SONHOS (conto)
I-
A arquiteta, diante da provável cliente, observa atentamente uma mulher com seus cinquenta anos, de vestimenta humilde e olhar esperançoso, brilhante e provocador. Está atenta ao que a senhora traz em uma das mãos. Uma graciosa caixa entalhada, artesanal e antiga. Assim que entrou no gabinete de trabalho caminhou titubeante, nervosa, implorando pela oportunidade de ser ouvida e compreendida.
A profissional permanece curiosa. A visitante estende-lhe a mão trêmula ao cumprimento. Um cumprimento afetuoso, mas fraco e frágil. Aguarda ansiosa pelo convite da arquiteta para explanar o porquê de sua presença, mordendo levemente os lábios ornado com um discreto batom rosa realçando o rosto delineado magro e guardião natural duma jovialidade marcante.
Toma a iniciativa. Deposita a caixa sobre a mesa enquanto ouve:
— Pois não, Sra. Maria! — A arquiteta, dizendo-lhe enquanto correspondia ao gesto do cumprimento. Olha curiosamente para o objeto bonito e delicado.
A Maria, respira profundamente na procura por palavras. Inicia com uma voz suave de um ser sentimental e delicado:
— Gostaria de realizar um sonho guardado por quarenta e cinco anos.
A curiosidade da arquiteta se amplia...
— Gostaria de lhe entregar toda a minha esperança...
Ao falar, deixa os olhos úmidos no mesmo instante de tempo em que abria a caixa com um desenho em seu interior: um esboço até perfeito, traçado pessoalmente por anos de tentativas até se tornar compreensível, e mais a quantia de cinco mil e quinhentos reais.
Silêncio por parte da profissional. Nenhuma reação...
Ao revelar o valor monetário tratou de ressaltar que era apenas para a consulta em andamento e que existindo um acordo já possui todo o dinheiro necessário à disposição na poupança em um banco. Respirou profundamente, com o coração à mil pelo medo de nem ser atendida.
Porém...
A profissional em posse do desenho. Analisa-o. Até levanta a hipótese de se tratar de uma brincadeira.
Encarando-a... Percebe pela respiração da mulher, nos olhos úmidos insistentemente brilhantes e no tremular das mãos que estava realmente diante de um sonho.
Emociona-se...
Lembra-se de sua trajetória que foi, também, um sonho realizado devido a sua inteligência e dom nato. Também sonhos dos pais que tornaram realizáveis a parte que coube a cada um executar. Acredita na máxima que: “Cada sonho deve ser realizado. Sempre é tudo possível àqueles que desejam verdadeiramente.”.
Assinam o contrato.
Em vinte dias a competente artista apresentou o projeto detalhadamente ao Luís e ao Benedito, engenheiro e empreiteiro. Ambos, no início, duvidam de tal empreitada, mas como vem da arquiteta tão séria no seu trabalho acabam aceitando o desafio. Ambos chegaram aos dias atuais de suas vidas pelo fato de acreditarem, também, em seus sonhos.
Com a obra iniciada...
Durante a construção cada um que passava ficava perplexo pela forma esquisita da obra pelas mãos do empreiteiro. As portas eram janelas e janelas eram portas; o teto era a base e a base abrigava o telhado. A soleira subia ao céu e o Céu era o piso.
“Quem é o maluco que aí vai morar.”? perguntavam de dentro de caixas mentais imutáveis àqueles que acreditaram na Maria, que desde muito cedo decidiu-se por traçar a sua vida fora delas.
Como é época digital muitas fotos eram tiradas e nas redes sociais postadas no dia a dia. A imagem da louca moradia correu o mundo. Exatamente por isso é que a rua está repleta de pessoas.
Chegou o dia...
A antiga e pacata rua é a atenção do mundo.
II-
Duas viaturas policiais com os agentes de trânsito colocam ordem no local. Isolaram milhares de curiosos. Determinaram onde as equipes das emissoras nacionais e estrangeiras, de rádio e televisão, deveriam ficar.
As três máquinas, enormes guindastes, com os cabos de aço devidamente dimensionados estão conectadas à casa da Maria que agora tem um novo sobrenome mundialmente conhecido: Sonhadora; Maria Sonhadora.
Ela está num local seguro com os três profissionais aguardando, finalmente, o seu sonho apenas se realizar.
Lembra-se de que a casa misteriosa foi idealizada quando tinha apenas cinco anos, a partir do momento que ganhou do pai a casinha de boneca. Como as máquinas que logo irão colocar da maneira que deve ser fixada, as suas mãozinhas de criança deram à época o mesmo toque final. Ela ao ver o seu simples brinquedo naquela forma tornou-o sonho, a meta de vida, seu objetivo alcançável. Trabalhou duramente anos e anos para dar vida ao seu sonhar.
Chegou o momento...
O engenheiro Luís comanda pessoalmente toda a operação. As máquinas levantam a construção, projetada e construída com todos os cuidados estando sólida, compacta e coesa.
Um sonho está sendo içado. Um sonho uma casa. Dois dos guindastes a mantém no ar e o terceiro equipamento inicia o giro. As enormes máquinas agem como a delicadeza das mãos da criança Maria. Falta pouco...
A casa acopla-a perfeitamente na base.
A Maria, ri de alegrias quando a casa está como a sua casinha de brinquedo, como no seu coração, e que nunca mais foi alterada. Está fixado o sonho realizável tal como desenhou e guardou na sua caixinha de tesouros por quarenta e cinco anos.
A Maria Sonhadora viu um bailado perfeito como sempre idealizou, sem nunca dar importância aos amigos e parentes que a chamavam de louca, que diziam ser a sua meta utópica e descabida.
Volta a sorrir...
As portas agora são janelas e as janelas são portas. Aos presentes agora se faz sentido. É realmente uma casa, um sonho pintadinho de azul. Como diz a Maria tem que ser azul-céu-sonhar.
Assim que as máquinas são retiradas ela entra como uma rainha triunfante no seu palácio. Medita:
“Não é uma idiotice pensada. É uma meta jamais abandonada. Se fosse apenas um capricho idiota não estaria o mundo todo assistindo o meu momento. O fato de acreditar que poderia, sim! morar nela, foi uma maneira de criar o Universo do meu jeito”.
Na verdade, todos os sonhos são fábulas já que trazem em si a frase: “Era uma vez.”. Tais sonhos, quando realizados, tornam-se lendas. A casa da Maria Sonhadora tornou-se exemplo para os que sonham. Tornou-se o ponto turístico mais visitado do país, obrigando a cidade urbanizar a região em sua volta e os visitantes param, obrigatoriamente, na cidade da casa diferente.
Então, os anos passam...
Uma família de turistas está sem encontrar o endereço. Param em uma esquina chamando os dois senhores que caminham na calçada:
— Os senhores poderiam nos ensinar como chegar à casa da Maria Sonhadora?
O Luís e o Benedito, agora aposentados, atendem ao chamado:
— A casa de ponta-cabeça? Claro que sim! Vocês têm sonhos a serem realizados?
— Sim! e estamos realizando. O sonho é percorrer de carro todo o país.
— Ah! então vocês não estão longe, eis que esta é a Avenida Determinação. Sigam em frente por mais dois quarteirões virando à direita na Rua Perseverança e não saiam mais até cruzarem as Avenidas Esperança e Realização. Somente depois que Esperança e Realização são alcançadas pode-se virar à direita, novamente, onde é o endereço da Maria Sonhadora na: Rua dos Sonhos Conquistados, número um.