casa da sogra. Seu pai deixou de falar com ele e de considerá-lo seu filho, mas no seu leito de morte, conversaram e se perdoaram.

Júlio e Nancy tiveram três filhos. Passaram por muitos constrangimentos e superaram todos. Viveram um grande amor e ela se tornou uma senhora respeitável. Tempos depois ninguém mais lembrava de seu passado e era bem recebida por todos. Embora evitassem frequentar a casa dos irmãos dele, sempre que se encontravam em algum lugar ou evento ela era bem tratada.

Viveram juntos e felizes até que a morte dele os separou.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 23/03/2024
Reeditado em 23/03/2024
Código do texto: T8026220
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