- AQUELA FRASE - Iolandinha Pinheiro
Não conseguia parar de sonhar com a Dona Maria Isabel depois daquele dia dos professores fatídico quando encontraram aquela frase horrorosa riscada no quadro da sala de aula dela.
Professora novata, nem no frescor da juventude, nem no crepúsculo da fertilidade, não possuía nada de destaque que chamasse a atenção no seu corpo além das coxas muito apertadas dentro do jeans pequeno, e da barriga saliente mal disfarçada pelo uso de batinhas.
Ele conhecia o truque das batinhas. Ora veja! Aliás, era especialista em artifícios femininos para enganar os homens. Identificava almofada para aumentar a bunda, sutiã para levantar peito, filtro de internet, colocação de preenchimento. Ajudava até os amigos e se orgulhava disso. E agora só pensava na gordinha da escola, e tudo depois daquela frase.
Nunca nem tinha olhado mais uma vez para a Maria Isabel além da mera constatação de sua presença nas reuniões com a orientação pedagógica. A presença dela e das batinhas para disfarçar a barriga.
Se alguém perguntasse a ele a cor do cabelo dela antes, não saberia dizer se era loiro médio ou castanho claro. Mas, isso tudo foi antes de ler aquela frase imoral escrita no quadro da sala que ela usava em suas aulas.
Foi ele o primeiro que viu. Foi ele que tentou impedir que outras pessoas vissem. Foi ele que tentou apagar, mas estava escrita com pincel de tinta permanente.
Foi ele.
Adolescentes em fila se empurravam. Todos com mochilas nas costas esperando se sentar em suas carteiras escolares, responder a chamada e sair para o pátio onde deveriam iniciar a homenagem aos professores. Não entenderam o professor de matemática parado ali na porta, sem deixá-los entrar.
Quando Maria Isabel chegou, não houve mais como deter aquela pequena multidão de entrar na sala e o choque que se seguiu ao lerem a frase.
Maria Isabel olhou nos olhos de Raul como se perguntasse:
- Foi Você?
Ela mesma havia pedido ao professor para ir lá abrir enquanto ela pegava uma grande torta do porta-malas do seu carro. O chaveiro do Pato Donald com a chave da sala estava lá, apertado entre os dedos tensos do homem.
Um dos alunos trouxe álcool e uma esponja, e alguns davam risadinhas constrangidas. O rapaz da limpeza chegou com um produto mágico e finalmente aquela frase foi removida.
O silêncio foi paulatinamente dissipado pela festinha. Aos poucos todos conversavam e riam, e ninguém falou mais do que haviam lido: aquela frase instigante e ao mesmo tempo incômoda, escrita sobre a professora de literatura.
Maria Isabel pediu para sair mais cedo naquele dia. A diretora pediu desculpas pelo ocorrido e disse que iria fazer uma investigação. Depois entregou os brindes que os professores receberiam na parte da tarde e a mandou para casa.
Raul passou o dia todo com a frase na cabeça. Aquela vulgaridade não combinava com a moça recatada e gordinha que ele encontrava na sala dos professores. Maria Isabel vivia sempre completamente coberta quando ia dar aula. Nunca a tinha visto usando decote, ou mostrando as pernas. Exceto por aquela tarde na praia.
Naquele dia estava chovendo. Quem ia à praia num dia de chuva? Ele ia. Gostava de pouca gente, gostava do vento gelado, gostava de ficar bebendo enquanto observava o mar lavado e a areia vazia. De repente, alguém saindo da água. Cabelo escorrido colando nos ombros. Biquíni largo, Roupa de banho incomum naqueles tempos de extrema exposição. Veio vindo em seu caminhar macio até que ele pôde reconhecê-la antes mesmo que ela vestisse uma batinha branca.
Mal teve tempo de fazer o raio x na moça. Na rapidez, guardou detalhes. A impensada cintura, as coxas lisas e brancas, e aquelas maravilhosas sardas salpicadas na parte visível dos seus seios claros. Falaram-se brevemente. Depois as amigas dela chegaram e ele foi esquecido onde estava.
Foi dormir com Maria Isabel na cabeça e consequentemente sonhou. No sonho Maria Isabel chegava de biquini e aquelas coxas grossas despidas na escola. Na sequência a via tomando um sorvete de forma insinuante. A língua fazendo círculos em torno do creme firme de morango. A imagem e a frase se misturando e perturbando os seus sentidos. Acordou empolgado. Nem o banho frio deu jeito.
Passou o fim de semana inteiro com Maria Isabel no subconsciente, e no consciente também.
Quando se encontraram na segunda-feira ele quase pediu desculpa por todos os sonhos e homenagens que prestara a ela. A desgraçada ainda havia aparecido de saia curta, as coxas brancas de fora.
Queria evitar encontros, mas toda hora se via andando pelos lugares que ela costumava ficar. Quando a viu conversando e rindo muito com as outras mulheres, imaginou que falavam dele. Talvez tivessem percebido a sua constante presença. Então passou a se esconder por trás os arbustos. Foi pior. Um dos serventes o chamou para as conversas.
- Professor, o senhor me desculpe, mas tá ficando feio. Fala logo com ela. Para de ficar fazendo isso porque tá esquisito. Todo mundo tá falando do senhor.
Era mesmo o fim de um processo. Talvez fosse uma questão de maturidade tardia. Aquela frase, aquela mulher, aquelas sardas, tudo aquilo havia derrubado anos de exigências que o levaram para longe de moças adoráveis, inteligentes e interessantes só porque ele havia criado critérios idiotas para realizar suas conquistas. Havia chegado a hora. Partiu para o estacionamento, decidido. Mas antes de abrir a boca, ela tomou a iniciativa.
- Farei uma reuniãozinha lá em casa, quer ir?
Claro que ele queria.
Raul passou todos os dias que faltavam para o encontro planejando que roupa e que perfume usaria, as conversas que iria ter com ela e com os amigos dela. Não queria que nada desse errado, descobrira que estava dolorosamente apaixonado.
No dia marcado tomou coragem e foi. Ao chegar lá, porém, descobriu que era o único convidado. Sorriu. Afinal os planos que fizera para aquela noite não eram apenas dele. Ela também queria. Planos compartilhados.
Dançaram um pouco sem jeito até que ela o pegasse pela mão e o levasse até o quarto.
Linda.
Ela era tudo o que aquela frase dizia e muito mais. O professor não acreditava que tudo aquilo estava acontecendo com ele. Com eles.
Pensou no tempo desperdiçado com mulheres tolas e desajeitadas só porque elas usavam calças tamanho 36 e teve vontade de se ajoelhar aos pés da nova namorada e pedir perdão muitas e muitas vezes.
Ficaram calados por um tempo com suas taças nas mãos e pernas trançadas, quando ele resolveu enfim perguntar:
- E a frase, você já sabe quem escreveu?
Ela o olhou nos olhos e depois de um breve sorriso, respondeu:
- Sei sim. Na verdade, sempre soube. Fui eu mesma.
IOLANDINHA PINHEIRO.
Não conseguia parar de sonhar com a Dona Maria Isabel depois daquele dia dos professores fatídico quando encontraram aquela frase horrorosa riscada no quadro da sala de aula dela.
Professora novata, nem no frescor da juventude, nem no crepúsculo da fertilidade, não possuía nada de destaque que chamasse a atenção no seu corpo além das coxas muito apertadas dentro do jeans pequeno, e da barriga saliente mal disfarçada pelo uso de batinhas.
Ele conhecia o truque das batinhas. Ora veja! Aliás, era especialista em artifícios femininos para enganar os homens. Identificava almofada para aumentar a bunda, sutiã para levantar peito, filtro de internet, colocação de preenchimento. Ajudava até os amigos e se orgulhava disso. E agora só pensava na gordinha da escola, e tudo depois daquela frase.
Nunca nem tinha olhado mais uma vez para a Maria Isabel além da mera constatação de sua presença nas reuniões com a orientação pedagógica. A presença dela e das batinhas para disfarçar a barriga.
Se alguém perguntasse a ele a cor do cabelo dela antes, não saberia dizer se era loiro médio ou castanho claro. Mas, isso tudo foi antes de ler aquela frase imoral escrita no quadro da sala que ela usava em suas aulas.
Foi ele o primeiro que viu. Foi ele que tentou impedir que outras pessoas vissem. Foi ele que tentou apagar, mas estava escrita com pincel de tinta permanente.
Foi ele.
Adolescentes em fila se empurravam. Todos com mochilas nas costas esperando se sentar em suas carteiras escolares, responder a chamada e sair para o pátio onde deveriam iniciar a homenagem aos professores. Não entenderam o professor de matemática parado ali na porta, sem deixá-los entrar.
Quando Maria Isabel chegou, não houve mais como deter aquela pequena multidão de entrar na sala e o choque que se seguiu ao lerem a frase.
Maria Isabel olhou nos olhos de Raul como se perguntasse:
- Foi Você?
Ela mesma havia pedido ao professor para ir lá abrir enquanto ela pegava uma grande torta do porta-malas do seu carro. O chaveiro do Pato Donald com a chave da sala estava lá, apertado entre os dedos tensos do homem.
Um dos alunos trouxe álcool e uma esponja, e alguns davam risadinhas constrangidas. O rapaz da limpeza chegou com um produto mágico e finalmente aquela frase foi removida.
O silêncio foi paulatinamente dissipado pela festinha. Aos poucos todos conversavam e riam, e ninguém falou mais do que haviam lido: aquela frase instigante e ao mesmo tempo incômoda, escrita sobre a professora de literatura.
Maria Isabel pediu para sair mais cedo naquele dia. A diretora pediu desculpas pelo ocorrido e disse que iria fazer uma investigação. Depois entregou os brindes que os professores receberiam na parte da tarde e a mandou para casa.
Raul passou o dia todo com a frase na cabeça. Aquela vulgaridade não combinava com a moça recatada e gordinha que ele encontrava na sala dos professores. Maria Isabel vivia sempre completamente coberta quando ia dar aula. Nunca a tinha visto usando decote, ou mostrando as pernas. Exceto por aquela tarde na praia.
Naquele dia estava chovendo. Quem ia à praia num dia de chuva? Ele ia. Gostava de pouca gente, gostava do vento gelado, gostava de ficar bebendo enquanto observava o mar lavado e a areia vazia. De repente, alguém saindo da água. Cabelo escorrido colando nos ombros. Biquíni largo, Roupa de banho incomum naqueles tempos de extrema exposição. Veio vindo em seu caminhar macio até que ele pôde reconhecê-la antes mesmo que ela vestisse uma batinha branca.
Mal teve tempo de fazer o raio x na moça. Na rapidez, guardou detalhes. A impensada cintura, as coxas lisas e brancas, e aquelas maravilhosas sardas salpicadas na parte visível dos seus seios claros. Falaram-se brevemente. Depois as amigas dela chegaram e ele foi esquecido onde estava.
Foi dormir com Maria Isabel na cabeça e consequentemente sonhou. No sonho Maria Isabel chegava de biquini e aquelas coxas grossas despidas na escola. Na sequência a via tomando um sorvete de forma insinuante. A língua fazendo círculos em torno do creme firme de morango. A imagem e a frase se misturando e perturbando os seus sentidos. Acordou empolgado. Nem o banho frio deu jeito.
Passou o fim de semana inteiro com Maria Isabel no subconsciente, e no consciente também.
Quando se encontraram na segunda-feira ele quase pediu desculpa por todos os sonhos e homenagens que prestara a ela. A desgraçada ainda havia aparecido de saia curta, as coxas brancas de fora.
Queria evitar encontros, mas toda hora se via andando pelos lugares que ela costumava ficar. Quando a viu conversando e rindo muito com as outras mulheres, imaginou que falavam dele. Talvez tivessem percebido a sua constante presença. Então passou a se esconder por trás os arbustos. Foi pior. Um dos serventes o chamou para as conversas.
- Professor, o senhor me desculpe, mas tá ficando feio. Fala logo com ela. Para de ficar fazendo isso porque tá esquisito. Todo mundo tá falando do senhor.
Era mesmo o fim de um processo. Talvez fosse uma questão de maturidade tardia. Aquela frase, aquela mulher, aquelas sardas, tudo aquilo havia derrubado anos de exigências que o levaram para longe de moças adoráveis, inteligentes e interessantes só porque ele havia criado critérios idiotas para realizar suas conquistas. Havia chegado a hora. Partiu para o estacionamento, decidido. Mas antes de abrir a boca, ela tomou a iniciativa.
- Farei uma reuniãozinha lá em casa, quer ir?
Claro que ele queria.
Raul passou todos os dias que faltavam para o encontro planejando que roupa e que perfume usaria, as conversas que iria ter com ela e com os amigos dela. Não queria que nada desse errado, descobrira que estava dolorosamente apaixonado.
No dia marcado tomou coragem e foi. Ao chegar lá, porém, descobriu que era o único convidado. Sorriu. Afinal os planos que fizera para aquela noite não eram apenas dele. Ela também queria. Planos compartilhados.
Dançaram um pouco sem jeito até que ela o pegasse pela mão e o levasse até o quarto.
Linda.
Ela era tudo o que aquela frase dizia e muito mais. O professor não acreditava que tudo aquilo estava acontecendo com ele. Com eles.
Pensou no tempo desperdiçado com mulheres tolas e desajeitadas só porque elas usavam calças tamanho 36 e teve vontade de se ajoelhar aos pés da nova namorada e pedir perdão muitas e muitas vezes.
Ficaram calados por um tempo com suas taças nas mãos e pernas trançadas, quando ele resolveu enfim perguntar:
- E a frase, você já sabe quem escreveu?
Ela o olhou nos olhos e depois de um breve sorriso, respondeu:
- Sei sim. Na verdade, sempre soube. Fui eu mesma.
IOLANDINHA PINHEIRO.