PEQUENO POLEGAR

 

Os versos que denigrem a alma humana são ilhas torpes de fantasias. Os que resgatam, e falam das suas dimensões, de seus valores, e pelo menos tentam ajudar irrigar os seus jardins, são arquipélagos em cujas águas nadam as bonanças e as esperanças, o amor, a objetividade, e acima de tudo, o respeito pelo ser humano..

Essas e outras frases, e tantos outros versos, eram declamados por Pequeno Polegar, na praça perto de onde ele mora, um quarto e sala de quatro x cinco metros², era conhecido como a casa dos sonhos, e era chamado por todos carinhosamente de o menestrel.

Sofrera de raquitismo quando da infância, e incorporara suas características até os dias atuais, aos 33 anos de idade preocupava-se mais com a ética do que com a estética, em que pese não se descuidar da aparência, e andar sempre alinhado, vestido no seu pequeno terno azul turquesa, feito especialmente para ele, esbanjava elegância, e crescia uns 03 a 04 centímetros num sapato especial, também feito sob medida.

Há10 anos atrás inaugurara a praça, e gostou da receptividade, e de lá para cá, aí ganhou seu sustento. Chegava à praça, invariavelmente por volta das 9:00h, a pasta maior do que ele imprimia um ar de graça, um pouco desengonçado chamava ainda mais a atenção, ali acondicionava seus escritos, seus livros, seus rabiscos, seus alfarrábios, os seus panfletos. Apesar dos 25 Kg, ele a transportava com destreza de um lado para o outro, submetendo-se aos caprichos do sol. E às vezes saia num pique de invejar grandes atletas maratonistas, quando alguns pingos de chuva denunciavam a sua intenção.

Tinha grande eloquência, timbre de voz privilegiada, certa feita proporcionara-o trabalhar por 02 anos, numa rádio local, programa bastante elogiado, “o pequeno polegar”, falava de tudo, e principalmente de poesia, de literatura em geral, fazia comentários de grandes obras fossem elas, romances, contos, poesias, de Luís Camões,Charles Dickens; Machado de Assis, Eça de Queiroz, José de Alencar, Mário Quintana, Fernando Pessoa, Manoel de Barros, Augusto dos Anjos, Carlos Drumonnd de Andrade,Maria de Fátima de Jesus, Cecília Meireles, Jorge Amado, e por aí seguia a carruagem..., essa ordem aleatória não representava a sua preferência.Lia,e também declamava, as suas próprias obras.

Mas, o que ele gostava mesmo era das ruas, de ver gente, estar em contato com elas, ver as suas reações, como se exprimiam, e isso para ele não tinha preço. Nunca se viu executivo, sentado atrás de uma mesa, sentia-se livre nas ruas, lá era o seu escritório. Lá ele aprendia e ensinava, influenciava e era influenciado diariamente, e esse cabedal riquíssimo de experiências para ele tinha um grande valor, e não havia preço, porém grande apreço.

Era avesso aos estereótipos, em que pese de certa forma, ele ser vítima dessas ideias preconcebidas, feita com base em características visuais ou noções generalistas, contudo isso não o preocupava, ele não sendo e não fazendo isso era o que importava.Essa era sua filosofia de vida, que as pessoas fossem livres o quanto pudessem, respeitando seus próprios limites e das demais pessoas.

Sendo assim não via o porquê dos rótulos, e insurgia-se contra os arquétipos, padrões de comportamentos pré-determinados, e contra os vernizes, apesar de saber que os seres humanos usam máscaras, e são esses vernizes que escondem os verdadeiros propósitos.

Na maioria das vezes escondem-se atrás desse biombo, onde de um lado está o interesse da coletividade e do outro o egoísmo, e temos vivido essa situação, daí os caos que nos encontramos como sociedade, camuflando, nem que sejam por certo tempo os seus verdadeiros propósitos, pois um dia essa máscara cai, e desnuda o ser humano, revelando-o. Quando isso acontece às portas fecham-se ou se abrem de acordo com as intenções que foram postas em prática, aí, colhem-se os frutos de uma semeadura inexoravelmente.

O Pequeno Polegar, além da paixão pelos livros, pela literatura, e em especial pela poesia, tinha outra, ainda mais nobilitante, que atendia pelo nome de Maria Angélica, remontava da infância, quando estudaram numa escola no bairro em que moravam, e entre essas idas e vindas que a vida nos propõe, quando ele tinha19 anos, e ela 18 anos de idade, respectivamente, Maria Angélica pegou um desses atalhos da vida, e nesse atalho conheceu o traficante Mário Cesar, corpo atlético, nos seus 1m 90 cm de altura, e não vou me aprofundar na narrativa, no escopo de minimizar as dores, e respeitar os sentimentos do Pequeno Polegar.

Sabe-se que a mesma só serviu de trampolim, e de mula, como se fala na gíria nesse universo das drogas ilícitas. E também de saco de pancadas, e diziam que ela apanhava mais do que mala velha.

Quando desejou desentortar seu caminho já era tarde demais, os 03 filhos menores para criar, e Mário Cesar não permitiram. Pelo menos naquele instante da sua vida, ela acomodou-se com tudo, estivera presa por duas ocasiões, o que lhe ensejou conhecer Joana D’arc, 10 anos mais velha do que ela, destino parecido com o seu,ficaram amigas,e planejaram um dia encontrar-se, quando Joana quitasse com a justiça, as suas pendências, 18 anos iniciados um dia no regime de reclusão, pelo homicídio do marido, pois resolvera não apanhar mais, e a faca que estava próxima, sem que fosse premeditado, a libertou daquele julgo cruel e desumano,não que quisesse que fosse daquele jeito, contudo em frações de segundos tudo aconteceu.

Ela não aconselhava a ninguém tal atitude, inclusive asseverava categoricamente que nunca havia cogitado de tal possibilidade, a não ser de um dia se ver livre daquele calvário, quem sabe fugindo, e que fora o destino que armara as suas mãos determinando daí por diante todo o desfecho.

Assim, nas duas vezes que fora presa, como traficante, aproveitou para estreitar ainda mais os laços de amizade entre ambas, Joana tinha uma filha, que na época estava com 14 anos de idade, e a pedido da sua mãe, era visitada frequentemente na casa de seus avós maternos, onde morava, por Maria Angélica, que se constituiu um pombo correio.

Isso desafogou um pouco o coração de Joana D’arc, reascenderam as esperanças em dias melhores, e trouxe-lhe um pouco de paz na alma.

Polegar Pequeno revivia essas lembranças na íntimo mais recôndito de sua alma , e no coração onde guardava esse afeto, nada obstante, as escolhas feitas por Ana Angélica, as estradas percorridas até então, ele a amava, e tinha certeza que nenhuma outra podia substituí-la, assim foi dando seguimento a sua vida, e hoje com 33 anos, ainda guarda esse afeto e faz dele também o sentido da sua vida.

Tinha um grande desejo, ver um de seus romances ou seus contos, serem adquiridos por uma grande produção cinematográfica ou um grande canal de televisão, vendo suas histórias contadas nos capítulos de uma telenovela, ou nas telas do cinema, animava essa intenção e vez por outra procurava dá uma mãozinha ao seu desejo, procurando quem de direito, contudo sempre ouvira as mesmas promessas e voltava ressabiado, de mãos vazias, todavia sem perder as esperanças.

Foi animando sua vida também com essas e outras fantasias, e os sonhos lhe serviam, de antídotos à depressão e às vezes ao inconformismo, a não permitir-lhe parar de dar significado à sua vida, e assim ele fazia, vivia na plenitude das suas possibilidades, de seus recursos materiais e espirituais, mais espirituais, do que pecuniários, às vezes faltava até o trocado.

Tivera um grande jubilo na sua vida, uma escola particular renomada da região, os alunos do ensino médio, precisamente do 3º ano, transformaram alguns de seus contos em peças teatrais, e ele fora convidado com honras. As apresentações seriam naquele suntuoso teatro que fica na praça.E no dia, vestiu seu terreno azul turquesa, o mesmo de todos os dias, e com adiantamento de 01hora adentrava ao recinto, fora recebido com grande distinção, e retribuiu com grande efusividade e expectativas.

Deslumbrou-se, emocionou-se, e a cada apresentação não economizava aplausos e entusiasmos, seus olhos verdes pareciam duas estrelas perscrutando todo o ambiente e iluminando-o ainda mais, o céu das suas esperanças.

O inferno como tragédia era o cotidiano, para Joana D’arc, não só por estar presa fisicamente, mas, sim por estar presa à sua própria consciência, após 13 anos de privação da sua liberdade, batia asas, por conta de uma liberdade condicional, e procurou primeiro a sua filha, e conheceu para sua ventura a netinha, de 06 anos, depois foi procurar Ana Angélica, e para sua satisfação a encontrou viúva, é que há 02 anos em confronto com a polícia, o mesmo fora morto. O ensejo possibilitou à mesma a sua liberdade, mudara-se com 02 de seus filhos para um bairro distante, uma das meninas havia casado, e foi morar no interior com o marido. Fazia e comercializava bolos, que eram muito apreciados na região, os vendia para alguns centros comerciais que os revendiam por preços exorbitantes.

Estava assim no céu ímpar das suas aspirações com sua família, era feliz, e não sabia explicar porque sempre era flagrada por si mesma, pensando no Pequeno Polegar, e ficava se perguntando como teria sido a sua vida.

Pequeno Polegar, por sua vez nunca deixara de pensar nela, hoje com 46 anos de idade, mais experiente, e calejado palas intempéries da vida e outros tantos ensinamentos, havia serenado aquela paixão, acalmara um pouco seu coração, contudo o amor ainda vibrava no seu peito.

Após um pouco mais de 23 anos, de praça, Polegar entabulava outros projetos, e entre eles ir morar no interior. Vinha estudando essa possibilidade há uns 06 meses, e gostava do panorama que se descortinava diante dos seus olhos.

Seria um recomeço um novo lugar, novas pessoas, por certo elas iriam lhe conhecer e gostariam dele, de seus livros, de sua poesia, não abriria mão, seu escritório seria uma praça qualquer, fazia elucubrações mentais agora amiúde, e já se via no novo escritório. .A princípio ficara indeciso entre 03 municípios, pendia mais para um, onde nascera a sua mãe, e por força do trabalho de seu pai, mudaram para a capital quando ela tinha10 anos de idade. E essa fora a sua escolha, só não sabia ainda quando iria, mais já havia decidido que lá passaria os últimos anos de sua vida.

Joana D’arc, e Maria Angélica, projetavam coisa idêntica, Joana por morar sozinha, pois a filha casara, e Angélica, porque morava apenas com a filha caçula, o menino também se consociara, e fora informada que no interior ela poderia prosperar ainda mais com sua empresa de bolos caseiros, pois as cidades circunvizinhas seriam um grande filão. Joana tinha um salão de beleza, e beleza se dá bem em qualquer lugar.

Faziam essas projeções, e 08 meses depois colocaram em prática, venderam o que tinham, e compraram 02 casas vizinhas, e que serviam para o exercício de suas atividades comerciais. Foram bem recebidas, e os comércios de ambas prosperavam a filha caçula de Angélica, ajudava-a não só fazendo também os bolos, como saia às ruas na busca de captar ainda mais clientes, e tinha exemplar faro incomum tino comercial.

Pequeno Polegar continuava na vida de sempre, mais erudito, um pouco mais sábio, e também um pouco mais velho e cansado, passaram voando 20 anos, e aquele projeto de ir para o interior fora sempre adiado, por uma ou outra circunstância, uma delas fora tomar conta da mãe, que sozinha e doente, após a morte do pai dele, ela só contava com ele, e aos 66 anos, não poderia voltar às costas à mãe que aos 89 anos de idade dependia dele para tudo. Assim ele foi adiando seus sonhos, e foi vivendo os sonhos dela. Até que na madrugada de 03 dias atrás ela voltou para o Criador.

Agora ele estava realmente só, com os pensamentos fervilhando na sua cabeça, eram muitos, e eram antagônicos, um pedia uma coisa outro pedia outra, e ele se via perdido no meio dessa guerra, desse tiroteio. Porém foi enérgico, e decidiu-se. Começou por organizar as coisas que a mãe deixara a casa onde morava, outra, que estava alugada à sua comadre, e organizar a vida financeira nos bancos, um, onde sua genitora recebia a aposentadoria, e no outro cuidava de algumas aplicações, deixadas pelo seu pai..

Por esse motivo, diminuiu sua estada na praça, apenas meio turno pela tarde, muitos sentiam a falta dele, principalmente aqueles que iam trabalhar e ou estudar pela manhã, e que se acostumaram com a presença familiar do trovador. Os projetos referentes a ir morar no interior estavam adormecidos, porém de pé, assim que resolvesse todas essas questões burocráticas, era a vez de cuidar um pouco de se.

Os bolos Maria Angélica, continuavam fazer grande sucesso, eram indispensáveis, ela pateteara a marca com seu nome, os dias infelizes do passado ficara no passado, a sua filha caçula logo também casaria, e quando isso acontecesse visto que, amenina voltaria para a capital acompanhando o marido, ela e D’arc, tinham um projeto de reunir as duas empresas em uma só casa, com essa única finalidade, e outra seria a moradia de ambas.

Para se ver como às vezes do infortúnio de duas almas pode aproximá-las e daí renascer a esperança e ambas danam-se bem, se conheceram enquanto estavam presas, deram um giro de 360 graus em suas vidas, aproveitaram as chances que tiverame com determinação construíram suas pontes.

Mais das vezes das águas lodosas desabrocham flores imaculadas, ou se tornam imaculadas pelo seu exercício do desprendimento, pela vontade e desejo de si tornarem pessoas melhores, a dar significado à crença de que mesmo na adversidade e meio aos caos e aos tumultos dantescos podemos nos tornar pessoas melhores pelo esforço, pelas renúncias, pois há sempre uma réstia de luz e de esperança, em correspondência a uma luz no final do túnel.

Certa feita estando na praça declamando seus poemas, Pequeno Polegar, recebeu de presente de uma antiga admiradora do seu trabalho, um presente, guardou-o na pasta e ao chegar à casa ao desembrulhar, notara que se tratava de um bolo, nada demais, porém o nome, Maria Angélica estampado no impresso fez seu coração acelerar, ele sentiu-se lívido, empalidecera, sentou-se a uma cadeira para poder recuperar-se. Recuperou-se, e recuperou também na memória várias lembranças adormecidas, parecia que seu coração ia saltar pela boca, não sabia por que ligara uma coisa à outra mais sua intuição dizia é ela, não podia está errado, seu coração não o enganaria.

Anotou endereço e número do telefone com mãos trêmulas e saudosas, anotou o endereço eletrônico também, mais faltou coragem, esse ela estivesse casada? Tremeu, as pernas bambearam, sentou-se novamente.

Chegou o dia do casamento da filha de Maria Angélica, festança. No outro dia junto com o marido viajaram em lua de mel para a capital, e de lá iriam para Pernambuco, iriam ver a sogra, tomar a sua benção, pois a mesma não foi ao casamento por estar enferma.

Passado esse período de festa, os consortes voltaram uma semana após para a capital, seu esposo voltaria ao trabalho, e ela começaria seu empreendimento, abriria uma casa de bolos caseiros, filial, da casa de bolos Maria Angélica. Três meses após todos os preparativos, deu-se a inauguração. Polegar Pequeno esquecera-se dos endereços na carteira, na realidade estava sem coragem, e se não fosse ela, se ela estivesse casada? Essas interrogações afligiam-o, e tudo isso lhe tirava do sério, e era motivo para acelerar seu coração.

Voltando à inauguração da filial, casa de bolo Maria Angélica, no dia, Pequeno Polegar, se fizera presente, fora convidado pela admiradora, a mesma que lhe dera o bolo de presente alguns meses atrás.

Tudo bem organizado, ele fora chamado a conhecer a jovem, dona do estabelecimento, viu-a, a sua voz não passou pela sua garganta, ele estava diante de Maria Angélica (de fato mãe e filha eram bastante parecidas), ficou estático, ninguém compreendera aquela situação, passada a surpresa ele se recompôs, viu-se na contingência de dar explicações, o fez, contou parte da sua história, a resumiu bem, omitiu outros pontos, e ouviu da boca de Célia Angélica Santos, nome de casada, o prelúdio, que lhe soou como música e felicidade, é a minha mãe! Polegar Pequeno ficou sabendo dos pormenores, e o mais importante, Maria Angélica era viúva, e morava no interior com uma amiga. Ele voltou radiante, fez planos com grande velocidade, e rasgava-os imediatamente na sua cabeça, e com mesma intensidade os refaziam!

Passaram-se três dias, inesperadamente Polegar Pequeno, apareceu com uma febre, essa febre na realidade denunciava uma infecção pulmonar, hospitalizou-se, uma semana depois foi mandado para casa, terminaria o tratamento em casa, aquela senhora, sua admiradora, cuidava dele algumas horas.

De repente toca a companhia, Ester, foi atender do quarto ele ouviu a conversa, reconheceu aquela voz, como seria possível? O coração parecia um saltimbanco, se desgovernou., e improvisou um monólogo na sua alma.

Maria Angélica acabava de adentrar no seu quarto. Sim, era ela, um sorriu para o outro. Ester viu o cupido entrar junto com Angélica, retirou-se!

Augusto Pablo Dantas, o Pequeno Polegar, passou as mãos nos olhos, não estava sonhando, chorou, e fez uma prece silenciosa! Assim, é a vida! 

Albérico Silva

 

 

 

 

 

 

AlbéricoCarvalho
Enviado por AlbéricoCarvalho em 15/09/2023
Reeditado em 15/09/2023
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