Pelo Amor ou Pela Dor
Pelo Amor ou Pela Dor
Venho aqui hoje contar como acabei com meu casamento, minhas fantasias e minha arrogância. Não faço isso como um aviso ou nada do tipo, faço como desabafo e por orientação de minha terapeuta, para poder dar um encerramento a essa faze dura, mas muito instrutiva de minha vida. Hoje entendo o ditado que diz que existem duas maneiras para aprendermos na vida, ou pelo amor ou pela dor.
Usarei nomes fictícios para poupar os citados, que podem vir a ler esse texto e voltar a abrir velhas feridas.
Sou Marta, trinta anos, casada a sete anos com Arthur, 40 anos. Ele foi o amor de minha vida, eu nunca tive dúvidas em relação a isso, sabia desde a primeira vez que o vi, e sabia sinceramente que ele me amava também.
Como já mencionei, estávamos juntos a sete anos e foram anos muito felizes, eu trabalhava como secretária executiva e ele como gerente de recursos humanos em uma multinacional. Não tínhamos filhos, por escolha minha. Tínhamos uma vida estável sem luxos, mas vivíamos confortavelmente.
Era a calmaria antes da tempestade, entendo agora que não nascemos para ser felizes, isso quem coloca em nossa cabeça são as comédias românticas, as novelas, os filmes e a Disney. Nascemos para aprender, progredir e crescer como seres humanos e se para isso tivermos que sofrer assim será. Hoje entendo que casar significa se comprometer um com o outro, nas boas e más situações que a vida vai nos trazer. Queria ter entendido isso naquela época...
No final daquele ano Arthur foi demitido e ficou um ano meio sem conseguir emprego. Confesso que aquilo sim, afetou nosso casamento, ter que sustentar a casa, com meu salário não foi fácil. Ele tentava, fazia bicos, serviços manuais, tudo o que aparecia, mas não conseguia emprego fixo. Ele ficou inseguro e triste por não poder arcar com as despesas da casa como sempre fez, se sentia menos homem, eu acho. Eu confesso que não o ajudei muito nesse sentido, afinal estava zangada por nossa vida ter mudado e culpava ele de certa maneira, afinal “ELE” era o homem da casa.
Imatura, idiota, egoísta... é, hoje eu sei.
Finalmente ele conseguiu emprego em outra empresa onde ganhava metade do seu salário anterior, mas pelo menos estava mais feliz e trabalhando. Nesse mesmo ano recebi uma oferta de emprego em uma siderúrgica multinacional como secretária executiva da nova direto de finanças, que chamarei de Ana.
Tudo havia voltado ao normal finalmente, passamos a crise mais séria que tivemos em nosso casamento. Eu adorava meu emprego, me encaixei muito bem na empresa, e principalmente com minha nova chefe, Ana. Tão bem que nos tornamos amigas intimas, a ponto de ela ir em minha casa em jantares, churrascos etc.
Ana era um a mulher linda, mais velha que eu, na idade de meu marido mais ou menos. Falava seis idiomas, graduada em finanças, com pós no exterior e mestrado em Harvard. Quando ela andava pelo escritório era um espetáculo a aparte. No entanto era solteira, não por falta de pretendentes ou tentativas de cortejo, mas por escolha.
Mas um ano passou maravilhosamente bem, Ana foi escolhida para ser a CEO nacional da Siderúrgica e me promoveu a diretora financeira. Eu nunca em minha vida poderia estar mais feliz, meu salário dobrou e com isso passei a ganhar quase quatro vezes mais que meu marido. Achei que isso seria um problema, mas para minha surpresa e confesso um pouco de frustração, ele simplesmente não ligava e estava realmente feliz por mim. Foi quando percebi que Arthur era um homem de pouquíssimas ambições.
Mudamos para uma casa maior, passei a ter mais dinheiro para gastar em roupas de marca, ir ao salão de beleza, passei a frequentar academia. Sempre tive um corpo bonito e sabia que não era feia. Comecei a perceber mais olhares masculinos quando passava e isso me deixava lisonjeada. Tinha até um dono de uma de nossas fornecedoras de aço, moreno, alto, olhos claros, lindo, corpo esbelto mais ou menos com minha idade que sempre que me via fazia gracejos e cantadas. Nunca levei a sério, mas também nunca o impedi assim como nunca pensei em nada fora do meu casamento, amava meu marido.
Com meus novos afazeres e responsabilidades na empresa, ficava mais tempo no trabalho, quando chegava em casa meu marido estava dormindo e quando ele saia eu ainda estava dormindo. Passamos a nos falar menos e nos comunicar menos. Eu estava tão feliz com minha nova vida que não percebia isso na época, esta em minha zona de conforto e por mais que meu marido reclamasse as vezes, eu não ligava. Acreditava que era inveja dele de meu emprego e como eu estava progredindo na vida. Lembro de uma discussão que tivemos que só agora faz sentido para mim, na época não dei a verdadeira importância que ela teve.
Estávamos jantando quando ele perguntou se eu estava feliz. Fiquei surpresa com a pergunta e disse que sim, que nunca havia me sentido tão feliz, que nunca ganhei tanto dinheiro como agora, tenho o cargo que sempre quis, sou respeitada e valorizada pelo meu trabalho. Ele ficou calado por alguns minutos e perguntou.
- E com o nosso casamento, você é feliz?
Não percebi isso na época, mas levei tempo demais para responder aquela pergunta, foram apenas alguns segundos, mas ele percebeu. Afinal eu disse.
- Claro que sim, você sabe que te amo!
Hoje entendo o que ele já sabia, ele não havia me perguntado se eu o amava, ele queria saber se eu era feliz em nosso casamento. Ele apenas me olhou firme nos olhos, sorriu levemente e não falou mais nada.
Os meses correram normalmente. Até o fatídico churrasco de final de semana. Recebemos alguns amigos para um churrasco em nossa casa, entre eles Ana. Ela e meu marido se davam muito bem, meu marido era um homem muito inteligente, dessas pessoas que você pode conversar sobre qualquer tipo de assunto com ele que ele vai saber do que você está falando. Sempre admirei isso nele, sua calma, sabedoria e carinho. Ele é dessas pessoas que transmitem paz e segurança. Daquelas pessoas que são a primeira opção em que você pensa em ligar quando está em apuros.
O churrasco correu muito bem, todos muito felizes, alegres, todos bebemos um pouco demais. Estava me despedindo de meus últimos convidados quando entro na cozinha e vejo meu marido lavando a louça, enquanto Ana enxugava. Percebi que as bochechas dela estavam rosadas, não sei se pelo vinho que tomamos ou pelo fato dela estar rindo tanto enquanto, batia com a toalha em meu marido brincando. Comecei a rir também, mesmo sem saber porque e perguntei o que havia acontecido. Ana respondeu em meio as risadas.
- Seu marido é um bobo, ainda está na quinta série.
- Há... uma das piadinhas sem graça dele. – disse dando mais um golo na taça de vinho. – O que ele disse?
Ana para, tenta ficar seria, olha para mim e fala.
- Qual a planta mais assustadora da floresta? – já rindo.
Fico pensando um pouco e digo que não sei. Ela vem, se aproximando bem devagar, abre os braços e fala.
- O Bam BUUUUU!! - Caindo na risada novamente.
Algum tempo depois ela disse que ia embora, mas argumentei que ela havia bebido muito e era melhor dormir no quarto de hóspedes. Ela disse que havia chamado um Uber e assim que ele chegou foi embora.
Meu marido terminava de arrumar as coisas na cozinha e eu estava sentada na mesa tomando o resto da garrafa de vinho. Ele olhou para mim e perguntou.
- Você confia na Ana?
Estranhei a pergunta.
- Claro que sim. Devo tudo a ela, ela é como uma irmã mais velha, que nunca tive. Se não fosse ela não estaríamos hoje aqui tendo tudo o que temos.
- Não é bem assim, ela deu a oportunidade para você. Tudo o que você conquistou foi por seu mérito, esforço e competência. E a Ana sabe disso, ela não fica com pessoas sem valor ao redor. Tenho muito orgulho de você por isso. Mas não digo em relação ao profissional...
Idiota como sou, na época não dei valor a isso. Olhei para ele desconfiada e disse.
- Não entendi?
Ele ficou calado um tempo como se pensando se deveria falar ou não, então como se tivesse tomado coragem disse.
- É que hoje ela deu em cima de mim.
Ele me olhou desconfiado, meio ressabiado e continuou.
- Ela até tentou me be...
Aí veio a grande cagada de minha vida. Confesso que só agora compreendo isso. Não sei porque eu não vi como o que eu falei foi tão ofensivo e desrespeitoso com ele, como homem mesmo. Estava tão segura em minha zona de conforto que simplesmente nunca cogitei algo assim. Ana querendo algo romântico com meu marido, com o Arthur!
Comecei a rir sem parar, me deu um ataque de riso que eu simplesmente não conseguia parar de rir. Acredito que o vinho tenha contribuído um bocado para isso, mas eu simplesmente ria que chegava a chorar.
Ele ficou extremamente irritado e com raiva falou.
- Porque o motivo do riso? Você não acha que sou interessante ou bonito o suficiente para uma mulher como a Ana se interessar por mim?
Eu tentava para de rir e tentando me controlar disse.
- Meu amor, a Ana é a CEO de uma siderúrgica multinacional, uma mulher lindíssima, ela tem os mais belos homens do mundo em cima dela, ricos, bonitos, donos de empresas milionárias. Sério mesmo que você acredita que ela deu em cima de você?
Ao dizer isso apontei com desdém para ele. Outra cagada que fiz.
Ele fala indignado e magoado.
- Você me acha feio?
Mais uma cagada para minha lista essa noite. Resolvi fazer uma piada.
- Digamos assim. Você não é feio o suficiente para me fazer passar vergonha e nem tão bonito a ponto de me dar dor de cabeça.
E comecei a rir novamente. Ele levantou olhou para mim e disse.
- É pelo jeito o quarto de hóspedes vai ser usado essa noite.
Subiu e se trancou no quarto de hóspedes. Tentei pedir desculpas dizer que era brincadeira e tal. Disse que ele era imaturo, inseguro, mas não teve jeito, fui dormir sozinha.
A semana seguinte era fechamento de trimestre e o escritório sempre ficava uma loucura nessa época. Muito estres, dor de cabeça, metas a serem batidas etc. Não falava com meu marido desde aquela noite. Na quarta feira ele me ligou no meio da tarde, eu estava resolvendo um problema sério, brigamos feio no telefone e Ana que passava ouviu nossa discussão. Me chamou em sua sala.
Entrei meio abalada ainda com a discussão com meu marido, mas fiz o possível para parecer profissional. Ela sorriu quando me viu, apontou a cadeira em frente a sua mesa.
- E então Marta como vão as coisas?
- Fechamento de trimestre, você sabe como são as coisas, bater metas, fica tudo uma loucura. – sorrindo
- Marta, é só mais um fechamento, como tantos outros, se não batermos a meta nesse fechamento batemos no outro. Assim é vida corporativa. Nenhum CNPJ vale um AVC. Você sabe que te considero mais que uma funcionária, você é como uma irmã para mim, então acredito ter o direito de perguntar. E como vão as coisas em casa, ouvi a discussão, desculpe, está tudo bem entre você e o Arthur?
Fiquei calada durante um tempo. Com vergonha de dizer que meu marido acreditava que uma mulher como ela, teria dado em cima dele. Então omiti essa parte e inventei uma história dizendo que acreditava que Arthur estava incomodado com meu crescimento profissional, já que eu ganhava quase quatro vezes o que ele ganhava. Que ele se sentia menos homem por isso e algumas outras idiotices de gênero.
Ana ficou intrigada.
- Marta certeza, o Arthur sempre me fala o quanto se orgulha de você e de tudo o que você conquistou.
Fiquei assustada em ser pega na mentira.
- Pois é... estanho. Mas então, sei que não deveria pedir algo assim a você, mas poderia conversar com ele sobre isso, por favor, ele te escuta, te respeita e admira muito, sempre fala que você é uma mulher honrada não só nos negócios, mas na vida particular também. Respeita sua jornada até o topo, como ele diz. Ele vai te escutar. – com cara de choro.
Percebi a supressa em seu olhar quando disse que Arthur a admirava. Ela como se cansada ou triste fala.
- As pessoas admiram quem está no “topo”, mas não compreendem realmente as escolhas que temos que fazer para chegar lá. E a verdade é que quando chegamos e olhamos para os lados, percebemos que estamos sós. Amo minha vida, mas confesso que hoje olhando para trás, farias muitas escolhas diferentes, principalmente em colocar minha vida profissional em detrimento de minha vida pessoal. As vitórias só tem valor quando você tem com quem compartilhar.
Pela primeira vez vi Ana demonstrar fraqueza ou melhor, tristeza. Ela pensou um pouco e falou.
- Está bem Marta vou falar com ele assim que tiver um tempo, eu prometo. Mas lembre-se sua carreira não é você. Você é mais que isso.
O restoda semana correu tranquila apesar de eu ainda estar brigada com meu marido. Chegando a sexta feira quando finalmente fechamos o trimestre, batendo todas metas e com folga. O pessoal do escritório resolveu ir a um barzinho para comemorarmos os resultados e eu resolvi ir junto. Bebemos muito, rimos bastante então percebo que aquele moreno alto, dono de uma fornecedora nossa, que vivia dando em cima de mim, também estava lá. Ele veio até nossa mesa conversamos, bebemos rimos e quando percebi o pessoal do escritório havia indo embora, restando apenas eu e o moreno bonito. Algumas risadas e bebidas a mais e quando percebi estávamos nos beijando e acabamos indo para um motel.
Acordei dez horas da manhã, com dor de cabeça, de ressaca, na cama do motel, sozinha. Ele havia ido embora e me deixado lá. Um tempo depois fui descobrir que o motivo para ele ter me abandonado daquela maneira, era que ele recebeu a ligação da esposa, lembrando que ele tinha que leva-la para fazer o ultrassom para descobrirem o sexo do neném que estavam esperando.
Levantei assustada, peguei meu celular, havia uma infinidade de ligações não atendidas de meu marido, além de dezenas de mensagens não respondidas. Me vesti o mais rápido possível, chamei um Uber fui para casa.
Ao abrir a porta meu marido estava sentado na mesa da cozinha, ele se levantou veio em minha direção, mas não estava zangado ou irritado. Estava assustado. Me abraçou e perguntou o que aconteceu?
Coloquei minha bolsa na mesa e nervosa comecei a falar.
- Oi amor, desculpe, está tudo bem. Meu celular deu problema, por isso não te liguei. Ontem depois de expediente o pessoal do escritório resolveu comemorar o fechamento do trimestre na casa da Ana. Bebemos demais e eu acabei dormindo por lá mesmo.
Ele me olhou surpreso.
Eu desviei o olhar e disse que iria tomar um banho e logo voltava para explicar tudo, subindo para o quarto. Quando cheguei no quarto meu coração parecia que iria sair pela boca. Lembro que pensava.
- Ele acreditou, está tudo bem! Acalme-se.
Lembrei que tinha que ligar para Ana e pedir para ela confirmar a história, caso ele ligasse para ela. Procurei minha bolsa para pegar o celular e então lembrei que deixei na mesa da cozinha. Desci as escadas como um foguete.
Sentado na mesa meu marido segurava um copo com água em uma mão e na outra que estava pousada na mesa, ele segurava meu celular.
- Marta, vou perguntar só uma vez e não minta para mim!
Meu estomago virou nessa hora, minhas pernas tremeram. Ele continuou olhando fixamente para mim e pela primeira vez em minha vida, aqueles olhos castanhos, não me olhavam com amor.
- Onde você esteve na noite passada e com quem?
Tentei mentir e confirmar a história.
- Do que você está falando, estava na casa da Ana. Como eu disse! Porque? Não confia em mim? Acha que eu te traí? – fingindo estar zangada e indignada.
Então tomei mais uma das grandes decisões erradas de minha vida. Comecei a acusa-lo de não confiar em mim, que estava envergonhada e enojada por ele desconfiar da minha honra e honestidade, como ele se atrevia a desconfiar de sua esposa que está com ela a mais de dez anos e coisas do tipo, tentando virar a situação a meu favor.
- ONDE VOCÊ ESTAVA E COM QUEM?
Meu marido nunca, até aquele momento, havia levantado a voz para mim. Levei um susto tão grande que tremi dos pés à cabeça, mas sabia que tinha que manter minha postura ou meu casamento estaria acabado. Com a voz tremula disse.
- Eu já falei, estava com a ANA. Ligue para ela se não acredita em mim.
Jogada arriscada, mas eu confiava na Ana e depois eu explicaria tudo.
Ele respirou fundo, se acalmou e disse.
- A Ana saiu aqui de casa ontem eram onze horas, Marta. Ela veio aqui segundo ela mesma, por um pedido seu, para me explicar que eu não deveria sentir ciúmes das suas realizações profissionais...
Minhas pernas tremeram e eu cai sentada em uma cadeira.
Ele pegou meu celular que estava em cima da mesa e virou a tela em minha direção. Enquanto eu estava no quarto, ele entrou no aplicativo da Uber e foi em atividades, onde mostra a última viajem feita e lá estava o trajeto do motel Zelda até nossa casa.
- Você me traiu Marta? Sério Marta? Traição...
Eu comecei a chorar, e dizer o que todo traidor diz quando é pego, que foi um erro, que foi só aquela vez, que eu estava bêbada, que nós estávamos brigando muito, e eu estava me sentindo sozinha, carente e etc. Implorei por perdão, pedi desculpas, mas não conseguia olhar ele nos olhos. Foi então que ouvi um copo se quebrar.
Olhei para ele que apertou com tanta força o copo em sua mão que partiu ele ao meio. A sua mão começo a sangrar. Eu levantei assustada para ir em sua direção, ele levantou a mão ensanguentada e gritou.
- NÃO ME TOQUE.
Se virou, pegou a chave do carro e saiu em disparada batendo a porta.
Confesso que os sentimentos que senti eram contraditórios. Eu estava triste e abalada com o ocorrido, mas também sentia como se um peso tivesse sido tirado de minhas costas. Eu não conseguiria viver com a mentira. Tentei entrar em contato com meu marido, mas ele havia me bloqueado em tudo. Passei dois dias tentando de todas as formas falar com ele e nada. Me sentia horrível, a culpa e o remorso estavam me matando. Eu o amava verdadeiramente e sabia o erro terrível que cometi. Se não fosse o apoio de Ana acho que teria enlouquecido. Até que no terceiro dia depois do ocorrido recebo uma mensagem de texto de meu marido. Ele queira se encontrar comigo as 14h na mesma cafeteria que nos conhecemos e nos apaixonamos.
Eu me arrumei toda, coloquei o vestido que eu sabia que ele amava, um florido longo com alcinhas, ele dizia que não se via mais mulheres vestidas de mulheres e adorava quando eu me vestia assim, coloquei o perfume que sabia que ele amava e meia hora antes do combinado, estava sentada na cafeteria esperando por ele angustiada.
Ao entrar lá meu coração tremeu, tantas lembranças boas, foi ali que o conheci. Ele estava parado na fila esperando o café. Me apaixonei imediatamente, sei que parece bobeira, mas foi a mais pura realidade, sabia que ele era o homem que eu queria passar o resto da vida junto, até morrermos bem velhinhos. Passei por ele e esbarrei propositalmente, derrubando café nele. Assim começamos a conversar e namorar.
Isso agora doía tanto, parecia que havia sido em outra vida, não conseguia entender o que eu tinha na cabeça para ter feito o que fiz. Trocar uma vida por uma noite. Toda vez que o sino na porta tocava anunciando que alguém entrava, meu coração batia mais forte. Deu 14h, 14:30h, 15h, 15:30, 16h e foi aí que percebi que ele não viria. Tentei ligar para ele, mas ele havia me bloqueado novamente.
Ao chegar em casa entendi o motivo para ele não ter ido a cafeteria. Para não ter que me ver ele aproveitou que eu não estava e retirou tudo que era seu de casa, roupas, sapatos, pertences. Em cima da mesa estava um bilhete com sua letra que dizia.
- Número do meu advogado.
E ao lado, a aliança dele.
Ali confesso que a ficha, não, o meteoro, finalmente caiu. Compreendi que havia perdido o amor de minha vida pra sempre. Que meu casamento estava terminado. Senti raiva, dor, chorei, bebi e se não fosse o apoio incondicional de Ana, acredito que hoje não estaria aqui relatando isso.
Três meses se passaram e eu não tive noticias de meu agora ex-marido. Até que uma tarde estava no escritório e recebo a visita de seu advogado. Ele trazia os papéis para o divórcio.
Nossa, ainda lembro da sensação como se fosse hoje. No início fiquei confusa, triste, magoada, mas então esse sentimento se transformou em uma raiva tão grande dele. É isso mesmo, raiva do meu marido, por ele não querer nem dar o direito de me explicar. Que por um erro meu, ele decidiu jogar todos os anos de nosso casamento fora assim. Por ele se achar tão perfeito que nunca errou. Por ele ser tão egoísta e covarde a ponto de não querer sequer falar comigo. Então tomei uma decisão. Olhando para seu advogado com raiva disse.
É... eu ainda achava que estava na razão.
- Diga para o covarde de seu cliente que só assinarei estes papéis se ele tiver a ombridade de agir como homem de verdade e se dignar falar comigo antes.
Seis meses se passaram e foi marcada a audiência de conciliação. Basicamente é uma audiência onde estão presentes os interessados e uma juíza mediadora para tentar resolver o problema antes de virar um divórcio litigioso.
Cheguei no fórum meia hora antes na esperança de ver meu marido, mas não o vi. Deu o horário entramos na sala. Estavam eu, minha advogada, a juíza e uma escrivã, mas nem meu marido nem seu advogado. Esperamos cinco minutos até que a porta abre e entra o advogado e alguns instantes depois meu marido.
Meu coração parecia que iria sair pela boca ao vê-lo. Fazia tanto tempo que tive que segurar as lágrimas. Ele parecia mais velho, estava mais magro, cabelo curto comuns fios grisalhos que nunca tinha prestado a tenção. Sua barba estava grande e farta, coisa que ele nunca usava, era grossa preta da cor dos cabelos com mexas brancas no queijo. Confesso que ele estava mais atraente que nunca, mais maduro, mais charmoso.
Eles pediram desculpas pelo atraso se sentaram e começaram as tratativas, leitura dos termos do divórcio, separação de bens, etc. Desde o momento em que ele entrou na sala ele não olhou uma única vez sequer para mim, nem uma. Aquilo estava me matando. A reunião continuou até que a juíza entregou os documentos para ele assinar. Ele assinou e entregou os papeis para seu advogado, que os empurrou para mim.
Foi aí que explodi. Dei um grito olhando fixamente para ele que fez com que todos na sala, exceto ele, tremessem.
- OLHE PARA MIM! FALA COMIGO! ME XINGUE, MAS FALE COMIGO!
Minha advogada colocou a mão em meu ombro para me acalmar, a juíza ia começar a falar quando ele olhando fixamente para mim, e pela segunda vez na vida aqueles olhos castanhos não me olhavam com amor, mas agora com dor e tristeza, disse com a voz mias dolorida e sofrida que algum dia já ouvi.
- E o que você quer que eu diga Marta? Que eu te perdoei, que eu sei que foi só um erro, que você se arrepende e que foi só uma vez. Que você me ama?
Eu ia falar, mas ele levantou a mão em minha direção me silenciando.
- Você queria que eu falasse, então agora escute. Você quer ouvir que eu te amo? Sim Marta eu ainda te amo e acredito que sempre vou te amar. Infelizmente não existe um botão para ligar ou desligar um sentimento. Para mim é como naquela primeira vez que a vi na cafeteria. Para mim nada mudou. E é isso que mais tenho raiva em mim hoje, ter me permitido te amar tanto, permitir ainda sentir esse sentimento por você e não conseguir tira-lo de dentro de mim. Mas o tempo é o senhor da verdade e sei que a cura virá um dia. Me odiar por saber que para mim é tão difícil me libertar porque eu adorava nossa vida juntos, nossas conversas, nossas risadas, tudo o que construímos.
Adorava todas as suas manias, nossos momentos de intimidade ou de silêncio, somente desfrutando da presença um do outro. E não eram as grandes coisas, eram as pequenas que eu mais amava. Por exemplo quando estávamos deitados e você colocava a mão gelada me abraçando. O cheiro de seu cabelo, de beijar sua nuca antes de dormir abraçados. Até as coisas irritantes eu amava, como o fato de você simplesmente ser incapaz de tampar a pasta de dentes, ou deixar as roupas espalhadas no quarto antes de tomar banho, ou colocar a tolha molhada na cama.
Me orgulhava da mulher forte e independente que você se tornou desde que começou a trabalhar em seu novo emprego, sua inteligência, esforço dedicação e profissionalismo. Amava a força, companhia e paz que você me passava mesmo nos momentos mais difíceis que tivemos. Mas hoje entendo que o amor nunca é o suficiente e que em um relacionamento um sempre ama mais que o outro e o que ama mais sempre está em desvantagem.
Eu poderia esperar tudo de você, menos traição. Você sabe minha opinião sobre isso. Sabe o que eu acredito que acontece com traidores. A traição é pior para alma que o suicídio. Quando você se suicida é porque a dor e a desesperança venceram, é um ato de sofrimento extremo.
Mas para traição não existe explicação ou justificativa, desde a primeira troca de olhares você sabe que está errado. Um alarme grita em sua cabeça, mas você escolhe ignorar. Aí vem as mensagens, os encontros, as mentiras, a dissimulação e a cada passo o alarme berrando, está errado, está errado e você por puro orgulho e egoísmo o ignora.
A traição é quando o “EU” suplanta tudo e todos, a família, os filhos, o respeito, a dignidade, tudo fica em segundo plano. Tudo o que você quer é satisfazer sua necessidade sexual, seu desejo, seu prazer. Sabe que mesmo que venha a ser descoberto o traído é que vai virar motivo de chacota, piada, vai ser chamado de corno, chifrudo, etc. Já o traído vai ser enaltecido como o esperto, o malandro. Tem tanta certeza disso que utiliza dos dois sentimentos mais puros que a humanidade tem, como arma contra o traído. O Amor que ele sente por você e a confiança. E isso é algo tão grave, que quando você trai, você literalmente cria uma “Horcrux”, você parte sua alma, cria um buraco nela.
Fica calado uns segundos olhando para baixo e então prossegue.
O que mais você quer saber Marta? Se te perdoo?
Agora quem não conseguia olhar para ele era eu e tudo que eu queria era que ele parasse de falar. Hoje entendo que deveria apenas ter assinado aqueles papéis e ido embora.
Mas ele para um pouco, pensa, respira fundo e prossegue.
Hoje ainda não, pois dói muito ainda, mas sim, Marta, sei que um dia irei lhe perdoar e tanto eu como você sairemos mais fortes dessa situação. Não lhe desejo o mal, sei que cometemos erros, que ninguém é perfeito, mas se existe algo que também sei sobre mim é nunca mais em minha vida vou poder tocar em você, beija-la, sabendo o que outro homem fez isso enquanto erámos casados. Nunca mais poderei confiar me você.
Então se algum dia a mulher pela qual eu me apaixonei, descente, honesta, e que me amava e que acreditei que ficaria o resto de minha vida junto existiu, peço... não, suplico, que assine esses papéis para que eu possa encerrar esse capítulo de minha vida.
Bom, não preciso descrever o clima na sala. Minha advogada chorava, a juíza chorava, a escrivã chorava até o advogado dele tentava esconder as lágrimas.
Eu peguei aquela caneta tremendo, assinei não sei nem como e saí correndo.
Ali foi a primeira vez que percebi o mal que eu havia feito a ele. O quanto eu tinha sido egoísta. Confesso que nunca tinha pensado em como isso havia afetado ele. Entender toda a dor que causei a quem eu amava me mudou profundamente. Entendi as palavras da Ana, em chegar ao topo e estar só. A felicidade tem que ser compartilhada se não, não é felicidade.
Dois anos se passaram e nunca mais tive contato com meu ex-marido. Nem uma notícia, nada. Um dia Ana entra em minha sala, senta na cadeira em frente minha mesa com um sorriso que nunca tinha visto antes. Falei intrigada.
- Nossa, que felicidade toda é essa?
- Então meu amor, hoje venho dizer que estou deixando a presidência da empresa e queria comunicar isso pessoalmente a você.
Confesso que levei um susto.
- Então é verdade. Achei que fosse radio pião, fofoca dos bastidores.
Ela começou a rir.
- É nada fica escondido mesmo. Mas sim, formalizei minha saída, o meu sucessor é um homem muito responsável e competente e me garantiu que não fará mudanças na diretoria você pode ficar despreocupada. Ele sabe de sua competência e profissionalismo.
- Fico muito orgulhosa, isso vindo de você. Mas e agora vai fazer o que dá vida?
-Vou viver. Lembra que disse uma vez que se pudesse faria opções diferentes em relação minha vida pessoal? Então vou atrás da minha felicidade. Já é hora, espero que ainda de tempo.
Ela ficou quieta e me olhou estranhamente como se sentisse culpada ou sei lá, então disse.
- Você sabe que é como uma irmã para mim, não sabe?
- Claro que sei e sempre serei grata a você por tudo.
Levantei fui até ela, nos abraçamos forte choramos e ela deixou minha sala.
Mais dois anos se passaram. Afinal a vida continua. Continuei sem notícias de meu ex-marido. Tive alguns relacionamentos, mas nada sério, que valesse a pena. Uma tarde estava tranquila em minha sala quando dona Célia, esposa do diretor de manufatura, entra em minha sala. Ela era grande amiga de Ana e nos tornamos amigas por isso.
- Marta meu amor, estava passando e não poderia vir aqui sem lhe dar um beijo.
- Dona Célia que maravilha, quanto tempo.
Conversamos amenidades durante um tempo então ela se levanta para ir saindo, mas antes ela pergunta.
- Sabe quem foi na minha casa semana passada jantar? A Ana. – sorrido.
- Nossa, faz ano que não falo com ela, desde que ela deixou a empresa. Achei que ela estivesse no exterior.
- Não. Está casada e tem uma filhinha coisa mais linda. Tem uns sete meses acho. Beatriz é o seu nome.
Levei um susto em ouvir aquilo, Ana casada e com uma filha. Ela nunca mais falou comigo desde que deixou a empresa. Porque será que ela não me contou.
- A Ana casada e com filho, quem diria!
- E você sabe, ela sempre foi uma mulher muito bonita, mas agora está linda, não, radiante é a palavra certa, a felicidade resplandece nela. Nunca tinha visto ela tão feliz.
Nisso dona Célia percebe em cima da minha mesa um porta retrato onde tinha uma foto em que eu, Ana e Arthur estávamos abraçados, tirada em um dos churrasco em nossa antiga casa. Ela segura a foto mais perto, coloca os óculos, para ver melhor.
- A Ana já era casada quando trabalhava aqui?
- O que? Não, claro que não.
- Ué, mas esse é o marido da Ana, o Arthur.
Apontado para a foto.
Minhas pernas tremeram. Pensei, não acredito nisso, foi por isso que nunca mais ouvi falar da Ana. Ela estava atrás do meu marido. O Arthur tentou me avisar aquele dia e eu fiz piada. Me controlei e falei.
- A senhora tem certeza?
- Marta sou velha, mas sei reconhecer um homem charmoso quando vejo. – rindo.
- Dona Célia a senhora tem o endereço da Ana, quero passar para ver a filhinha dela, faz anos que não a vejo?
- Claro Marta, aqui está.
Na manhã seguinte estava eu parada na porta de uma casa de dois andares, linda, com um gramado incrível, janelas grandes. Toco a campainha e um tempo depois a empregada aparece.
- Bom dia, posso ajudar.
- Oi sou uma antiga amiga da Ana, ela está?
Nisso olho para a escada que levava ao andar de cima e Ana descia carregando no colo um bebê. Ela me viu, parou na escada assustada e falou para empregada.
- Obrigada Joana, eu atendo.
Ao vê-la meu sangue ferveu, ela realmente estava linda.
Ela entrega a menina para a empregada, respirava fundo, caminha até a porta, olha fixamente em meus olhos e antes que eu pudesse dizer ou fazer qualquer coisa me abraça forte e começa a chorar de soluçar.
Confesso que aquilo quebrou minhas pernas, nada aconteceu como eu tinha esperado. Pensei em mil e uma coisas que diria a ela, como ela era uma cobra traidora, enganadora, hipócrita, destruidora de lares, imaginei eu esbofeteando a cara dela, xingando, gritando, mas na verdade a única coisa que consegui fazer foi a chorar abraçada a ela.
Fomos até a sala e ela começou a fala.
- Me perdoe, eu queria te contar eu juro. Falei com o Arthur, briguei, voltei a falar em te contar, que não era certo, não era justo, mas ele disse que você não entenderia e que isso iria me machucar e machucar você. Juro que nunca tivemos nada enquanto vocês estavam casados. Você tem que acreditar em mim.
Respirei fundo e disse.
- Uma semana antes do fatídico dia da minha traição, no churrasco lá em casa, o Arthur tentou me dizer que você deu em cima dele, que tentou até beija-lo?
Ela ficou encabulada, olhou para o chão envergonhada.
- É verdade. Mas ele, sendo o Arthur, disse que não queria nada comigo, que te amava e eu então compreendi o homem integro que ele era. Mas também tenho que confessar para você que estava apaixonada por ele. Sabia qual era o meu lugar. Nunca fui atras dele, mesmo após o divórcio de vocês, ele é que me procurou dois anos depois, então começamos a sair. Marta eu nunca quis te magoar, mas eu amo realmente ele e ele me ama e por mais que eu te considere uma irmã, não vou desistir de minha felicidade novamente. – olhando séria e decidida para mim.
Eu sei que o que vou dizer agora vai parecer hipocrisia, fantasia ou besteira, mas não sei exatamente porque, mas, aquilo me tranquilizou, foi como tirar um peso de meus ombros. Eu sofria todos aqueles anos me culpando por ter feito Arthur sofrer tanto e por isso me privava de tentar ser feliz novamente.
Agora que via que ele estava casado feliz,que ele conseguiu reconstruir sua vida, isso foi para mim um encerramento. Sabia que dali em diante eu poderia seguir minha vida sem culpa. Estava livre para procurar a felicidade também. E saber que ele estava com a única mulher no mundo que eu sabia que seria perfeita para ele me deixava ainda mais feliz. Chorando falei.
- Eu senti tanto sua falta, falta da minha irmã mais velha. Nunca mais suma.
Nos abramos chorando. Quando finalmente paramos de chorar disse.
- Agora quero conhecer sua bebê.
- Beatriz é o nome dela.
Passei o resto do dia com elas e no final da tarde Arthur chegou. Ao me ver ele abriu um sorriso vendo que estávamos bem, eu com bebê no colo. Jantamos juntos. Mais tarde Ana foi levar Beatriz para dormir fiquei na sala com Arthur. Estávamos em paz. Ele falou.
- Que bom que vocês se acertaram. Ana sente muito a sua falta. Ela sofreu bastante com o afastamento. A culpa foi minha dela não te contar. Desculpe.
- Ela me disse. Sem problema. Mudei muito nesses anos. A vida é um professor severo, mas competente.
- Não batizamos a Beatriz ainda. A Ana não permitiu.
- Ué, porque?
- Ela quer que você seja madrinha. O que você me diz?
- Tudo bem para você?
- Nada me deixaria mais feliz.
Comecei a chorar e aceite.
Dois anos se passaram e hoje é o dia de meu casamento. Encontrei finalmente um amor sei que não cometerei os mesmos erros. Meus padrinhos são Ana e Arthur e como daminha de honra, minha afiliada Beatriz.
Apesar de ser um desabafo espero que esse relato sirva para que outras mulheres não cometam os mesmos erros que eu. Eu tive muita sorte, a vida me deu outra chance. Não desperdicem as suas.