Traída pelo coração



 

Esse Gigante todas as vezes que passa por mim aqui na academia me faz tropeçar, quase caindo de cara no chão. Se estou bebendo água, engasgo e começo a tossir. Se estiver fazendo alguma série num aparelho, este me escapa das mãos ou dos pés e o estrago não é maior por pura sorte. Se passa perto, sinto seu perfume, bato a cabeça na parede ou não vejo as vidraças; sou uma completa ameba perto desse gigante de 1.92 metros e 120 kg de puro músculo, todo trabalhado na tatuagem, cabelos rebeldes, barba sempre por fazer e uma cara de menino mau. Esse homem é minha perdição, minha dose homeopática de veneno transmutada em tentação. 

 

Minha alegria e desespero do dia é vê-lo passar, objeto de desejo obscuro: mapear suas tatuagens, fazer um inventário minucioso de cada uma delas. Saber onde começam e onde 

vão terminar. Se algum dia ele resolver olhar para mim, desmaio, estatelo-me rígida no chão. Penso que não suportaria a emoção.

 

Lá vem ele! 

 

Meu coração já está acelerado; minhas mãos, suando; minha boca, seca; as pernas, tremendo. 

 

Ele olha para os lados, procurando algo ou alguém. Agora vem em minha direção; devo estar alucinando, delirando. Quero tanto me fazer notar. Esse homem é o motivo dos meus sonhos acordada. Reparo novamente: continua vindo em minha direção. Quem olha para os lados agora sou eu. Ele deve estar procurando alguém perto de mim, e encontrou, pelo visto. 

 

Não! Parou em frente a mim.

 

— Oi. — E eu muda. — Bom dia. — Continuo muda, petrificada.

— Haaaa… — É só o que sai da minha boca; o ar não entra nos pulmões. O AR NÃO ENTRA NOS PULMÕES!

— Marina, né. — Ele sabe meu nome? Vejo-o todos os dias, sonho com ele todas as noites e só sei que, que… sei o quê? — Marina, já faz algum tempo que quero te convidar para tomar um suco, ou um encontro, quem sabe um jantar. — Eu continuo muda, o que deu em mim?  — O suco pode ser aqui na cantina… —Socorro, virei pedra! Eduardo, o deus tatuado é um “meduso”, transformou-me numa estátua de pedra. Eduardo, o Gigante dos meus sonhos, o tatuado de meus devaneios, sabe quem sou, meu nome e se bobear meu CPF, e eu delirando com o malvado. Quero aceitar o convite, tomar suco, cachaça, qualquer bebida que me oferecer. “Socorro”, quero sair desse transe, “alguém me ajude pelamordedeus”, dos deuses. Qual o deus que acende a ira e transforma a Medusa? Poseidon? Atena, não tive culpa de nada. Petrificada, começo a ouvir gritos e ruídos de pessoas correndo.

 

— Chamem um médico 193! — A voz é do Eduardo.

 

Ele me transformou em pedra e, para disfarçar, chama o socorro? Deve ser uma piada de muito mau gosto. Sinto solavancos, meu corpo treme, dói! Levei um choque? Por quê? Um brutamontes aperta meu peito. Ai, Gezuis! Como dói! 

 

— Marina, reaja, vamos, volta! — Ouço  Eduardo falar.

 

Agora o mesmo brutamontes que apertou meu peito está soprando na minha boca. Eca, que nojo! Sopra novamente e aperta o peito… pera… é uma massagem cardíaca? 

 

— Acorda, Marina, reage! — Falso do caralho, foi ele o culpado por eu cair dura no chão, feito uma pedra, e vem falar no meu ouvido para acordar? Não estou dormindo; estou bem consciente. Mais massagem no peito, outro choque… 

 

O cara do beijo da morte fala:

— Hora do óbito: 10:34. — Quem disse isso? Foi o cara da massagem cardíaca? Morri? Naaaaaaão! Eduardo, seu filho da puta! Esse é meu pagamento por amar um deus? Atena, me perdoa, eu não sabia. Juro.

 

O amor foi a causa de tudo.

 

 

Esse conto foi escrito para Revista Histórias de Lugar Nenhum, publicado na Amazon.

Juliana Duarte Honorato
Enviado por Juliana Duarte Honorato em 02/12/2023
Reeditado em 08/09/2024
Código do texto: T7945260
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