1178-AMOR ALÉM DO TEMPO
AMOR ALÉM DO TEMPO
(AS CIGANAS)
Lembranças.
Memórias.
Memórias Persistentes.
Procurei outra vez aquele local dramático e misterioso. Uma força estranha me atraia para onde a fantasia se confundia com a realidade. Sentia-me, como das outras vezes, arrastado por um chamado silencioso, por uma melodia ao mesmo tempo de encantamento e de enleamento que só existia na minha cabeça.
Irresistível.
A tarde estava propícia para a caminhada. Andei num passo automático, quase marchado como um soldado.
Avenida comprida, muito comprida, desproporcional ao tamanho da pequena cidade de Vento Leve. Calçadas mal cuidadas, com capim pela sarjeta, e buracos onde deveriam estar ladrilhos, agora, depois da manga d’água, transformadas em traiçoeiras poças imundas. A cidade crescera pouco, e para outras áreas mais propicias á urbanização. Ali estava tudo com uma aparente decadência. Barracões abandonados, casas de paredes enegrecidas e uma velha estação de estrada de ferro desativada mostrava já os tijolos através do reboco caindo aos pedaços.
Luzes de verão: após uma pancada ligeira de chuva, as nuvens se afastavam, rápidas, e o céu estava enfeitado pelo arco-íris. As folhas de verde brilhante, das quais ainda pingos se escorregavam como pedras preciosas multicoloridas.
A avenida terminava numa minúscula praça circular onde a pequena igreja de Santo Antonio, muito branca, naquele momento era iluminada pelos raios do sol ao entardecer intensamente alaranjado. Caminhei meia volta pela pracinha e fui para trás, procurando o caminho que me levaria ao local misterioso. A partir do fundo da capela, só havia pasto, mato, e pequenos aglomerados de árvores raquíticas. Pequeno bosque em formação.
Adentrei-me pela trilha. Esperava que tudo estivesse como antes: um campo deserto cercado por arvores mirradas, de cerrado. Andei cerca de duzentos metros e encontrei a porteira. Escura pelo tempo e talvez por lambidas de labaredas que haviam lhe comido algumas tábuas. Tudo igual ao ano passado, menos o capim-navalha que crescia a vontade, e por algumas árvores mais desenvolvidas estendendo os galhos sobre a trilha, também obstaculizada por touceiras de capim jaraguá.
Pulei a porteira com agilidade fazendo balançar as largas tábuas. Ao entardecer uma atmosfera mágica e misteriosa parecia envolver tudo. Fui apressando o passo para chegar ao “sítio” antes do anoitecer. Foi quando senti uma pancada na testa e o mundo se apagou.
* * * * *
Acordei. Deitado sobre cobertas, numa cama baixa ou catre quase ao rés do chão, o que primeiro vi foi a lona acima de mim, iluminada por uma fraca luz. A cabeça latejava. Virei-me com cuidado para um lado. Uma mulher cujos cabelos longos roçaram meu rosto, debruçou-se sobre mim e me ajudou na acomodação do meu corpo na nova posição. Na penumbra, o rosto imerso nas sombras, sem dizer nada, colocou sobre minha testa um pano úmido e com algum medicamento, pois a ferida ardeu muito. Tentei levantar-me mas fui seguro com firmeza e cuidado. Não insisti. Fechei os olhos e acomodei a cabeça sobre o travesseiro. A queimação na testa foi diminuindo aos poucos, até que me senti tranquilo, descansado. passando aos poucos, tudo parecia bem. Senti muita paz.
Ouvi uma melodia suave, cujos sons penetravam em mim, emocionando-me. Vozes e sussurros indistintos entremeavam os sons da música ao longe.
Pensei - ou sonhei que pensei? -: Estou sonhando ou acordado?
Escuridão.
* * * * *
Senti um calor por todo o corpo. Abri os olhos. Uma claridade forte me forçou a estreitar as pálpebras, até que os olhos fossem se acostumando com tanta luz. Deitado de costas, vi a abóboda celeste num azul imaculado, sem nenhum resquício sequer de nuvens. Aos poucos, sem me mexer, fui dando conta da minha situação.
Estava deitado, de costas, sobre um acolchoado ou edredom muito grosso e macio. Senti que havia algo de errado naquilo tudo. Passei a mão pela testa e na cabeça. Uma tira de pano passando pela testa e amarrada acima da nuca. Senti uma intumescência na testa, sob a faixa de pano, como se fosse uma ferida ou um inchaço.
De pé, ao meu lado, duas mulheres, muito altas (a visão alterada pela perspectiva), as saias se arrastando apelo chão, perto de meu rosto. Descalças. Não distingui as feições dos seus rostos, pois a luz ainda me ofuscava.
Ambas me estenderam as mãos, a um só tempo, pegando-me pelos braços e tentando me levantar. Ajudei-as num impulso, pois me sentia bem disposto e esperto. Levantado que fui, pude vê-las por completo.
Ambas realmente altas, da minha estatura de metro e oitenta, ambos de longos cabelos, usando bonitas vestimentas floridas, as blusas de mangas curtas e as saias rodadas descendo até os pés descalços. Uma era jovem, os cabelos castanhos claros descendo até a cintura, olhos negros, a tez morena, lábios carnudos e, ao sorrir, como sorriu naquele momento, alvos dentes numa boca bem proporcionada. Nariz aquilino, elegante na face oval e de pele lisa, brilhante. Uma linda mulher, sem dúvida alguma, observei, enquanto tentava devolver-lhe um sorriso.
A outra mulher, á minha esquerda, aparentava, também com a tez morena, um pouco mais velha do que da direita: os cabelos longos, negros entremeados de alguns fios e mecha de cabelos brancos, numa estranha combinação. Igualmente bela, Rosto, nariz, boca tudo muito bem colocado. Algumas rugas nos olhos e na face denotavam uma idade difícil de calcular, ante o sorriso, a simpatia e o porte elegante.
Ocorreu-me, naquele momento, o pensamento: - Parecem ser mãe e filha...
A semelhança nas vozes de ambas e nos modos como falavam, me deram confirmação do que pensara.
— Bom dia, como vai? Disse a mais velha.
E antes que eu respondesse, a jovem falou:
— Oi, está bem? Como se chama? Eu sou Iasmine.
A outra interveio:
— E eu sou Fatima.
Sem saber a qual das duas responder, e respondendo a ambas ao mesmo tempo, disse:
— Sim, estou bem. Sou Daniel. Mas... onde estou? O que aconteceu comigo?
Fatima e Iasmine, segurando minhas mãos, me convidaram para a sombra. Dócil, acompanhei-as. Dando os primeiros passos, senti-me equilibrado e senhor das faculdades mentais. Sentamo-nos em bancos baixos, rústicos, pés de madeira e assento de couro esticado sob um toldo estendido entre duas barracas e a mais de dois metros de altura.
Sentado, girei a cabeça ao redor. Já sombreadas pelo anoitecer, vi várias tendas de lona armadas, formando um grande círculo. Variavam de formato, umas quadradas, outras redondas, e até havia uma em forma de peetee, as cabanas dos índios pele vermelhas. Raros vultos de homens e mulheres andavam entre as cabanas, esguios, fantasmagóricos no lusco-fusco da hora, sem se darem conta de nós três sentados sob o toldo.
Um pensamento atravessou meu cérebro: Um acampamento.
Olhando para Iasmine e Fátima, outro lance de reconhecimento: Um acampamento de ciganos!!!
Assustado, fechei os olhos quando uma recordação relampejou na minha mente: Era o acampamento de ciganos da história que havia escrito há anos!
Os cabelos dos braços se eriçaram, ao sentir um imensurável terror. O que há momentos me parecia normal, agora se transformava num mundo irreal.
Não!!! Não é possível!! Devo estar vendo coisas...!!! ou morri!!!
* * * * *
— Daniel ! Daniel! O senhor está bem? —
A voz da cigana (qual delas?) e um forte aperto de mão me tirou daquele sonho terrível ou realidade assombrosa. Abri os olhos. Era realidade. Apertei anda mais a mão de Iasmine. Olhei-a bem, mergulhando no seu olhar profundo. Ela, parecendo querer me manter alí e acordado, colocou a outra mão sobre a minha, encapsulando-a entre as suas, como que querendo me prender.
A luz de um lampião dependurado num poste sob o toldo iluminava parcamente, envolvendo tudo em uma aura de de mistério. Não foi possível esconder minha ansiedade, meu terror. Atropelando as ideias, perguntei:
— Onde estou? Como vim para aqui? Quem são vocês? Quando...?
Sem afrouxar suas mãos cálidas e macias e sem desmanchar o sorriso nos olhos, Iasmine falou com voz suave e clara. Lembrava-me o som e a clareza de um riacho manso sobre pedrinhas arredondadas e coloridas,.
— Não se assuste, só queremos lhe ajudar. Você está neste acampamento. De ciganos.
— Mas este acampamento não existe! Fui eu que...
— Calma, calma, não se assuste. — Disse a outra, Fátima. — Encontraram você desmaiado perto da porteira. Com a testa sangrando. Parece que caiu e bateu a cabeça numa pedra. Carregamos você até nosso acampamento para ser tratado.
Subitamente me levantei. Falei alto, quase gritando.
— Quero ir embora! Preciso voltar!
As duas ciganas também se puseram de pé.
— Tá bem, tá bem, você vai voltar. — Disse Fátima. — Mas primeiro, deixe-me tratar de sua testa, que... veja! Está sangrando novamente!
Passei a mão pela testa. Senti que a faixa de tecido enrolada em minha cabeça, estava úmida no local da ferida. Elas colocaram suas mãos em meus ombros e delicadamente me fizeram sentar de novo.
— Vou buscar o remédio e outra faixa. — Disse Iasmine, saindo depressa, em direção á barraca.
Foi e voltou num átimo, trazendo um cesto com algumas coisas. Fatima desenrolou a faixa úmida e enrolou-a, separando. Com outro pano macio, limpou a ferida. Tudo em silêncio. Em seguida, passou uma grossa camada de pomada ou creme sobre a área machucada. Ardeu muito.
— Arde muito? Mas cura de verdade.
Não respondi até que ela enrolou nova faixa na minha cabeça.
— Obrigado.
A pomada devia ter também algum ingrediente sedativo, pois logo senti muito sono. Notando isso, Fátima disse, me puxando pela mão:
— Venha descansar um pouco na nossa barraca.
Sem hesitar acompanhei-a. Não me lembro sequer de ter-me deitado.
Escuridão.
* * * * *
Acordei por volta do meio dia, pois o sol estava a pino. - Ainda me sentia meio zonzo. Pouco me lembrava dos acontecimentos do dia anterior.
Lavei o rosto com a água de uma bacia de cobre. Saí da barraca, abaixando a cabeça para não bater nas travessas que sustentavam a cobertura. A claridade ofuscou-me.
Vi Iasmine e Fatima sentadas á mesa, sob o toldo. Conversavam e sorriam. Olhei ao redor. Tudo parecia meio irreal, até mesmo as poucas pessoas que transitavam de uma barraca a outra. Figuras diluídas envolto numa neblina. Os cavalos pastando além e as carroças eram como sombras, difusas, meio apagadas, etéreas, estranhas. Carroças longas, de quatro rodas, como aquelas que eram vistas nos filmes de faroeste.
Num lance raro de consciencia,Teria eu mergulhado no passado
Já a presença de Jasmine era real. Senti isso quando ela, levantando-se, tomou minha mão e disse:
— Venha. Nós estávamos á sua espera.
Sua voz cristalina enchia meus ouvidos de sons maviosos. Ela me encantou com seus modos e suas palavras. Estava fascinado. Confesso que fiquei realmente seduzido.
Almoçamos os três Na mesma mesa debaixo do toldo à frente da barraca. Iasmin estava alegre e animada, toda sorrisos, acariciava meu ante braço a todo momento. Eu escutava, pouco falava, tentando desvendar o mistério de toda aquela situação. As minhas poucas perguntas eram respondidas sem muita explicação. Notei que as duas ciganas não queriam me explicar nada. Fátima pouco falou, e sorria ante a alegria e quase brejeirice de Iasmine Quando terminamos a refeição, instou para que Iasmine me levasse a caminhar.
— Aproveitem o sol, façam um pouco de exercício. Mas só um pouco. Mas não abusem, pois Daniel ainda precisa de repouso.
Saímos em direção a uma abertura entre as tendas. A medida em que me aproximava das tendas, estas tornavam-se mais visíveis, como se a névoa se afastasse. Já estava me acostumando com aquilo. Á nossa frente estendia-se um pequeno campinho onde quatro cavalos pastavam. Além, árvores baixas formavam o horizonte.
Tomando minha mão (Ah! Que deliciosas mãos suaves e ... perfumadas! ) me puxou para a direita, e fomos em direção à larga e funda voçoroca, no fundo do qual corria um riacho de águas claras. A formação era antiga e os paredões estavam cobertos por capim e tufos de girassóis-do-cerrado, o que dava certo encanto á paisagem.
Enquanto caminhávamos, falo sobre um conto, uma história que havia escrito sobre ciganos, que estavam acampados justamente alí, naquele lugar. Um lugar em que eu nunca estivera, e que pensava ser minha criação. Anos depois, caminhando a esmo por aquelas bandas, deparei-me com o campo, a voçoroca e os arredores tal e qual havia descrito no conto.
Iasmine não se impressionou. Disse que já estivera alí, quando sua família acampara, ocasião em que uma tromba d’água caiu sobre a cidade e seus pais e irmãos saíram do acampamento para ajudar as pessoas desabrigadas e salvar coisas levadas pelas águas.
Espantei-me uma vez mais, pois o que ela me contava estava naquela história, que eu imaginava ter sido criação da minha mente imaginativa.
Porém, não fiquei nem um pouco preocupado. Parece que já estava me acostumando com aquelas coisas estranhas que me estavam acontecendo.
À hora do jantar estávamos apenas nós três - Iasmine, Fátima e eu. Iasmine estava menos falante, deixando Fátima dialogar comigo. A certa altura, perguntei de forma tranquila:
— Onde estão seus pais, seus irmãos?
Não houve resposta. Fátima veio logo com um convite:
— Vou ler as cartas para você. Você quer?
Eu já sabia das habilidades das ciganas nesta arte de “ler as cartas. Tudo enganação, mistificação. Concordei com um aceno de cabeça. Que a resposta de minha pergunta ficasse adiada pois eu já estava me acostumando com aquela aura de mistério que envolvia tudo por ali.
Ela estendeu uma toalha sobre a mesa, sob o toldo, iluminada pela luz de um lampião. Iasmine sentou-se ao meu lado e pegou em minha mão, entrelaçando seu braço no meu e aconchegando-se. Senti o calor de seu copo e o perfume em seus cabelos.
Fátima colocou as cartas para “ler a minha sorte”. Todas com as figuras voltadas para a toalha, de forma que só se via os versos das cartas. Já conhecia aquela história, mas as cartas sobre a mesa eram bem diferentes.
— Estas são cartas de Tarô. Dizem sempre a verdade. — Fatima explicou.
A cada carta, falava algo do meu passado, presente ou futuro. Quanto ao passado, acertou alguma coisa, pois eu interpretei á minha maneira suas “adivinhações”.
Do presente falou pouco. Não vi nenhum mistério ou segredo que eu não pudesse interpretar. Entretanto, ao virar uma carta, disse algo que me impressionou:
— Esta é a carta do Agora. Vejo problema de saúde. Sangue. Mas você vai sair bem, vai superar tudo.
E quando abriu as cartas do futuro:
— Aqui está a carta do Destino. Um encontro importante. Você achará uma pessoa que irá acompanhá-lo para o resto da sua vida. Não lute contra, pois está tudo determinado. Você acaba de encontrar com o seu Destino.
Iasmine apertou minha mão. Virei o rosto para ela, que me sorria, um sorriso cheio de significados.
Assim como se tivesse adicionando alguma coisa á “adivinhação”, Fátima disse:
— Ismine está esperando por você há muito tempo.
Assustei-me com aquelas palavras -
— Hã! Que quer dizer com isso?
Fatima girou a mão rapidamente sobre as cartas e as recolheu num instante. Olhou-me com olhos profundos significativos e um sorriso enigmático.
Fiquei atoleimado, ao mesmo tempo que aquelas palavras entravam pelo meu cérebro - e pareciam ser palavras proféticas.
Ficamos ainda conversando por algum tempo, até que me senti sonolento e manifestei meu desejo de dormir. Iasmine me tomou pela mão e se encaminhou comigo para dentro da barraca. Notei que havia sido arrumada, e meu leito, no chão, era bem maior e estava coberto por uma colcha estampada com enormes rosas. Senti um perfume suave exalado de algum incenso.
Aguardei, esperando que Iasmine se retirasse para que eu me arrumasse para dormir. Ela, entretanto, dependurou o lampião, diminuiu sua luz ao mínimo, de forma que fico tudo numa suave penumbra e, num gesto rápido e hábil, retirou seu largo vestido. Seu corpo apareceu em todo o esplendor moreno, coberto apenas por calcinha e sutiã. E mais rapidamente e aproximou de mim, abraçando-me e cochichando:
— Venha...!
Não sei dizer o que me fez abraçá-la também. Se o estado de torpor em que estava mergulhado o tempo todo, se ainda chocado com as palavras de Fátima ou se simplesmente totalmente seduzido pela linda cigana, Certo é, seja dito, que não resisti, pelo contrário, aceitei ao convite, já enleado totalmente pelos afagos e carinhos de Iasmine, cujas mãos passeavam por todo meu corpo e cujos lábios se juntaram aos meus num beijo avassalador. Ajudando-me a livrar de minhas roupas.
Deitamo-nos sem mais uma palavra sequer. Seu corpo quente fazia arder minha paixão. Os longos cabelos enrolaram-se na minha cabeça, os braços não se soltaram dos meus um só momento. Era uma mulher forte, e me dominava. Um domínio suave e forte, ao mesmo tempo, ao qual me submeti completamente.
Sua arte no amor era indescritível. Durante muito tempo mantivemos acesa a chama da paixão, até que, exaustos, dormimos abraçados como se fosse de nossa própria natureza.
De madrugada, fui acordado por Iasmine, que me chamava com uma urgência e puxando colchas e lençóis.
— Daniel, Acorda! Levanta! Depressa!
A noite já estava cedendo á escuridão com uma tênue claridade do alvorecer.. Ainda tonto (uma sensação que me acompanhava sempre naquele acampamento, levantei-me, vesti-me, calcei os sapatos e sem cogitar de nada, segui Iasmine na sua pressa inexplicável. Ela colocou travesseiros e cobertas já dobradas em meus braços.
— Toma, leva pro carroção! Vamos, depressa, depressa!
Saí da barraca. O acampamento já estava desmontado, apenas a barraca onde eu dormira com Iasmine estava de pé. Alguns vultos já trabalhavam no seu desmonte e colocaram a lona em outro carroção. Parecia uma cena de um filme de protagonizado por John Wayne;
Os caroções, com os cavalos atrelados, estavam prontos para partir. Uma caravana de 3 carroções.
Num raro momento de consciência plena, pensei: . Logo vão aparecer iriam aparecer índios gritando e atirando flechas. Será que estou vivendo no passado?
Iasmine e Fátima subiram no que estava mais próximo, com uma agilidade de amazonas e me puxaram, ajudando-me ( ou forçando-me...) a subir. Sentei-me no assento dianteiro, um banco de madeira, entre as duas ciganas.
Não tive tempo para perguntar, sequer pensar em perguntar o que estava acontecendo. Tudo muito rápido. Me deu a impressão que estávamos fugindo.
Com um grito do guia da primeira carroça, a caravana começou a movimentar-se. O veículo em que eu estava era o último dos três. Fatima manobrava as rédeas e também gritava com os cavalos. Exibia uma habilidade adquirida de longa prática.
Partimos. Devagar, a principio; depois, num trote apressado até que aumentaram a velocidade, numa numa disparada assustadora.
Segurei-me com as duas mãos. Uma, a direita, na borda do banco; a esquerda, na mão de Iasmine, que a apertava com força.
Olhei para trás e vi o campinho deserto, a grama verde, um tapete cor de esmeralda, muito viçosa, como se nunca nada alí estivesse estacionado um acampamento de ciganos.
Pensei que ia desmaiar com a velocidade cada vez maior dos animais e veículos. Uma estranha sensação de que cavalos e carroções se elevavam, o que me apavorou de verdade, pois vi quando as copas das arvores passavam debaixo de nós; A sensação era de subir, subir, subir cada vez mais. Os dois carroções à nossa frente foram se desvanecendo, como que engolidos pelas nuvens.
Soltei minha mão que segurava o banco e abracei Iasmine. Ela também abraçou. Trocamos um beijo e ela me cochichou :
— Não tenha medo, querido, estamos seguindo nosso Destino.
E cada vez mais para o alto fomos nós, na carroça puxados por cavalos alados, numa viagem vertiginosa, em direção ao sol que já despontava no horizonte, entre montanhas e nuvens, iluminando-nos com raios dourados de plena felicidade.
ANTONIO ROQUE GOBBO
São Sebastião do Paraiso, 4 de fevereiro de 2023
Conto # 1178 da SÉRIE INFINITAS HISTÓRIAS