Fetichismo

Imoral, alguns dizem. Se é, de fato, não sei dizer. Mas algo dentro de mim se derrete quando uma delas, daquelas meninas rosa, pequenas e tímidas se aproximam do balcão com um sorriso largo e curioso. Elas se debruçam arteiras, com olhos brilhosos de quem busca o fundo do mundo naquelas páginas amarelas e cheias de poeira. Uma delas, a mais bonita, frequenta a biblioteca às sextas e sempre usa a mesma roupa. Seria uma espécie de roupa para visitar a biblioteca? Teria ela algum ritual especial ou superstição incompreensível que a faz, às sextas, religiosamente, vestir macacão jeans, camiseta branca e all star preto para visitar aquele casarão velho? Não sei, mas o que sei é que ela também usa o mesmo perfume e escolhe livros do mesmo gênero: romances policiais. Sorriu para ela e ela sorri para mim. Nos conhecemos da maneira que as pessoas frequentes se conhecem. Não trocamos qualquer palavra além de: bom dia, aqui está seu livro e você tem uma semana para entregar. Nada mais que isso, no entanto, a sinto familiar como a uma irmã. Hoje, às 10 horas, ela entrou pela porta e vasculhou com os olhos a mesma estante. Pegou um livro, olhou, alisou, cheirou e o colocou de volta. Depois, pegou outro e fez o mesmo, mas não sem ler o texto de trás da capa e olhar a foto do escritor. Pegou esse e foi andando até o balcão. Me estendeu o livro e, como em todas as sextas, lhe devolvi com as palavras de sempre. Ela o pega e sinto dentro de mim aquela sensação, aquela que não sei descrever e que alguns consideram pecaminosa, desviante, mas que me faz abrir um sorriso largo quando ela abraça o livro contra os seios como quem recebe um amante no leito. Desejo, acredito. Ela sai, caminhando pelo corre

dor até a porta de vidro e suspiro. Só a verei de novo na próxima sexta.