Aquela bandida
Juliana D. Honorato
Aquela bandida, sempre que passa por aqui, me tira dos eixos com sua roupa justa e bem-comportada. O comprimento da saia abaixo dos joelhos, a camisa de botões... Por que sempre percebe que estão abertos quando passa por mim? Pensa que me engana, só pensa... Sei que, por baixo de seu uniforme de aeromoça séria e bem-comportada, existe uma loba selvagem.
Sei seus horários. Ela faz escala São Paulo/Rio de Janeiro nas terças-feiras, passa pela manhã e volta nas quintas-feiras no começo da noite. Fico me perguntando o que carrega em sua mala. Será que são apenas roupas? Será que leva consigo algum brinquedo? Será que nessas viagens encontra algum tempo para diversão? Minha vontade é de usar minha autoridade de Xerife e interceptá-la: “Ei, dona, sua mala será confiscada para averiguações.”
Gostaria de ver sua cara de safada se desfazer na minha frente. “Não é nada disso que o senhor está pensando.” Não é nada disso que estou pensando? É bem isso que estou pensando. Não quero apenas pensar, quero pegar, apalpar, sentir algumas coisas que o horário não me permite falar... Se minha esposa ouvisse meus pensamentos, seria um homem morto neste momento.
Hoje é quinta-feira e eu já estou aqui, pois sei que ela vai passar. Olho para o relógio: em 36 minutos, fará o caminho inverso de terça.
Lá vem ela, sinto seu perfume arrebatador, escuto seu salto, é minha aeromoça safada. A deusa dos meus sonhos e detentora do meu juízo, ou melhor, a sequestradora do meu juízo.
Ela me olhou e deixou cair um papel, mas não sem antes abotoar um botão teimoso que teima em abrir bem na minha frente! Não seria a minha aeromoça pervertida se o botão não abrisse.
Saio em disparada, olhando para os lados à procura de um possível pretendente que não seja eu. O destinatário do ordinário bilhete tem de ser eu. Se houver outro, eu mato e escondo o corpo, porque serei eu o felizardo a pegar.
Peguei… “Sassinhora!” É um recado para mim mesmo! “Para o senhor da loja de conveniência. Te espero no meu carro em dez minutos. Sei que você sabe qual o meu carro e onde está estacionado.”
A “disgramada” sabe que eu a observo! Ela também fica me negaceando! Sabia que os botões não se abriam por acaso, pois ela nunca me enganou. Saio de encontro ao seu carro; bem como ela disse, sei exatamente onde está estacionado.
Está à minha espera. Paro por um instante, respiro fundo para conter o nervosismo.–Conter, o caramba! Quero é pegar essa mulher de jeito, finalmente terei minha chance com a aeromoça mais gostosa que já vi na vida.
Bato no vidro do carona, ela destrava a porta para que possa entrar e me lança um sorriso matador. É hoje que realizo meu sonho. Entro no carro já com o coração na boca de tão nervoso.
— Finalmente saberei seu nome! — Ela me olha com uma expressão de fúria.
— Nome? Meu nome? Você me come com os olhos quando passo por sua loja e é só isso que quer? Saber meu nome? — Fico sem ação, um “avião” desse só para mim e eu travo, estou com um T grandão e as ações paralisadas, assim como minha voz. Soltamos o ar juntos e começamos a rir.
— Ah, amor! Essa sua escala está acabando comigo — falo entre sorrisos, beijos e a puxo para um abraço apertado.
— Querido, até que hora sua mãe pode ficar com as crianças?
— Minha mãe vai dormir na nossa casa essa noite, podemos aproveitar bastante hoje! Vamos!?
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Esse conto contraponto ao da Fabiana CS Nichelli "Meu Vigilante". Ambos estão presente na ed.14 de "Histórias de Lugar Nenhum- Se Parece Provavlmente é", Diaponível na Amazon.
E o conto de Fabi também esta aqui no recanro.