Desentoado #M#

Eliana sentia um vazio em sua alma.

Seu coração se sentia apertado, sua alma encolhida chorava em silêncio.

Depois de muitos anos de casada sentia que não havia mais porque continuar o casamento. E não tinha coragem de se separar. Já não havia nada entre eles há algum tempo.

Sentia-se sufocada, desprezada, desvalorizada. Continuava insistindo sem um porquê.

Sempre que brigavam, decidia que seria a hora, mas não conseguia tomar uma decisão.

Conheceu Gustavo, novo funcionário que chegou. Era um homem interessante. Não era lindo, mas era inteligente e sagaz. Conversavam e viram que tinham muito em comum.

Ele a olhava de uma maneira que a incomodava, mas ela gostava. Há muito tempo ninguém a olhava assim. Ela pensava nele, nos papos que tinham, nos olhares e se sentia desejada. Coisa que seu marido não a fazia sentir mais.

Dia após dia eles conversavam, se olhavam e sabiam muito bem o que o outro queria.

Mas ela não era mulher de trair e não tinha coragem de terminar seu casamento morno.

O tempo passava e eles mal conseguiam disfarçar o que se passava entre eles.

Gustavo de surpresa perguntou:

-Você é feliz em seu casamento?

-Por que pergunta?

-Nem precisava perguntar. Se fosse feliz não me olhava como olha.

-E como eu te olho?

Ele riu:

-Você me devora com os olhos como se me quisesse por inteiro e completo.

-Acho que meu marido nem sabe mais que sou uma mulher.

-Pois eu sei a mulher que você é. Chego a te ver nua quando te olho e conheço cada parte de seu corpo na minha imaginação.

Ela corou e baixou a cabeça.

-Não acredito que uma mulher como você ainda fica corada ao ouvir uma verdade.

Ela não disse mais nada. Saiu.

Depois de muitas investidas de Gustavo, Eliana cedeu e se entregou à paixão.

Ela se sentiu plena nos braços dele como há muito tempo não se sentia.

Eles continuaram saindo juntos e depois de algum tempo nem se preocupavam mais em se esconder. Aluísio descobriu e a confrontou. Eliana não negou e nem confirmou. Simplesmente disse que não tinha nada a dizer e que o melhor era se divorciarem.

Foi uma conversa difícil e cheia de acusações e ofensas. Ela pediu que ele fosse embora.

Eliana chegou, Aluísio estava sentado no sofá.

-O que você ainda está fazendo aqui?

-Quero conversar com você.

-Acho que não temos mais nada pra conversar. Além do mais não há como conversar com você. Não vou mais aceitar suas grosserias.

Calmamente ele perguntou:

-Por que você fez isso comigo? Por que me traiu? Eu preciso entender.

-Se eu explicasse você não entenderia, como nunca entendeu meus sentimentos.

-Sei que me considera um tosco, mas um tosco também tem e entende de sentimentos.

-Você sempre demonstrou o contrário.

-Você sabe o quanto eu te amei.

-Teve um tempo que eu acreditei que você me amava e teve um tempo em que eu tentei me enganar dizendo a mim mesma que você me amava, apesar de tudo.

-Você não sabe me compreender. Não pode querer que eu seja igual a você.

-Nunca quis isso. Fiz tudo pra você entender que o que eu queria era ser feliz com você.

-Nós fomos felizes, nos amamos intensamente, nos entregamos e nos satisfizemos.

-Houve um tempo que foi assim. Mas mesmo nesse tempo você nunca me respeitou como mulher. Seu ciúme descabido e sem fundamento sempre me machucou.

-Eu tinha razão de sentir ciúme. Tanto tinha que você me traiu.

-Eu nunca quis te trair. Mas a insatisfação que eu estava sentindo, a solidão, o abandono, o descaso, o seu modo de me tratar sempre rude, sem carinho, sem me olhar. Acho que você nem sabia mais que eu sou uma mulher. Mulher, Aluísio, gosta de carinho, de amor, de sexo, de ter prazer com o homem que ama, de se sentir amada e desejada, gosta de ser tocada, beijada, de se sentir plenamente mulher.

-Você também se afastou de mim. E eu não te traí.

-Não tenho tanta certeza disso.

-Você não pode provar nada contra mim.

-Isso não quer dizer que você não me traiu.

-Até agora você não disse nada que justificasse uma mulher trair um homem.

-Você não entende nada, não é? Simplesmente aconteceu. Houve atração, química, paixão. Eu estava frágil e carente e ele agiu comigo o que você não age há tempos. Ele me viu como mulher, me tocou, me desejou, mostrou todo desejo por mim. Ele me amou como há muito você não faz, me deu prazer e carinho como eu gosto de sentir nos braços de um homem e que você há tempos não faz mais. Ultimamente você só pensa, se sente bem, bem humorado e alegre com seus amigos. Comigo é só mau humor, grosseria. Encontrei nele o que você não sabe mais me dar. Por falta de amor ou de vontade.

-Eu não posso te perdoar e dar uma segunda chance pois traição não tem perdão.

-E quem disse que eu quero seu perdão ou uma segunda chance? Tudo que eu senti por você acabou. Você matou o amor que havia em mim.

-Vai ficar com ele?

-Não sei. Isso não tem a mínima importância. Sentimos atração e um desejo incontrolável e rolou transa, sexo, prazer. Pode rolar enquanto houver desejo ou não rolar mais. Não preciso de homem pra viver. Só preciso me sentir mulher se estou com um homem.

-Você se comporou de maneira vulgar. Não foi esta a mulher que eu conheci e amei.

Ela ri ironicamente:

-Não foi este também o homem que eu amei. Não me comporto de maneira vulgar. Eu me comporto como uma mulher que não aceita menos que respeito, carinho, atenção, ser olhada como uma mulher inteira e ser desejada como se eu fosse a única do mundo.

-Sinto muito que tenha que terminar assim. Noutros tempos eu pensaria em te matar, mas não vou sujar minhas mãos e acabar com minha vida por quem não merece.

-Vou citar Chico Buarque: “…te perdoo por te trair…”, se é que você entende.

Ela levantou e saiu da sala. Da porta ela disse:

-Saia de minha casa o mais rápido possível. Vai ser feliz. A vida é muito curta pra se viver infeliz e insatisfeito como você demonstra estar.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 06/11/2023
Reeditado em 06/11/2023
Código do texto: T7925890
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