Um ideal
Acordei naquela manhã de domingo e Amanda, minha colega de quarto, estava sentada na cama, caderno no colo, fazendo o que parecia ser uma lista; uma das tantas que ela se divertia fazendo de vez em quando.
- Não é meio cedo para estar já escrevendo? - Questionei, apoiando-me num cotovelo para encará-la.
Ela abriu um sorriso sardônico e parou de escrever.
- Resolvi descrever o homem ideal - declarou de forma misteriosa.
- Oh! Isso é realmente uma tarefa importante para um domingo bem cedo - ironizei. - E quais características ele deve ter?
- Não gostar de futebol nem de vídeo games foi uma das primeiras coisas que anotei - anunciou com ar triunfante.
- Muito sensato - assenti. - Mas outros esportes estão proibidos também?
Ela parou pra pensar um bocadinho.
- Nada de esportes violentos - decidiu-se. - Acho que posso conviver com alguém que goste de vôlei. Feminino, preferencialmente.
- Claro - aprovei. - E o que mais? Personalidade forte, corpo sarado?
- Não! - Replicou, espalmando a mão direita como que repelindo a ideia. - Nada de rato de academia! E também não quero alguém mandão... vai ter que se dar bem com mulheres... inclusive a mãe. A mãe deve ser um exemplo pra ele. E também seria ideal que tivesse irmãs, e gostasse delas.
Ergui as sobrancelhas.
- Um homem que goste verdadeiramente de companhia feminina, mas sem interesse sentimental? Parece que está procurando um amigo gay, não um namorado.
Ela me apontou a caneta com a qual estivera escrevendo.
- Um homem que tenha amigas e que não pense nelas como futuras conquistas, só isso.
Ajeitei os cabelos com a mão livre.
- Quase um cavaleiro da Távola Redonda, este seu homem ideal.
- Os cavaleiros eram uns brutamontes - redarguiu secamente Amanda.
- Ah, mas eram experts em amor platônico - ponderei.
Amanda fez um gesto como que repelindo a ideia.
- Não, eu falo de amor físico também; nada idealizado.
- Certo... e do ponto de vista cultural? Tem que falar quantos idiomas?
Amanda suspirou.
- Apenas o nosso, desde que fale e escreva corretamente. E tem que apreciar livros, principalmente romances. Se souber tocar um instrumento, seria fantástico.
Ergui a mão.
- Algum instrumento em particular?
Ela me encarou para ver se eu estava brincando. Não, eu não estava.
- Piano... violino...
- Não serve violão? Nem todo mundo tem grana para ter um piano em casa.
- Vá lá - condescendeu Amanda.
- Também não quero um sujeito namorador... gosto de fidelidade, companheirismo - prosseguiu ela. - Alguém que nunca tenha namorado seria o ideal.
- Uau! Daqui a pouco você vai querer que ele seja virgem...
Amanda deu uma risadinha.
- Acho que essa parte é um pouco fora da realidade.
- Eu não acho - declarei, sentando-me na cama. - Na verdade, por tudo que acabou de dizer, acho que conheço uma pessoa que se encaixa perfeitamente na sua descrição.
Amanda arregalou os olhos, surpresa.
- Sério, Cassandra?
- Sério - balancei afirmativamente a cabeça. - Se não, vejamos: não gosta de futebol nem de vídeo games, assiste vôlei feminino, tem irmãs e amigas, gosta da mãe, cozinha muito bem, lê romances de banca de jornal, toca violão, nunca namorou e tenho quase 100% de certeza de que é virgem.
Como os olhos de Amanda continuassem fixos em mim, concluí:
- É a minha irmã mais velha, Júlia.
Amanda quis contestar, mas eu fui mais rápida:
- Não seja preconceituosa, Amanda. Esse seu homem ideal simplesmente não existe.
- [25-09-2023]