Chuva no jardim
Eu simplesmente esperei a semana toda para vê-la. Era necessário encarar 36km de distância intercalando entre ônibus, trem e metrô. Mas valia a pena todo o investimento naquele deslocamento, tendo em vista o quanto era aprazível simplesmente observar seu sorriso.
Aquele dia estava com o clima incerto, visto que em seu bairro fazia sol, e de onde eu me despencaria, chovia hora ou outra. Ignorei todos os fatores contrários e simplesmente fui. Em busca de seu cheiro, beijo e abraço, sai de casa certo de estar em sua companhia.
De dentro do ônibus já fantasiei nosso encontro. O tanto que queria beijá-la, sentir seu cheiro e morar em seus braços. Depois de quase duas horas no trem, lá estava eu embarcando para em breve desembarcar do metrô. A ansiedade apta vê-la só aumentava, afinal, há duas semanas não nos víamos. E então estava eu no ponto de encontro. Aquele museu famoso, com uma esquina larga e com toda a infraestrutura local simulando uma França do século XVIII, e que supunha-se até a criação de pombos, para a ambientação ficar ainda mais fidedigna. E foi quando eu a avistei do outro lado da rua.
O semáforo só pra me provocar, demorou a fechar. E aquele sinal verde me irritava profundamente. Ela estava ali, logo ali. Do outro lado da faixa, simplesmente maravilhosa. Seu cropped preto com uma jaqueta jeans por cima e aquela saia branca com uns detalhes preto, completavam aquela formosura de mulher. Seus majestosos olhos grandes e escuros, sorrindo a mim, junto aos lábios com um batom vermelho de tirar o fôlego.
E nada do maldito semáforo fechar. Até que de repente, ficou amarelo. Minhas mãos suaram e meu peito disparou. Vermelho e ela sorri, antes de começa a atravessar. Não consigo esconder o sorriso, embora quisesse manter a bronca de um cara posturado e marrento, tipo um badboy, até que ela chega a mim, com um sorriso meigo desfazendo toda bronca, marra, postura e que quer que eu tivesse, absolutamente tudo se desfez quando nos beijamos. Eu a abracei forte, e a beijei sem pressa, deixando que o universo reconstituísse em nós o tempo perdido. Um carro buzinou e os pombos voaram. Se eu tivesse acesso às câmeras de trânsito, assistiria num looping infinito com uma edição em slow motion, só pra potencializar aquele ar cinematográfico.
Ao ser questionado quanto ao que faríamos ou pra onde iríamos, eu simplesmente não fazia ideia. Apenas queria sua companhia, ainda que não fizéssemos nada. Mas ela sugeriu que fossemos dar um passeio na orla da praia do Flamengo. Então atravessamos o jardim do palácio conversando ansiosos e atropelando os assuntos. Pois queríamos nos beijar, tocar e sentir a saudade se esvaindo por finalmente estarmos juntos, mas também queríamos conversar, ouvir a voz natural sem que fosse pelo celular, olhar nos olhos com a tranquilidade de adentrar a alma um do outro.
Acontecia um evento com música para um grupo de senhores e senhoras da terceira idade, o qual atravessamos tecendo comentários fofos, quando de repente fitei toda aquela imensidão. Havia uma pequena gruta, onde exploramos e descobri que aquele deveria ter sido cenário para suas fotos do álbum de 15 anos. Continuamos a caminhar, e após registrarmos algumas fotos e vídeos, seguimos até que nos deparamos com uma estátua. A mesma que guardava uma história maravilhosa, de um constrangimento que ela havia feito sua mãe passar. Imagina só, uma criança com toda sua pureza, caminhando por aquele jardim com sua mãe e companhia, quando a pequena chama a atenção de todos com peculiaridade autêntica, provida de plena inocência.
"Olha mãe, essa santa parece com a senhora. Só que a senhora não é santa."
Eu fico pensando na cara da mãe, num misto de riso e desespero. Não contive o riso ao ouvir a história. Imaginei aquela mulher fabulosa diante de mim, e tentei imaginar uma miniatura sua, com toda aquela espontaneidade e foi inevitável não pensar em uma criança da nossa união.
Avançamos a caminhada, acreditando que conseguiríamos sair do parque, pelo portão que nos daria acesso a avenida, que bastaria atravessar, para que caminhássemos pela orla do Flamengo. Ainda ao longe avistamos o portão fechado. Ignoramos e seguimos conversando e ela me contava as histórias de quando morou ali na infância. Falou das amizades que cultivou e todas as recordações que adorava, dividiu alegremente. Então avistamos uma cabine com um segurança do local, e perguntamos cientes do óbvio: teríamos que retornar todo o caminho e dar a volta pela rua lateral se quiséssemos seguir o plano. Ainda não havíamos decidido o que faríamos, mas continuamos no percurso de volta. Uma construção no meio daquele lindo jardim me chamou atenção, era um casebre, de um único cômodo, mas que na verdade era uma casinha para as crianças brincarem. Havia uma escada caracol do lado de fora, que levava ao segundo andar, que tinha um ar de gazebo. Perguntei inocentemente se poderíamos ir lá. Suas bochechas coraram, e com um olhar e um tom de voz tímido, disse um "Eiii", repreendendo minha sugestão. No início eu não entendi e comentei:
"O que foi? Eu queria ir lá em cima!"
Quando ela me explicou o que entendeu com minha pergunta, tudo ficou claro.
"Pensei que você queria me levar pra dentro da casinha…"
Rimos da minha inocência e da proposta inusitada. Enquanto avançávamos o retorno, sentimos um vento gelado e gotículas tocar a pele. Estava amenizado por conta das grandes árvores, mas nem elas foram suficientes para manter a cobertura de proteção, quando a chuva engrossou. Naquele momento corremos. Coloquei meu chapéu Fedora em sua cabeça, já que sua aba era longa o bastante para proteger seus cabelos.
Mais uma vez, aquela cena de filme, que desejamos que aconteça em câmera lenta. Ela sorria enquanto corria. Estava tão linda. Não havia nada demais, simplesmente corria, e era possível sentir sua energia, felicidade, e desespero pelo momento. Eu queria morar pra sempre naquele sorriso.
As palmeiras anunciavam a velocidade e força do vento. Com isso, mudamos a rota. Decidimos entrar e explorar o palácio. E lá dentro, em cada cômodo, aprendemos e nos aprendemos, eternizando aquele simples passeio. Com isso, fizemos mais história.