enfim(racionalmente)apaixonados
Era a última palestra daquela semana, outra agora somente três dias depois. Os minutos finais se aproximavam...um olhar, não sabia por que, mas aquele olhar lhe incomodava, talvez incômodo não fosse a palavra adequada, já que o desconforto não se dava pelo olhar em si, mas o jeito como aquela jovem o olhava, parecia que o conhecia além das palavras.
- Como posso me sentir assim - pensava John. – Sei muito bem sobre o que estou falando, será que ela percebe algo que me escapa a consciência? Aqueles minutos pareciam não acabar... “Não deixem que seus medos sejam maiores que os seus sonhos, e lembrem-se: cuidem dos detalhes durante o processo de conquista, sejam melhores a cada dia”. Chegava ao final mais uma palestra... olhou por sobre os ombros daqueles que já se levantavam, buscou o olhar que tanto lhe deixou apreensivo e reflexivo sobre si e já não o viu.
No carro, enquanto dirigia, não podia parar de se questionar. - Em que momento não me fiz entender para aquela jovem? Sempre zeloso nos preparativos anteriores as suas apresentações... – não, eu não deixei nada escapar, talvez na próxima eu tenha a oportunidade de lhe falar. Será que ela estará na próxima palestra? Do jeito que me olhava, talvez não tenha gostado nem mesmo desta. Ora, pare de se torturar John, você é um excelente palestrante, conhece cada virgula das suas falas. Repetia ele e tentava não pensar mais naquilo. Parou o carro, abriu a porta como se estivesse se libertando de um cárcere, desceu e entrou no Conde, restaurante mais conhecido da cidade, ali se reunia com os amigos todas as sextas.
- John! Pensei que suas palavras hoje não encontrariam a minha admiração. Por que tanta demora? Sabia Mike como envaidecer o amigo
- Não pude abandonar meus ouvintes mais especiais (risos), uma frase provocativa, um sorriso irônico...
- E quanto a mim? Não sou seu ouvinte em constante admiração?
- Sabes que não desprezo a sua companhia Mike, ora... não vou me ater tentando me fazer entender...Santos! Traz uma daquela sempre gelada.
- Parece-me pensativo mais que o habitual amigo, o que houve? Palestras e explicações nem mesmo aos seus ouvintes mais argutos lhe deixam assim. O semblante de John parecia ter adquirido um aspecto taciturno. Sempre foi muito brincalhão, principalmente entre amigos. Mas naquela noite parecia não conseguir sustentar tal empenho.
- Ela me olhou de um jeito tão interrogativo, não consegui...talvez em algum momento da palestra eu não tenha me feito entender...talvez...
- O que há homem? Está me deixando como um astronauta, enquanto te vejo passear sobre a órbita desse novo planeta descoberto por você, e do qual nunca me falou. Quem é ela? O que você não conseguiu explicar? Penso que esta noite vai ser longa. Mike sabia o quanto John admirava pela sua presteza e dedicação com que ouvia suas histórias.
- Vou explicar cada ponto Mike. Mas já quero lhe avisar que alguma coisa em mim hoje modificou...onde se meteu o Júlio? Será que a sua digníssima esposa o fez repousar mais uma vez sobre a sua carência, negando-lhe a companhia de seus amigos mais ilustres, he, he, he.
- Ligou para mim, disse que demora, mas estará conosco brevemente. Agora vamos, me conte o que houve e deixe de me enrolar...me conhece, faz esse tipo de coisa para rir quando me apresso em saber das suas histórias vividas entre suas palestras.
- Deixe-me ao menos molhar a garganta e já lhe conto tudo, quem sabe tem um diagnóstico para o meu pequeno dilema de hoje.
- Quem sou eu, sabe que diagnósticos aqui quem faz é você, apenas sou muito bom em ouvir.
- Saiba que isso é um dom amigo, raridade nos dias de hoje. Muitas vezes, saiba que as respostas às minhas dúvidas surgiram após longas horas que passou a me ouvir. Penso até que sou um grande devedor desta sua proeza.
- Ora, não me enrole, comece logo essa história. E que daqui a poucos dias, seja como sempre, eu ouça você gritar: Eureka!!! He, he, he.
- Sabe que não me faltam convites Mike, minhas palestras são elogiadas, sei que analiso cada detalhe antes de apresentá-las.
- Sei sei, diante de mim não precisa explicar tal assunto, sempre que posso não deixo de assisti-las. Quanto ao conhecimento e domínio, é notório que não deixa em um só momento o maldito “branco” lhe incomodar.
- Então...estava eu ali, não havia percebido ainda aquela moça na plateia, parece até que eu estava pronto apenas para o seu olhar. Entenda-me, não falo de paixão ou coisa do tipo. Mas, francamente Mike, penso que eu estava ali para aprender algo, e não para ensiná-la. Droga! Indignou-se John.
- Calma amigo, essa moça realmente deixou você abalado. Nesse momento Júlio entra no restaurante e senta-se entre os amigos
- Olha só quem vemos aqui!? Como está. Chegou no momento adequado para ouvir o dilema de nosso amigo John.
- Não...vamos deixar esse assunto de lado. Quero agora é me divertir, depois volto a pensar sobre isso. Falou com a convicção de quem não esqueceria tal assunto até entender algo que agora lhe fugia a compreensão.
- Muito bem amigo, vamos beber umas boas cervejas. Não havia em Júlio a mesma disponibilidade pertencente a Mike, ouvir não era seu forte.
Santos, que, como de costume não podia ver uma garrafa vazia que já tratava de repor, colocou a décima sobre a mesa. John, neste momento já buscou aproximar-se do pequeno palco onde toda sexta um artista local se apresentava.
– Olha só! Nosso amigo não pode viver sem fazer uma grande exibição. Exclamou Júlio ao amigo Mike.
- Ora Júlio, vamos lá, você e essa sua mania de achar que o John está sempre querendo se exibir.
- E não é verdade?!
- Ele é do ramo, vive disso, sempre gostou de apresentar-se ao público. Vou ser sincero com você. Talvez você precise relaxar mais, depois que casou ficou rabugento. Lembro-me quantas vezes o John lhe fez enxergar melhor a vida.
- Sim, nunca negarei isso Mike, sabe que quando falo, apenas quero que ele enxergue também determinadas questões, que às vezes lhes fogem à sua percepção, não falo agora por que o vejo distante de nós, mas sabes que próximo, me utilizo das mesmas palavras. Somos três amigos de verdade. Não precisamos esconder coisas banais.
- Sei...não se exalte. Sempre é assim, depois de um copo e já estamos nós, quando não a filosofar, entramos em uma meninice que nos leva aos mais puros devaneios em nossas almas he, he, he.
- O que houve? Esses sorrisos altos...ao menos me ouviram cantar? Aproximando-se, perguntou John.
- Ora, estávamos falando justamente sobre isto. Você sempre querendo estar em evidência. Nem sabe cantar tão bem assim, e penso que também nem é seu dom ouvir um pouco mais seus amigos. Neste momento fez-se um rubor no rosto de John, e isso não lhe era um acontecimento habitual. Realmente, por diversas vezes, Júlio já havia lhe falado sobre o assunto sem lhe incomodar a alma. Mas agora sentiu a mesma sensação ocorrida há horas naquela bendita palestra a qual não esquecia.
- O que houve John? Nenhuma reação ou qualquer palavra...parece que agora levou a sério o que o Júlio falou. Ora, vamos amigo, isso não é do seu estilo. Será que ele te derrubou no primeiro round. Agora os três sorriam copiosamente. Porém era nítido que Júlio conseguira despertar a curiosidade sentida por John sobre si, e ao mesmo tempo lhe entregava uma pista daquilo que nasceu com um simples olhar daquela jovem agora novamente relembrada por ele.
- Não vou me desgastar nesta luta, esses dias preciso guardar forças para uma luta maior.
- Ora, vai lutar contra os olhares que te derrubam vez ou outra he, he, he.
- Não seja tolo Mike, sabes, e eu lhe expliquei por diversas vezes que aquele foi um olhar diferente. Existia ali algum conceito...alguma peça de um simples e banal quebra-cabeças, mas que, lhe confesso, não consigo ainda saber sobre tal peça, ou sobre seja lá o que for.
- Ou talvez não queira. Retrucou Júlio.
- Ora, vamos, pare com isso Júlio.
- Tudo bem Mike, talvez o Júlio esteja apenas querendo me ajudar. Houve silêncio.
- Penso que está na hora. Disse Mike.
- Isso mesmo. Também preciso não incomodar tanto a Rosa com as minhas demoras.
- Nos vemos então na próxima sexta. Sei que durante esta semana será preciso desvendar o mistério que se esconde naquele olhar que fisgou seus pensamentos he, he, he.
- Não conseguirá me fazer refém das suas piadinhas... se bem que pareço já estar. Nesse momento os três sorriram de igual forma e em excesso.
- A embriaguez já é nossa companheira, vamos embora. Despediram-se.
Vinte minutos e John já estava em casa. Estacionou seu carro...até o apartamento talvez tenha lhe rendido mais tempo que todo trajeto até ali. Se sentiria melhor não fossem seus constantes questionamentos sobre todas as coisas que havia vivido naquele dia. Abriu a porta e nem mesmo acendeu a lâmpada... foi acordado pelo tocar do seu telefone às seis da manhã.
- Alô.
- John?
- Sim, quem está falando?
- É o Kleber.
- O que houve Kleber?
- A Universidade João XIII pretende dispor aos seus alunos palestras motivacionais duas vezes ao ano, em todas suas trinta e sete unidades e eu fiquei encarregado de contratar um dos oito que irão ser os palestrantes contratados e estarão viajando pelo país em datas pré-definidas. Como sou Reitor na unidade de nossa cidade, não tive a menor dúvida de que você deveria fazer parte desse projeto, sem falar que você é meu amigo.
- Fantástico Kleber, exclamou John, sem ao menos abrir os olhos.
- Então venha hoje à tarde e acertaremos tudo. Quanto ao valor ofertado tenho certeza de que será do seu agrado, venha a partir das duas horas da tarde, quero que conheça também algumas outras pessoas envolvidas neste projeto. Estarei lhe esperando amigo.
- Estarei aí às 14h amigo. - Desligando o telefone, caiu outra vez no sono e quando acordou lá se via os ponteiros indicando quase uma da tarde.- Meu Deus! Já são quase uma, devo correr ou não verei meus futuros universitários por este país em minhas palestras. Surpreendeu-se ao se olhar sendo arrastado até o chuveiro (arrastado é uma forma de dizer que se alguém não se levanta prontamente e se põe a caminho de seu compromisso, assim sente-se).
- Caramba, toda vez é assim, não por que o Kleber me ligou às cinco para me falar, mas por que no meu dia a dia é assim, é costume fazer as coisas sempre às presas, ora, sempre foi assim e sempre deu certo...sempre deu certo? Droga, por que outra vez me encontro questionando-me veementemente sobre as minhas simples condutas diárias. Vamos! Só devo me apresentar às duas e pronto. E isso é justamente daqui a uma hora. O banho, o vestir-se, o café e lá estarei, pronto para mais algumas palestras em meu repertório. Partiu John a caminho do seu mais novo empenho.
- Boa tarde. Sou John, penso que o Sr. Kleber me aguarda. Ali estava John para ser recebido. Não precisou nem ser avisado e Kleber já abriu a porta e...
– John! Venha. Quero que conheça a equipe responsável pelo projeto e que se encontra ainda aqui por hoje. Algumas horas de conversa, e pronto, tudo resolvido, John era um dos novos palestrantes selecionados para o projeto nacional da Universidade João XIII.
- Até mais amigo... – John! John já se encontrava a alguns metros e kleber quis lhe falar... ouvindo, retornou ao encontro do amigo.
- O que houve kleber?
- Sei o quanto é organizado e competente. Conhecimento não lhe falta, alguns simples detalhes apenas precisa resolver em sua vida, mas isso não cabe a mim ficar lhe falando, afinal o palestrante aqui é você, apenas lhe falo como amigo que sou... Parece um pouco cansado, lembre-se que vou precisar que esteja em suas palestras aos sábados pela manhã.
- Ora! O que há Kleber!? Sabe que estarei pronto em todos os sábado que ministrarei minhas palestras.
- Sim, claro, apenas falei por causa das suas sextas quando encontra-se com o Mike, o Júlio... Sei que excedem um pouco. Kleber sorriu um pouco sem jeito.
- Não sou perfeito Kleber, mas lhe prometo que não vou deixar que você sinta minha falta em nossos compromissos.
- Confesso que estava um tanto apreensivo amigo... surpreendeu-me ver que tratou minha indagação com tamanha suavidade.
- Mas... ora amigo, jamais seria de outra forma. Kleber sorriu meio sem jeito e fez-se um rubor na face de John, que retribuiu com um sorriso meio assim como se não entendesse muito bem.
- Bom...então nos vemos no final deste mês na sua primeira palestra junto ao nosso grupo, estou certo?
- Deus é bom... estaremos lá. Agora tenho que ir.
- Não... É que tenho aula a ser ministrada às seis da tarde na Universidade.
- É verdade...às vezes esqueço que é professor. Falamos tanto de suas palestras sem comentarmos qualquer coisa sobre sua vida de docente que esqueço (risos). John sorriu e se despediu.
Seguiram-se os dias, a vida de John parece ter sofrido pequenas modificações, talvez a mais importante e ele tivesse ainda se dado conta era o fato de que andava incomodado dia e noite depois daquela palestra há um tempo ocorrida. Percebeu-se mais sensível aos comentários de amigos, não que aquilo lhe causasse qualquer tipo de alienação em sua alma, era bem resolvido...ou parecia ser, mas agora, ele pensava mais sobre os temas que resolvia ter como pauta em momentos de suas reflexões.
Sexta-feira qualquer e John encontra seu amigo Mike
- Olá meu amigo! Quantas sextas sem nos encontrarmos, vamos, vamos provar uma deliciosa cerveja gelada que só o Júlio sabe nos oferecer.
- Amanhã devo levantar cedo Mike, será minha primeira palestra dentro do grupo da Universidade João XXX, quero estar bem, sabe como me sinto antes de qualquer compromisso.
- É verdade. Mas então vamos! Eu bebo e você me fala o que lhe aflige, pois sei que alguma coisa lhe incomoda. Aliás, desde que me contou aquela história, e vejo que não resolveu ainda, anda bem diferente. Vamos, entremos e conversemos.
Entraram, sentou-se Mike enquanto John atendia o telefone que acabara de tocar. Era o Kleber, que ligou apenas para saber como estavam os preparativos sobre a palestra a ser apresentada no dia seguinte.
– Está tudo organizado e pronto para amanhã Kleber.
- Que bom que não precisaremos nos deslocar para outra cidade este fim de semana amigo
Conversaram mais alguns minutos e John já percebeu a impaciência de Mike com a cerveja sobre a mesa trazida por Júlio.
- Nos vemos lá Kleber, agora devo desligar.
- Nos vemos lá. Despediram-se.
Sentou-se John e não demorou muito, já foi alugando o ouvido do amigo.
- Sabe Mike...tenho me sentido entristecido
- Não tem conseguido se encontrar amigo.
- Por que me fala estas palavras?
- Não sei, apenas por falar...sei lá.
- É exatamente isto Mike...Eureka!
- O que houve homem!?
- Sei que durante esses dias que se aproximam...é inevitável...virá sobre mim uma avalanche, sei que virá.
- A verdade John, é que desde que aqueles olhos foram em sua direção você não é mais o mesmo. Não fala coisa com coisa, parece que descobriu algo, que por não saber do que se trata não encontra sossego. Então por que fala, Eureka! Se ao menos nem sabe a que conclusão chegou?
- Falarei sobre isso depois com você, agora me basta saber que breve terei um imenso despertar...tem me alcançado aos poucos, mas virá.
- Claro...sim, mas seja lá o que for que aqueles olhos tenham despertado em você, depositou em ti uma grande paixão.
- Bobagem amigo, estou na fase mais importante da minha vida, não por alguma paixão, mas por que sinto que tenho sido expectador de mim mesmo, amanhã tenho que estar em meu compromisso às sete horas, não quero me atrasar, nos falamos mais depois.
- Tudo bem, nos falamos depois, espero que venha logo este despertar para que possamos saborear como antes aquela boa e gelada cerveja.
- Virá. Até mais amigo.
John, agora de forma mais intensa, sabia que algo estava para ser mudado, mas ficou pensativo com a suposição de Mike quanto a uma grande paixão.
- E por que desconsidero que me apaixonei por aqueles olhos... por que nego que a paixão está em tudo que se deseja ardentemente, mesmo quer seja algo que ainda não se sabe, mas que sabemos que nos tornará melhor?! Esqueço por hoje tudo isso, quero apenas dormir agora e fazer mais uma daquelas apresentações.
Já em casa, John não mais quis conjecturar sobre nenhum desses pensamentos que lhes faziam entrar em um carrossel de perguntas e respostas que o deixavam tonto. Dormiu até que o despertador lhe avisou as horas, olhou para a janela, aberta como costumava deixar, fez uma breve oração e seguiu para o banho. Às seis e meia saiu para a sua primeira apresentação motivacional. Estava bem, sentia-se mais preparado do que qualquer momento antes, não sabia o porquê mas sentia-se assim.
Na entrada do auditório já lhe esperava Kleber.
- Bom dia meu amigo John. Disposto para iniciar esta jornada?
- Bom dia Kleber. Sei que será um grande momento para mim e para todos aqueles que me esperam falar.
- Muito bem John, admiro essa autoconfiança que tem. Então vamos, vamos entrar e verificar os detalhes
- Vamos sim. Entraram e já havia oitenta por cento das cadeiras ocupadas pelos ouvintes. Descontraiu-se com alguns que estavam ali na primeira fila e, ao olhar para o lado, ali estava ela, com seus olhos que até aqui, foram a causa do seu desassossego, estava na terceira cadeira do lado esquerdo do palco, estava linda, e olhava com a mesma profundidade que parecia lhe atingir a alma. Não podia acreditar, a mesma sensação lhe veio. Tudo que pensava falar naquele momento em sua apresentação parecia ter desaparecido, olhou tão profundamente dentro de si, e já duvidava da constatação em que Mike chegou na noite passada. Olharam-se durante alguns segundos, ela baixou a cabeça, ele seguiu até a sala que ficava no fundo do palco. Sentou-se e, falando sozinho... – O que há comigo? O quem devo ser agora...ora, por que estou falando isso, devo ser o mesmo que sempre fui em toda minha vida. Pareço um maluco. Bradou.
- O que houve John? Vejo que se inquire. Faltam apenas vinte minutos para o início da apresentação. Precisa de algo? John estava pálido, não mais ouvia, sabia que aquela era a avalanche que havia de vir sobre si.
- John! Exclamou Kleber.
- O que houve? Assustou-se depois que Kleber falou mais alto
- Amigo estou lhe perguntando se falta algo, se precisa de alguma coisa, está tudo certo com o material?... Slides? Parece preocupado.
Preciso apenas pensar um pouco Kleber, apenas isso. Por um momento pensou até em desistir...não o fez.
- O momento é agora. É isso. Nada de papeis, ou palavras prontas. Hoje serei eu, alguém que durante todos esses dias de agonia conheci. Estou pronto. Agora estou pronto. – Entrou no palco, e antes de mais nada pensou naqueles olhos como se estivesse agradecendo...
- Bom dia a todos. – De imediato, ouviu um sonoro bom dia.
Naquele momento já havia decidido largar todo o material preparado para ministrar a sua palestra inaugural. Pela primeira vez sentia-se diante de si mesmo, parecia algo mágico, era a segunda vez que estava diante daqueles olhos e podia ouvi-los... Entende quando digo que podia ouvi-los. Uma mensagem muitas vezes nos chega...não, não, muitas vezes não, na maioria das vezes nos chega por meio de tantas outras vias, às vezes por meio de um sorriso, ou de uma simples presença, talvez de um instante de silêncio, para John chegara em um simples olhar, e ali, descobriu o real significado de autoconhecimento, olhava para dentro de si, aliás, era o que vinha fazendo desde o primeiro encontro com aqueles olhos, desde o primeiro encontro com aqueles olhos em diante pensou que iria sucumbir em tantas noites banhado de perguntas, viagens em si, respostas muitas vezes conflitantes com suas crenças, mas ali, diante daquela plateia, diante daqueles olhos, percebeu que o árduo caminho em seu interior, tão desconhecido por ele, agora, passaram a existir, ou melhor a serem pisados por ele. John descobriu ali que aquela palestra estava sendo preparada desde o dia em que viu aquela moça pela primeira vez. Nada escrito, sequer uma linha no papel. Nquele momento falava dele, alguém que a partir de uma viagem ao seu interior saberia lhe dar melhor com seus fantasmas e domá-los. Que já se perdia tão fácil...olhou mais uma vez a jovem, sorriu, e um sorriso recebeu, um breve espaço de tempo e, não esperou para iniciar sua fala.
- Mais uma vez, bom dia a todos. Preciso antes de mais nada assegurar a vocês, que não existe um, e nem ao menos um dentre vocês que não possam vivenciar o sucesso, visto que ele está diretamente ligado ao uso da inteligência. Notou um breve silêncio, então falou de forma provocativa.
- Hoje, aqui, darei a oportunidade de esclarecer qualquer dúvida que apareça durante a minha fala, sintam-se à vontade para tirá-las, quero me sentir e quero que se sintam em uma grande roda de conversa entre pessoas com afinidade em um grande propósito, o sucesso. Neste momento, um jovem que estava na terceira fila, exclamou:
- Vejo tantas pessoas que são inteligentes e não são exemplo de sucesso. Justifica-se pela ausência de coragem, de ação, ou outra coisa do tipo? O jovem mostrou-se satisfeito em fazer tal provocação.
- Qual o seu nome jovem. Perguntou John
- O meu nome é Miguel.
- Obrigado pela pergunta Miguel. Não, a causa primeira sempre será o uso da inteligência. Compreendem quando falo: “o uso”? John prosseguiu. - Todos são capazes, percebam a seguinte situação: aqui estou eu, e mais que muitos de vocês tenho a plena convicção de que são capazes, sem exceção de obterem aquilo que querem, respeitando às devidas proporções claro. Basta que para isso, através da inteligência, percebam o quanto existe de virtudes que precisam ser utilizadas por vocês para obterem aquilo que querem. E isto surgirá sempre que você despertar e olhar para dentro de você.
- Quero deixar bem claro hoje aqui, a ideia de que existe um potencial enorme dentro de cada um de vocês, e o máximo que posso fazer enquanto alguém que sabe da sua existência, é adverti-los para que busquem dentro de vocês, o eu jamais poderei jamais encontrar. As virtudes estão aí dentro em caminhos que precisam ser percorridos individualmente em uma viagem para dentro de vocês. Devem fazer isso treinando o autoconhecimento e devem ter a certeza e nunca duvidar de que encontrarão em si o desejo de usarem a fé, a coragem, a persistência, mas estas, precisam ser identificadas por vocês. Não devem apenas saber que elas existem, mas acima de tudo, abraça-las como dois olhares apaixonados que se veem e desejam ardentemente permanecerem juntos.
- Com você foi assim? John olhou para o outro lado de onde vinha a voz, e desejou ouvi-la novamente.
- Não ouvi a pergunta? Poderia repeti-la? Deixou a jovem sem jeito, percebia-se em seu jeito que era tímida.
- Apenas quis saber se com você foi assim, e se existiu algum momento específico em que percebeu, e até mesmo o que o fez perceber. Para alguém que parecia tímida, não se esquivou em reelaborar uma pergunta que deixaria John em um momento entre a cruz e a espada. Sentiu-se como o próprio experimento nas mãos do cientista. Gelou a alma e já não podia demorar em responder.
- Poderia me dizer o seu nome?
- Me chamo Maria.
- Muito bem Maria...sou palestrante há um tempo e lhe digo que comigo ainda acontecem despertares maravilhosos, e muitos não são apresentados por grandes palestrantes em grandes palestras que assisto, às vezes elementos me são despertados pelos mais diversos estímulos... em uma simples fala de alguém sem pretensão alguma, às vezes em um simples livro, mas também me aparecem em um simples olhar. Neste momento ela curvou a cabeça, enquanto John desacelerou a sua fala, o gesto de Maria lhe veio como surpresa, talvez agora ele entendesse bem menos tudo que sentiu até aquele momento.
“Será que ela sente algo por mim, será que em meio a tantas respostas que tive pelo seu olhar...será que me apaixonei.” Mas logo se recompôs, e também ela já voltava seu olhar na direção de John.
- Digo a todos aqui que dentro de cada um de vocês existe um potencial enorme de competências, muitas vezes adormecido. E a chave está em acreditar, acreditar em si, acreditar que enquanto nos movemos em busca de nossos sonhos, enquanto nos dedicamos com perseverança na busca do conhecimento, como tesouros, muitas destas competências surgirão para nós em algum momento em algum lugar com um grande holofote voltado para elas, onde será inevitável percebê-las. A palestra já se encaminhava-se para o final, todos o olhavam de uma forma diferente, havia um brilho nos olhos de cada participante, e John sabia que parte daquela situação poderia ser atribuída aquela moça que talvez nem soubesse, mas havia modificado a sua vida com um simples olhar que lhe atravessou a alma e o fez descobridor de si mesmo. Olhando para todos, muito mais olhando para Maria, disse:
- Talvez muitos de vocês eu não encontre mais, porém jamais esquecerei que aqui, falou fitando os olhos em Maria. Eu, assim como muitos de vocês, fui presenteado com o despertar de algo adormecido. Lembrem-se, nunca deixem que as boas coisas lhes atravessem sem tocá-los. Despediu-se (aplausos). Neste momento, vários jovens foram até John cumprimentá-lo.
- Você me traz inspiração com suas falas e conselhos, dizia um jovem que se aproximava e cujas palmas não estiveram ausente em um só momento oportuno durante toda a palestra...um tapinha nas costas, e já outro jovem lhe pedia conselhos...Entre em contato comigo pelo e-mail, faço questão de lhe retornar, falou John. Não recusava um só pedido quando se tratava de conselhos sobre os temas que ministrava...outra vez não mais teve a oportunidade de falar com Maria de forma mais particular, essa era a vontade do seu coração. Despediu-se mais uma vez de todos que estavam ali próximo, e em poucos instantes já se encontrava com o Kleber e toda a equipe do projeto
- Parabéns John, todos nós gostamos muito do seu desempenho, o Vitor nos falou que parecia que você estava em total entrega
- É verdade, confirmou Vitor, que já era palestrante há um bom tempo, - Deixou que seu conhecimento fluísse de forma natural, parecia conversar em uma roda de amigos onde todos lhe ouvem, porém fez isso com perfeita maestria sem abandonar os conceitos técnicos. Para John, o conselho de Vitor era de extrema importância, pois se tratava do coordenador nacional do projeto. Agradeceu muito a todos ali, e logo seguiu para o estacionamento.
- Olá Sr. John! Uma voz suave lhe abordou. John olhou um pouco ao lado, era uma jovem com mais ou menos vinte e sete anos.
- Boa tarde, em que posso lhe ajudar? Houve esperança em seu coração que fosse uma amiga de Maria.
- Assisto suas palestras há um bom tempo e sinto que é um homem bem dedicado a elas e a quem as ouve. John se espantou um pouco com aquela afirmação, mas se agradou com as palavras daquela jovem.
- Fico grato...desculpe, não sei o seu nome.
- Meu nome é Rosa. Sr. John...
- Não, não precisa me tratar com tanta formalidade (sorriu), pode me chamar de John, não me incomoda assim.
- John... Outra vez John interrompeu a moça.
- Rosa, venha, vamos ficar um pouco ali naquele banco sob a árvore enquanto me fala.
- Sim, melhor, mesmo sendo breve meu assunto.
- Fale-me Rosa.
- John... percebo que conhece tanto dos sentimentos alheios, sempre é capaz de nos dar conselhos, por que será então que vejo em seus olhos que um dia lhe visitou o amor, o mesmo amor que sem demora levou uma parte de ti, hoje senti, o que em outras palestras não vi, você estava como se buscasse um novo amor...cheio de esperanças, desculpe-me ser tão verdadeira mesmo sem lhe conhecer. Neste momento John ficou confuso e sem palavras, mas olhou nos olhos de Rosa e lhe indagou, agora que ela falara tais coisas e que o deixava tão transparente naquele momento, achou que deveria questionar sobre aquelas palavras.
- Por que me fala estas coisas...um amor me atravessou...isso fica muito claro em meu olhar...pareço apaixonado? – Sorriu meio sem jeito.
- Vi o seu olhar direcionado a Maria, ouvi todas as suas palavras.
- Eu não falava de paixão.
- Talvez não quisesse...
- Sim, realmente duvidei por um momento...nada de mais, além disso quem se apaixona apenas por um olhar...não acredito nisso...nem sei por que estou falando sobre isso. Tenho outros interesses, claro, não vou negar que os olhos de Maria me fizeram perceber coisas em mim que estavam adormecidas, mas apenas isso. Não! Não diria apenas isto, visto que foi muito relevante para minha vida o seu olhar. Mas apenas...ah, deixa pra lá.
- Na verdade ela pediu que lhe falasse.
- Por que não veio ela mesma?
- Não, não poderia, ainda não. “Um dia quem sabe eu o encontre”, ela me falou assim. Mas queria que eu dissesse para você o quanto seus olhos e o seu falar fez bem a ela, e que já te olha há muito tempo e já não é a mesma desde então. – Para John não havia mais nada a ser falado.
- Preciso ir embora. Falou John.
- Não me arrependo de ter vindo lhe falar, me entristeço apenas de não ser aquele olhar. John se virou para Rosa um pouco surpreso e, pela primeira vez sentiu o quão racional o amor deveria ser.
- Rosa...talvez aqui devesse estar o seu olhar. Quantos olhares, gestos, pessoas inteiras, momentos, lugares, vão nos ensinar, nos mostrar, como agora seus olhos me mostraram o quão racional o amor pode ser, talvez assim seja até mais amor. Este é um grande ensinamento que me trouxe agora. Rosa, um pouco embaraçada e confusa com as palavras de John, olhou fixamente em seus olhos com um olhar de afeto...e a resposta estava ali, John a segurou na cintura e a beijou. Nunca se viu um amor tão ligeiro e duradouro, de bom entendimento mútuo como aquele, se assim não fosse, não estariam os dois, casados há quatro anos e tantos ajustes.