Gisela

Era uma tarde fria. Dessas que marcam a memória. As folhas caíam das árvores, frágeis e secas, para dançarem uma última valsa com o vento, que as carregava para longe. O sol já cansado, aos poucos perdia suas forças, vencido por um inverno cruel. A vida alheia já se acostumara com o caminhar dos dias, sem muitas novidades pra contar. Era tudo absurdamente simples. Tão simples que incomodava. Os velhos, plantavam, porque aprenderam muito bem o poder de uma semeadura cuidadosa. As mulheres zelavam pelos seus lares. Os homens passavam uma vida despertando suas forças e os pequenos … esses sim, sonhavam e sonhavam por todos.

No último sobrado da vila mimosa, nascia uma criança. Era uma menina; A única menina de 06 filhos homens. Seu pai, José, vendo aquele ser tão pequeno e frágil, chorar por sentir frio e fome, sentiu medo. Ele sabia que naquela vida, nada poderia ser mais cruel que o frio e a fome. José era um homem honrado, de poucas palavras. Tinha o prazer de morar em si mesmo. Seu cachimbo era seu melhor amigo. Tudo que ele queria naquele momento é que sua filha gozasse de todos os prazeres da vida, que ela pudesse ser aquecida pelos encantos do amor e mais … que ela aprendesse a amar, cada ser em si, sabendo quem são e porque são. Quando o coração não está conectado ao seu destino, as batidas são descompensadas.

Nada como uma boa dose de vida, ele dizia.

Sua mãe, após reviver essa cena tantas vezes, se acostumara com a dor. Porém o choro de cada filho lhe soava como uma canção celestial e no fim de cada gestação, a alegria se misturava com sentimentos de angústia. Pois ela sempre soube desde sempre, que seus filhos deixavam de ser seus, no momento em que deixavam seu ventre. Os filhos nascem com asas, só não sabem voar ainda, pensava ela. No entanto, poderão retornar ao ninho, sempre que se sentirem sozinhos.

Gisela crescia com o passar dos dias, meses e anos.

Já sentia desde novinha que sua vida não seria nada tão diferente daquele normal, tão cansativo. Ela carregava um mundo inteiro dentro de si. Um mundo desesperado para ser explorado.

(...)

No fim da sua vida, em seu leito de morte, Gisela permitiu que seu coração retornasse a vida que tinha na vila mimosa, depois de ouvir um sabiá cantar.

Ela se lembrou da lama nos seus pés, da dureza de seu pai, do canto da viola do sr. Firmino, do sol que nascia e se despedia, todos os dias, da quentura do ventre de sua mãe, dos normais insuportáveis, e sentiu saudade. Gisela se perdia nesse abraço. Foi essa saudade que ao apertar seu coração, sufocou lhe a alma.

Antes que desse seu último suspiro, disse: tive muita sorte … e partiu.

LaRhana
Enviado por LaRhana em 14/12/2023
Reeditado em 19/02/2024
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