A PENTEADEIRA
Nos anos setenta e oitenta era comum nas casas terem uma penteadeira. Kelly Fátima, de sete anos, era arteira e espevitada. Tinha um sonho de ser atriz e ficava fazendo caras e bocas diante do espelho do referido móvel. A menina tinha vários amigos imaginários: os atores das novelas que ela assistia.
Era muito fã de uma atriz que sempre fazia papéis de mulher forte e romântica.
Kelly se posicionava em frente a penteadeira e imitava todos os trejeitos da atriz, que na novela gritava com a empregada para que preparasse um boi assado por estar com uma baita fome.
Seus pais de criação riam de se acabar! Naquela casa a alegria era garantida com Kelly Fátima sempre "atuando".
Seu Aderbal e dona Sarita eram pais amorosos, mas quando era preciso davam uns puxões de orelha. " Kelly Fátima, quantas vezes já te falei: arrume sua cama! Seu quarto tá uma bagunça! " , dona Sarita sabia educar a filha. Era diferente de Seu Aderbal que fazia todos os gostos da filha. Até a presenteou com uma poodle, chamada por ela de Manteiguinha. Kelly Fátima, no dia em que o animal de estimação chegou, estava tomando café da manhã. Ela deixou o pão cair virado com a manteiga pra baixo e a poodle faminta devorou. Ao ver a cena, a menina caiu na risada ( muitos iriam ficar fulos da vida, reclamar dizendo que já começou ruim o dia. Mas para criança tudo é festa, nada incomoda. Kelly ainda deu mais petiscos pra Manteiguinha, a abraçou, amou. )
Kelly chorou e esperneou para os pais comprarem uma beliche para ela e a Manteiguinha. Dona Sarita achou uma loucura, mas Seu Aderbal, como sempre, cedeu e fez a vontade da filha.
Como pode..? Manteiguinha, uma cadela dormir na cama, como se gente fosse. Kelly Fátima dormia na cama de baixo e bem cedinho, era acordada com as lambidas da poddle em seu rosto.
Em seguida, Kelly já ia pra frente da penteadeira encarnar a personagem da novela. Manteiguinha roubava a cena.
Seu Aderbal saía de casa bem cedinho para o trabalho numa loja de eletrodomésticos no Centro de Vila Valqueire.
Ele seguia para sua luta diária com a fé em Deus e o ânimo do sonho sempre vivo, o sonho de dar o melhor pra sua esposa e sua amada filha de criação a quem chamava carinhosamente de Coisinha do Pai, pois Kelly lá no orfanato, com três aninhos de idade amava a folia do samba, dançava, saracoteava, era tão fofa, sua alegria contagiava a todos.
Aderbal e Sarita logo se apaixonaram pela criança, e oraram e agiram. Fizeram de tudo , trataram da papelada, passaram pelos trâmites e conseguiram adotar Kelly Fátima.
No dia em que a princesinha chegou ao novo lar rolou uma festança com um bolo gigante.
Seu Aderbal encheu os olhos de lágrimas ao ver o brilho no olhar e o sorriso inocente da filha.
O bom moço sempre teve o sonho de ter uma filha, uma princesa. Descobriu logo na lua de mel que não poderia ser pai devido uma doença que teve na pré- adolescência. Ele caiu em prantos com a notícia, Sarita ficou ao seu lado o tempo todo. Sempre dando forças.
Deus abençoa o casal unido. Este foi o propósito de Deus quando instituiu o matrimônio:
Quando um cair, o outro levanta. Isto é companheirismo, isto é casamento!
Kelly Fátima era muito amada.
E foi crescendo e tornou-se mulher feita.
Cuida dos pais, obedece o que dia a Palavra de Deus: Honrar pai e mãe.
Kelly deixou na infância o sonho de ser atriz. Hoje ela ri muito ao lembrar do quanto que aprontava em frente a penteadeira com suas estripulias. Ao longo da caminhada da família apareceram muitos fantasmas: medo, doenças, desemprego e tantas coisas que vem pra desafiar. A família venceu o desafio, pois a felicidade, a união e o amor prevaleceram.
Ainda há muito desafio pela frente, pois enquanto há vida há desafio a ser enfrentado.
Hoje Kelly não se expressa, não faz suas atuações diante da penteadeira. Ela hoje é professora, é evangélica, vai com os pais ao culto. Dona Sarita e Seu Aderbal receberam oração do pastor pelos cinquenta anos de casados. Kelly Fátima subiu no altar e abraçou os pais.
Ela quer viver um amor tal qual o dos pais. O espelho para a vida sentimental dela.
( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima)