Adoração da vida.
O silêncio sentou naquele jardim há pelo menos dez minutos. Gustavo estava perto das plantas, fora ver de perto uma flor azul, e, sentado no chão, encarava a avó — ela dormiu quando ele se afastou. Um grandíssimo silêncio. E os olhos dele perscrutavam avidamente a imagem da senhora, sua Liza, que repousava na cadeira de balanço, com seu ser alumiado pela prata do sol num céu nublado. O que o fixava? Por que tanto abismava tal visão? Espanto? Liza tinha mais de oitenta anos, os sonos eram frequentes e distribuídos por todo o dia. Às vezes, como no momento, vinham sem ela nem perceber. Idade. Gustavo, desde que nascera, teve sempre a presença de sua avó. Nunca pensou seriamente na hora da morte, no dia que seria o último que a veria, o predecessor da somente-lembrança; sua avó, portanto, seguia como eterna. Chegou a notar quando os cabelos começaram a enbranquecer? Quando as reclamações de dores aumentaram? Quando o passo ficou mais lento? Em nenhum momento pensou: "É a morte se aproximando..."
E Liza? Que pensava disso tudo? Será que em algum momento se imaginou cada vez mais dominada pela sombra do fim? Gustavo estava em êxtase? Encontrou-se com o seu rosto a primeira gota de chuva. Não precisava se preocupar com isso, sua avó estava protegida dela, só não ele; coisa que não importava. E mais gotas lhe acertaram, em pouco tempo já escorria o líquido de sua face, mas ele continuava em sua contemplação, perpetuidades. Talvez o mergulho fora tão profundo que já não conseguia retornar à superfície. A morte. Era isso? O que ali fazia era a adoração da vida. Se caso tomava conhecimento da futura falta, ficava o instante breve e eterno de tomar completamente para si a condição viva, enquanto havia. Fizera algo igual em todos esses anos? A avó era apenas a avó? Naquele momento, o que era ela, afinal? Se nunca mais a veria, o que praticava era a captação de sua infinidade. Ele enxergava era a alma — e toda a existência de Liza era sentida. Foram esses dez minutos um reflexo do universo? Ela abriu os olhos e a primeira imagem que viu foi a do neto.