A casa

         A casa do número 666 localizada na Avenida dos Montes Claros é uma construção grande, espaçosa e de dois pavimentos. Seu terreno mede 30m por 65m. Tem uma enorme varanda com vista para o mar. É a casa mais cobiçada da lista de possíveis inquilinos, já estava à venda há mais de um ano e não se sabe ao certo por que os visitantes não adquirem o imóvel. 

         Área residencial mais prestigiada da cidade, cercada, vigilância contratada, quatro quartos — todos suítes, sala espaçosa, cozinha planejada, porão, garagem para dois carros, piscina aquecida, temperatura da água sempre perfeita, pois todas as funções são acionadas por comando de voz. Sistema de som em todos os ambientes, banheira de imersão na suíte master. Não necessita chaves, pois todas as portas são liberadas por reconhecimento ocular.  A luz se adapta ao gosto do morador, todos os móveis já planejados para facilitar a vida de quem se disponibilizar a pagar o valor simbólico de cem mil reais. Apenas um problema: a casa parece ter vida própria.

Nenhum dos visitantes consegue conquistar a casa. Foi isso que insinuou o corretor da imobiliária.

— A casa tem vida? — perguntei ao corretor.

— Sim, isso é apenas um detalhe. Você fará uma visita e conversaremos no local.

Parecia ser uma brincadeira do corretor, ou não. Será que entendi certo?

Já no dia seguinte, fui fazer uma visita no imóvel, avaliar se não era tudo enganação, pois por esse valor não poderia ser verdade. O corretor levou-me para uma visita pela propriedade e eu não consegui acreditar: a casa era perfeita. Assim que a identificação biométrica foi feita pelo corretor, a casa abriu as portas. Meu sonho se materializou diante de mim.

— O valor é esse mesmo? — perguntei, incrédulo. O agente imobiliário, meio constrangido, respondeu:

— Sim. Se você quiser um abatimento, podemos negociar com o proprietário.

Sem pensar duas vezes, fechei negócio. A mudança poderia ser feita assim que assinasse os documentos e liberasse o sinal da venda. Então, parece que conquistei a casa do número 666, o negócio foi fechado. No mesmo dia fiz a mudança.

Como era prazeroso chegar do trabalho e descansar no sofá ouvindo uma música pelo sistema de som. Tive a impressão de que a pessoa que projetou a casa me conhecia há anos e conhecia meus gostos musicais, tudo programado para tocar assim que eu chegasse em casa.

Jonas, um amigo, me chamou para um pub próximo do nosso trabalho. Ele me apresentaria uma amiga. Combinamos pelo celular um encontro. Estava tudo certo, tomei banho ouvindo Roberto Carlos e, como estava cedo, resolvi descansar um pouco antes do encontro.  

         Acabei pegando no sono e sonhei que a casa tomou vida: o chuveiro ligou sozinho e a água estava extremamente quente; as luzes piscavam e começaram a estourar; a banheira transbordou; a água da piscina superaqueceu; todos os aparelhos domésticos ligaram ao mesmo tempo; as portas se trancaram, não houve meio de abrir. O aparelho de som ligou, uma música extremamente alta começou a tocar e o aparelho explodiu. A televisão ligou e uma voz começou a falar comigo como se fossemos velhos amigos.

Acordei suado e assustado, ufa! Foi apenas um sonho. Me arrumei às pressas, pois já estava atrasado para encontrar Soraia (a garota que o Jonas me apresentaria). Passei um perfume para tentar impressioná-la e vesti uma roupa casual. Já na porta, quando fui abri-la, levei um choque, seguido de um pequeno curto-circuito do sistema elétrico da casa. Alguns segundos depois, assim que o sistema reiniciou, olhei para trás, luzes piscando, a televisão ligando e então, ouvi a voz da Alexa:

— Aonde pensa que vai, Pedro?

 

 

   Juliana Duarte

 

 

Juliana Duarte Honorato e Imagem: Alex Marques
Enviado por Juliana Duarte Honorato em 16/10/2023
Reeditado em 23/11/2023
Código do texto: T7910252
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