Lembranças & Pedra Citrino
"Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora. Quando se pôde abrir as janelas, as poças tremiam com os últimos pingos. Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema, decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos. Fui buscar os chuchus e estou voltando agora. Trinta anos depois. Não encontrei a minha mãe".
(Adélia Prado).
Os cômodos vazios e ocos estalando sob os meus pés. As cortinas de renda gastas e desbotadas. A sensação do silêncio no meu peito que por algum motivo, ainda grita desconsolado. Era o silêncio da minha alma.
Senti o aroma de lavanda, uma espécie de fragrância tão antiga quanto a memória ressentida pelo que eu não mais podia ver. Mas ainda assim a sentia.
Me veio a lembrança dos lençóis estendidos no varal hasteado com bambus... E o aroma... Também lembrei do café da manhã, do almoço e do jantar. Refeições partilhadas com alegria, quando as taiobas eram viçosas e eram arrancadas por mim carinhosamente. E lembrei de todas as sementes que foram plantadas e regadas naquele chão. Ora pela chuva, ora pela água do riacho recolhida com o regador de alumínio.
O aroma da lavanda era vívido, num misto de terra, num misto de verde ...
Cheguei ao quarto e vi uma aranha fazendo o seu ninho no buraco do taco velho. Quando me deparei no canto angular da parede, vi a pedra citrino que a minha mãe amava. Me agachei e a acolhi junto ao meu rosto sentindo toda a energia emanada.
Acordei naquela manhã, um pouco mais feliz. Tinha trovão, clarões e chuva . A vidraça estava embaçada e pude fazer o meu coração com a ponta dos dedos. A pedra citrino da minha mãe, estava sob o meu travesseiro como sempre esteve.
PS: Adélia Prado, poetisa mineira que eu amo, completa hoje 88 anos e já está pronta para o lançamento do novo livro.
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Fagner - Canteiros