Filosofia

Que dizer da morte, senão o que parece ser? O ato indissociável de toda existência? Indissociável, a mais evidente das obviedades, mas quando se faz presente, se mostra como uma inusitada revelação. Cansei da "filosofia", cansei de ti. Abandonaste-me à solidão, tornando-me prisioneiro de um amor inatingível. De que vale esse sentimento sem tua presença? Para que servem todos esses livros na estante, senão para rememorar tua face? Evito lê-los, evito o pensamento, evito evitar, mas logo sucumbo no limbo do precipício mais profundo, mergulhando novamente na insanidade, nessa loucura à qual fui condenado por tuas escolhas! Que sina, Sofia, estar eternamente inclinado a te querer, e se eu folhear até mesmo um almanaque culinário, surgirás diante de mim como um fantasma traiçoeiro. Não desejo-te assim, não dessa maneira pálida, distante, sem vida, apenas como uma recordação maldita, um eterno desejo. Que tivesses levado-me também! No entanto, não o fizeste; deixaste-me amarrado a ti, como um cão à qual roubam o osso. Restando apenas o cão e a memória do osso, que o atormenta. Não me interpretes mal, Sofia, tu eras para mim mais que um osso a ser roído; perdoa-me pela analogia descuidada, mas encontro-me desequilibrado, enlouquecido! De tal maneira a restar-me apenas esta mísera ignorância, pois tudo o que leio, que escuto, que empreendo, é tu, Sofia! Tudo sempre foi tu... e agora? E a morte? E a vida? Que tudo se dane! Contanto que não mais te ame e que eu me desfaça deste destino doentio de deparar-me contigo em todos os lugares desta casa.

Mas não posso… não consigo desvencilhar-me da tua memória, tu eras a metade que me pertencia por direito! Eras minha, Sofia. Não deverias ter recorrido a tal ato hediondo sem minha permissão. E pior, com meu revólver, diante de minha estante. Manchaste as páginas dos meus livros com o que agora é uma lembrança ingrata de tua covardia. Ficaste impregnada em cada canto da estante, de tal maneira, que nenhuma lavagem consegue sobrepor o vermelho daquele fatídico fim de tarde tão ingrato. Tudo devido a essa tua decisão egoísta. Miserável, é assim que te enxergo. Se ao menos permitisses que eu apertasse o gatilho, mas não o fizeste. Levou-te tudo! Até mesmo o direito de extinguir-te eu mesmo da face dessa terra. Tudo, Sofia, tudo que possuía, tudo que eu era foi contigo. E ainda redigiste esta carta imunda, denominando de filosofia o "sacrifício" que te conduziu à perdição. E deliberadamente, igualaste a filosofia a essa última bala que resta no revólver... que esperas dessa bala? Sofia, Sofia, eu te amava tanto.