O amor de Sócrates
Sócrates, pai da filosofia e da ética ocidental, tinha, nesta época, 26 anos, solteiro e era professor ambulante – vivia pelas ruas e praças da cidade de Atenas ensinando os jovens a filosofar. “A vida irrefletida não vale a pena ser vivida" – dizia.
Um dia, parou para descansar numa taberna que ficava na beira de uma estrada. Ele sacudiu a poeira da jaqueta que lhe protegia do sol e da chuva na longa jornada e pendurou-a junto à porta enquanto seus discípulos falavam com o dono do comércio. “Precisamos comer e beber algo”. “Estamos há dias caminhando por essas estradas e não encontramos nada para saciar a nossa sede e nem para matar a nossa fome”. “Quem são vocês?”. “O senhor nunca ouviu falar em Sócrates?”. O comerciante respondeu negativamente com a cabeça e saiu para atender os clientes. “Então o senhor não é grego?”. Foi quando apareceu a sua filha. “Somos sim! Eu e minha mãe vamos ao templo toda semana. Papai não vai porque precisa cuidar da taberna”. “E quem é você?” - perguntou Sócrates. “Ela é minha filha” - respondeu o comerciante. “Como ela se chama?” - interessou-se Sócrates. “Se queres saber alguma coisa pergunte a mim”, disse a jovem. “Tudo bem!”. “O senhor não está vendo que o papai está ocupado atendendo os clientes”. “Qual é a vossa graça?”. “Eu me chamo Xantipa”. “E o meu é Sócrates”. “Não precisa, eu sei muito bem quem é o senhor”. “E o que a senhorita sabe sobre mim?”. “O suficiente para dizer que seremos marido e mulher”. “É mesmo, mocinha?!”. “E que teremos três filhos”. “Quem te disse essas coisas?”. “Os deuses”. “Sério?”. “Sim! Na última vez que eu fui até o Oráculo de Delfos à Pitonisa me disse que...”.
Xantipa nem chegou a concluir o que a sacerdotisa do templo de Apolo lhe havia dito por que o seu pai ordenou que ela entrasse. “Aqui não é lugar para você, minha filha”. Sócrates e os discípulos se olharam. “O seu lugar é dentro de casa ajudando a sua mãe nos afazeres domésticos”. Sócrates ouvindo aquilo se indignou. “O lugar da mulher é onde ela quiser” – respondeu. “Você quer ficar aqui conosco?”. Xantipa sentou-se ao lado de Sócrates e o seu pai lhe trouxe água, pão, vinho e mel.
Do lado de fora da taberna, ventos iniciais do inverno sacudiam os galhos das árvores, e a estrada se misturava numa confusão de vento, poeira e chuva. A mãe de Xantipa, chorando, se abaixou atrás da pilha de panelas e pratos sujos. “Vá, minha querida! Fuja e não volte nunca mais!”. Já o pai de Xantipa bebeu o último gole de uma taça de vinho deixada pelos clientes e ficou observando melancolicamente a filha ir cumprir com o seu destino. Dez minutos depois, quando a mãe de Xantipa foi chamar o seu esposo para o jantar, ele não se mexia mais. Estava morto, com a cabeça pendurada sobre o peito.