Viver na Corda bamba
Há algum tempo Anna decidiu congelar as lágrimas por repisar peripécias de um período que se arrastou por uma vida inteira mas que, embora gratificante e insatisfazível, infringia um dos mandamentos de Deus e, segundo as leis divinas, basta a quebra de um dos dez mandamentos para que se tenha a culpa dos outros nove. Só os humanos têm distinção de pecados.
Já era quase noite quando o telefone tocou. Era o amor antigo, verdadeiro, já se conheciam de cor e salteado. O coração de Anna disparou.
- Anna?
- Sim, eu!
- Como você está?
- Estou bem e você?
- Eu vou indo com saudades, todas as noites, todos os dias...Preciso te ver!
Meu Deus, tanta coisa ela quis dizer mas, apenas, balbuciou:
- Outro dia a gente se fala!
E desligou.
As lágrimas degelaram e ela chorou um choro copioso que não a deixou dormir naquela noite.
Anna lembrou que foi ela quem decidiu dar um fim na história que fizeram, afinal, há muito já dormiam em outros braços.
Uma saudade gostosa surgiu com fulgor e a fez ver que era essa saudade que alimentava sua alma. O brilho em seus olhos e os saltitares encantados só escondiam o porquê que muitos tentavam desvendar mas não conseguiam encontrar a raiz. Uma vida inteira pisando em ovos.
Muitas vezes um estado inquietante a fez pensar porque se pode amar o rosa, o azul, um arco-íris enfim, mas essas normas só faziam atormentar.
E, pelo bem alheio seguiram dormindo em outros braços, até que a morte os una novamente.
Jandiel
Jandira Leite Titonel