O rio.

O remo improvisado, de madeira, na maior das delicadezas, entrava no serpentino, movendo o ponto insignificante a uma indecisão certeira. Se derretido estava em ouro, vinha, como fim de encruzilhada, o anoitecer. Ao velho, porém, o trajeto seguia aos brilhos, que já piscavam as estrelinhas da terra, enquanto as do céu timidavam surjança. A viagem, costumação, era de três dias e três noites; estava na metade, por tanto deslize.

Se espantava a conselharia, o fato de ter os quase oitenta, e, antes de mais nada, tomava cachos de bananas ou coisa parecida, e arremessava-se à canoa, fugido com as encomendas, era a criancice — ou a sersice mesmo — de vivenciar aquilo; desde antes os dez anos criou a tradição do canoar, depois virou modo de tantas, até trabalho. Fosse, quem diz, peixe numa outra vida, ou nascesse para o tal, que não saía da água e, fora dela, arrumava as mínimas para voltar.

Numa juventude, dizem, parado num riacho a apanhar frutos dum pé, o deparo foi de repente: com uma cabocla, jovemzinha também. O conto é que se raiaram, na visão interminável, e um chamou o outro. Foi ela quem tirou ele da casa, enquanto foi ele quem a levou para casa. Dizem ter voltado com ela da viagem, e no mesmo ano deram cria, já da floresta. E foi assim que diminuíram as verdades da vida, cresceu família, de sete filhos, e vizinhança próspera.

Ele, com curumimzinho nos pés, sentava-se na calçada e encarava o ditame riachão: sussurro suado, sem sair de si, sem sina de sofrimento, sol e sombra, suspiros e sorrisos. Senhor! Silêncio vencia, de silêncio vivia, sendo, todavia, bom pai, fazendo bem à família. Quando podia, ia, certo. Os meninos todos crescidos, a mulher nas idades tácitas, o chão apagando o marrom e os tijolos invadindo. Dizia: a vida!

Quem morreu, então? Sua mulher, a índia, no fim dos 1937. O mais novo filho com vinte e um, casado pronto, o último a partir. A casa sua residência ganhou pretura, de luz não vivia, a demora foi de algumas semanas: arrancou do telhado a sua canoa e foi para as beiras, e voltou à infância. O certo: três dias e três noites. O meio do caminho, mas já não tinha sol nem lua. Navegava no infinito.

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 11/12/2023
Código do texto: T7951906
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