Muro Maldito

Do lado de lá daquele muro alto, empobrecido devido ao tempo que ele está de pé, insistente, inconveniente e mal-acabado haviam escritas em forma de verso e prosa sendo escritas pelas mãos e mente mais angelicais que eu poderia conhecer, não era uma escrita de amor já que todos sabem que o amor está batido, falar de amor e falar de nada se tornou unanimidade, é como se todos já aceitassem que é impossível alcançar o amor romântico que está tão batido quanto o amor, só não está mais batido que a escrita, já que ninguém hoje mais escreve, e todos que escrevem, falam sobre amor romântico, devido ao fato das dois estarem batidos é como se eles se unissem e se mantassem firmes, em pé, na sociedade, como aquele muro insistente que insiste em me impedir de vê-la escrever sobre tudo que não seja amor romântico. Do lado de lá daquele muro havia música batida, a forma com que ela canta não é mais cantada hoje em dia, também não é mais ouvida, ela deve usar acordes incompreendidos pelos músicos contemporâneos, ainda assim, aquele muro maldito impede que as ondas sonoras vindas dela cheguem a mim, pois sou impedido de ouvir qualquer coisa vinda do lado de lá. Do lado de lá ela atuava, e era a mais perfeita atriz que eu poderia conhecer, sua performance era tão incrível quanto era impossível de se admirar devido ao muro maldito, infelizmente ela se perdia nos papéis.

Do lado de cá daquele muro maldito havia escritas batidas sobre amor, músicas não batidas que todos os músicos contemporâneos entendiam e cantavam, havia porca atuação e havia escassez de coisas batidas, infelizmente. Aquela que era dona da casa que eu residia cujo sobrenome havia sido trocado pelo meu, não era batida, sua voz era sonoramente normal e menos chata que o muro maldito, mas por conta de o amor romântico ter prazo de validade, eu andava pobre de seu carinho, tão pobre que fui obrigado a me aventurar em busca do carinho e da felicidade que residia do lado de lá daquele muro. À medida que me aproximara sentia que meu amor romântico não teria prazo de validade e, portanto, existiria já que ele só tem esse prazo devido a sua não existência. Todo trajeto até chegar o muro não compensava a escalada inevitável naquele muro maldito. Em frente ao muro ainda me senti pobre de carinho, mais ainda tolo por pensar em coisas que não se pensam. O esforço, a luta, a insistência não foram suficientes, o lado de lá daquele muro maldito era tão inacessível quanto qualquer música, escrita e atuação que poderia ter do lado de lá. Quanto mais eu tentava superá-lo em busca do que depois de um tempo nem sabia mais o que era, mais eu perdia a vontade, mais eu me contentava, mais eu superava.

Do lado de cá do muro, naquele dia, a moça que mora na minha morada, chamei minha amada e percebi o quão claro e nada batido eram seus olhos, e seus olhos viviam de fantasias e sonhos que a dona dos olhos nem via. O dono dos olhos que olhara os olhos da dona dos olhos claros tentava mostrar à dona dos olhos claros quanto uma escrita batida pode ser entendida e apreciada se lida por olhos batidos. Do lado de lá do muro havia tanta aventura a espreitar, tanta aventura que eu não conseguia me concentrar em me aventurar, então permaneci lá nos braços daquela dos olhos claros atualmente batidos, enquanto espreitava a felicidade do lado de lá daquele muro bendito.

Há alguns dias o bendito muro fora derrubado e em seu lugar puseram uma cerca nada batida, de cor e aparência viva, bem colocada e não muito firme, fácil de pular os olhos por cima dela, fácil de escutar tudo do outro lado dela, fácil de atravessá-la. E hoje, não sinto mais raiva do muro maldito porque só agora pude perceber que não era tão maldito assim.

Fernando Fonseca
Enviado por Fernando Fonseca em 26/06/2023
Reeditado em 06/07/2023
Código do texto: T7823122
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