Bom dia, boa tarde ou boa noite, consoante a hora de leitura.

Após um afastamento por razões pessoais, regressei para publicar, entre outros, este conto, inédito, de que gosto particularmente.

Os locais de ação detalhada são meus conhecidos, fiz este tour no verão de 2001. O enredo é pura ficção. 

Espero  que gostem.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foto grátis casal feliz jogando juntos no quarto

FOTO GOOGLE

 

 

 

CÍNTIA E GABRIEL

 

Cíntia espreguiçou-se na cama, o corpo parcialmente tapado com o lençol e enquanto ouvia a água do chuveiro de Gabriel a correr, recordou o que tinha sido até aí a sua viagem.

Aposentada há cerca de dois anos, viúva há sete, duas filhas e uma neta, pois casara muito nova, vivia para a família. Há mais de quinze anos que não viajava, a doença de Roberto e depois a tristeza em que mergulhara após a viuvez tiraram-lhe qualquer veleidade. As filhas também não a encorajaram muito, ela sentia-se um estorvo, apesar de não se considerar velha, daí querer viver sozinha.

Foi ficando por casa, uns quantos passeios a pé, algumas, poucas, idas ao cinema. Agora, com a TV cabo, tinha todo o cinema em casa, acomodara-se. Não tinha amigas, mas como poderia ter se raramente saía de casa, detestava telefones e por isso mesmo não tinha telemóvel?

Ler e ver filmes, dois dos seus hobbies de sempre, ocupavam os seus tempos livres.

Foi levando uma vida insípida até que viu na tv um documentário sobre algumas cidades europeias. Soube depois, despertada a curiosidade por uma montra de agência de viagens, que havia programas específicos que contemplavam a visita a várias cidades em sequência, os chamados circuitos. Um desses, passando por Budapeste, Viena, Bratislava e Praga, denominado "Capitais Imperiais" tinha preço acessível e incluía algumas refeições no trajeto. Após muita ponderação, decidiu-se a reservar viagem para esse mês de Julho, sinalizando logo para ter algum desconto no preço.

Foi difícil dominar quer a excitação que a viagem lhe causava, a primeira de longo curso que fazia sozinha, pelo risco, quer ainda pelas palavras de desaconselhamento que a família lhe dirigiu. Tudo enfrentou com coragem e chegado o dia, lá embarcou no avião.

A primeira cidade visitada fora Budapeste.

O tempo chuvoso, cinzento e frio, contrastando com a época do ano, provocou-lhe deceção. Apesar de ter adorado visitar o Parlamento e a Ópera, edifícios de grande esplendor e grandiosidade, desiludiu-se com o cancelamento do jantar num barco próprio, no rio Danúbio. A comida também não era nada de especial, no jantar da chegada tinha comido um prato típico, o goulash, muito picante e quase tinha "morrido" com cólicas.

A viagem no circuito foi feita de autocarro, com uma guia portuguesa, sempre prestável.

Foi em Viena que travou conhecimento com Gabriel. Bastante mais novo que ela, andaria pelos trinta e poucos anos, alto e magro, boa figura, vestuário casual. Tirava muitas fotos sempre que podia.

Quando a guia lhes deu o dia livre, os excursionistas, que no total não ultrapassavam os vinte, visitaram o Naschmarkt, o mais popular mercado de rua da cidade. Então Gabriel meteu conversa, perguntou se queria que lhe tirasse alguma foto. Ela hesitou mas depois, resoluta, aceitou a oferta. Ele era brincalhão, mostrava-se sempre divertido, o que lhe agradou. Almoçaram num McDonald's e depois andaram pelas ruas cheias de gente, na zona mais central.

A jovialidade de Gabriel fez milagres e ela sentiu-se mais desinibida, conversando abertamente. Gabriel era do Porto, Cíntia de Lisboa. Conhecia o Porto de várias viagens que seu marido fizera em serviço, então acompanhava-o de forma a ficar lá no final de semana. Adorava essa cidade, as suas gentes francas, a sua hospitalidade.

Gostaram dos vários palácios e monumentos, mas o que mais seduziu o grupo foi o jantar típico

em Grinzig, nos arredores de Viena, onde todos foram convidados a dançar  músicas locais. O ar de novidade do restaurante, as roupas dos empregados, aliado ao vinho da zona, soltou a alma portuguesa e todos dançaram e até tentaram cantar. Ela dançou com Gabriel algo atabalhoadamente mas ninguém reparou, o ambiente era descontraído.

No dia seguinte passearam com o grupo por Bratislava, uma cidade "arrumadinha", com o rosto lavado com os fundos da União Europeia.

A viagem prosseguiu finalmente para Praga, onde ficariam duas noites. O hotel foi o melhor de toda a viagem, novo e com serviço impecável. O tempo melhorara muito, o calor fazia apetecer um passeio pela zona velha da cidade. Caminharam em grupo, acompanhados pela guia, pelas ruas apinhadas de turistas, em algumas os casinos eram "porta sim", "porta sim". Depressa constataram que aquela era a cidade mais europeia de todas as que tinham saído do domínio soviético.

A exposição das vaquinhas pintadas com grande criatividade, a imensa praça do município, com o seu relógio astronómico e vários monumentos espalhados pela cidade faziam as maravilhas dos milhares de visitantes.

Eles ficaram inseparáveis. Com tempo livre para almoçar, degustaram alguns mini-pratos tradicionais e depois o grupo subiu ao castelo de Praga, situado na zona alta da cidade. O calor era imenso e todos suaram as estopinhas. Ficaram algo desiludidos.

Gabriel comprara-lhe um pequeno marcador de livros no bairro dos ourives, na descida para a parte baixa da cidade. Cíntia ficou sensibilizada e deu-lhe o braço, caminhando ao seu lado.

À noite, sem programa, a guia sugeriu uma ida ao teatro negro, tradicional da República Checa, mas Gabriel desafiou-a para uma ida a um dancing com jantar e espetáculo incluídos, o que ela aceitou. Logo na entrada ele desculpou-se com o esquecimento do cartão de crédito, ela ofereceu-se logo para pagar a despesa.

Divertiram-se muito, ela sentia-se tonta, pelo espumante e também pelo calor do corpo dele.

Foram de táxi para o hotel e Cíntia apenas se lembrava das mãos quentes dele despindo-a e devassando docemente a sua intimidade. De manhã sentira-se outra, mais nova pelo menos vinte anos.

Sentira prazer, imenso prazer, algo que desconhecia desde a juventude. Seu marido nunca fora grande amante, nem ela especial apreciadora das artes do sexo. Cíntia, que sempre fora contida nas suas manifestações conjugais, soltara-se, gemera de devassidão e luxúria. Gabriel revirara-a, despertara-lhe sensações inebriantes, enlouquecedoras, algo para ela desconhecido. E sentira imenso carinho por ele quando a abraçou e repousou o rosto nos seus seios nus.

De manhã ele saira cedo e de forma discreta do seu quarto.

Durante o dia andaram pela zona central, atravessaram a ponte Carlos e tiraram selfies juntinhos, perante o olhar reprovador de um casal que também integrava a viagem.

Esse seria a última noite em Praga, depois seria o regresso a Portugal.

Nessa noite a paixão foi avassaladora, ela delirou nos braços de Gabriel. Nunca se sentira assim… Lamentou todo o tempo que perdera sem conhecer essas delícias…e em momento algum pensou maduramente que talvez aquela relação não tivesse pernas para andar… Mas iria arriscar, sem dúvida.

Gabriel viajou sempre ao seu lado, exceto no avião, onde os lugares marcados não davam para arranjinhos.

O voo de regresso estava marcado para muito cedo, levantaram-se à pressa e tomaram o pequeno-almoço a correr. Foi um rápido arrumar de malas e seguir no transfer até ao aeroporto.

Depois de entrar no avião, Cíntia procurou-o com o olhar, divisou-o lá atrás, quase ao fundo.

A meio da viagem, após tentar comer um snack quase intragável, levantou-se para ir ao WC e passou por ele, sorrindo-lhe, gesto que foi devolvido com simpatia.

Ela já não o viu no aeroporto pois ele mudou de avião, tinha logo a seguir ligação para o Porto.

Cíntia sentia-se outra… Tinha a morada e o número de telefone dele, certamente que se iriam encontrar.

Decidira-se a dar uma volta na sua vida, ultrapassar conservadorismos. Iria instalar telefone fixo, comprar telemóvel e começaria a sair mais, no final de contas a viver…

O livro da sua vida iniciara um novo capítulo…

 

 

 

 

Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 13/08/2023
Reeditado em 16/08/2023
Código do texto: T7860493
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