IMPULSO
“Para eu ter a sua mãe, tive que roubá-la”.
Esse deveria ser o início de um romance inteiro, em formato de cartas, para um filho que eu nunca tive junto com uma mulher ainda casada. A qual, na minha visão romântica de ladra de corações e usurpadora do relacionamento alheio, deveria ser libertada das garras de uma dominadora de mentes a qual ela chamava de amada esposa.
Isso porque todo cérebro abobalhado pela paixão não consegue compreender as minúcias de um sentimento e confunde a parte com o todo.
O todo nem sequer existia. Era fruto da imaginação de uma mulher insegura a alimentar um superego incapaz de discernir bem os próprios comportamentos.
“Eu poderia salvar aquele semblante aflito que escondia um receio profundo de viver em liberdade”.
Lembro-me da primeira noite. Um livro aberto só para mim e mil distrações que se dissolviam ao meu redor. Nada era mais perfeito que aquele sorriso lindo e aquelas mãos atadas.
“Me salva!”, os olhos dela gritavam. Eu, com o coração a mil por hora de vontade de beijá-la, batia minhas asinhas livres de beija flor. Mas, aquela margarida tinha uma aliança espessa no dedo e eu freei meus impulsos primitivos. Agia em nome da moralidade, da ética, da bem-aventurança e, duas semanas depois, apertei a tecla do “foda-se”.
O hábito corruptivo que eu tenho de jogar uma lupa na vergonha alheia me impediu de olhar para dentro, lá no meu Eu Profundo, onde toda a lama está sedimentada. Ela não entraria na minha vida em vão. Afinal, algum dia, alguém tinha que enxergar para além da água límpida e superficial que eu mostrava ao mundo exterior.
Se eu soubesse que aquelas mãos tensas, presas por uma corrente invisível, traziam escondida uma pá afiada prestes a remexer toda a lama que havia dentro de mim e um martelo da justiça pronto para me estilhaçar, eu jamais teria me deixado levar pelos seus olhos de esmeraldas a me seduzir tão belos e mortais.