Evidências

Aquele outono estava mais frio que de costume. O vento soprava gelado. Ela saiu de casa agasalhada, mas parece que ali dentro do carro a temperatura só despencava. O frio que vinha de dentro ajudava a tornar o ambiente ainda mais gelado.

Beth dirigia com o pensamento longe. Nos últimos dias parece que os problemas brotavam de todos os lados.

Ela entrou na avenida e se encantou com os ipês. A florada de um rosa intenso estava deslumbrante. Ela olhava e eles pareciam sorrir pra ela e ela sorriu de volta o seu melhor sorriso. Cantarolou uma velha canção e o seu humor melhorou.

Ela lembrou de quando conheceu Jarbas. Ele era um homem encantador. Carinhoso, educado, elegante, daqueles que manda flores, abre a porta do carro e puxa a cadeira para a amada. Ele falava palavras de amor em seu ouvido e ela se derretia.

Pensou que finalmente tinha encontrado o amor de sua vida.

Foi um namoro rápido, o noivado, que não podia faltar, apesar dela já estar se aproximando dos trinta e o casamento dos sonhos.

Ele fez tudo que podia para que ela fosse a mais feliz das mulheres naquele dia tão importante. Ela se emocionou várias vezes com suas surpresas.

A noite de núpcias foi um sonho. A lua de mel foi perfeita.

Mas não demorou pra que todo aquele sonho fosse se transformando em algo ruim.

Uma vez casados ele mostrou que não era tão romântico assim. E os defeitos foram aparecendo de lado a lado.

O casamento não era tão feliz, mas ela optava por preservá-lo e até tentar melhorar.

Por fim desandou de vez quando ele caiu-se de amores por uma outra mulher.

Ele quis a separação e ela só soube que havia sido traída depois que ele saiu de casa.

Ela nunca soube enxergar as evidências daquela sórdida traição.

E naquele curto percurso a caminho da audiência de divórcio ela reviu toda a sua vida com ele. Estava triste. Não é o que ela queria. Queria que aquele lindo amor tivesse durado a vida toda. Mas talvez não desse mesmo sorte no amor.

Chegou para a audiência e teve que encará-lo. Mas foi tranquilo. Não tinham filhos e ela não dependia dele para nada.

Na saída conversaram rapidamente:

-Beth, desejo que seja muito feliz.

-Eu também desejo a sua felicidade, mas sei que o sonho que você vive não vai durar e um dia você vai ter que expor as fraquezas e deficiências que você sempre escondeu. Eu vou estar assistindo a tudo.

-Está praguejando a minha nova vida? Isso tudo é inveja?

-Inveja? Eu? Imagina se iria invejar uma pessoa como essa que você está. Ela não vale nem a unha no meu dedo mínimo.

-Você me perdeu e não aceita que eu esteja feliz ao lado de outra. Você não soube merecer todo o amor que eu senti por você.

-Você está cego, Jarbas, mas vai abrir os olhos da pior forma possível.

Ela virou e foi embora. Caminhava lentamente.

Sempre teve dedo podre para homens, nunca teve sorte no amor. Certa vez uma cartomante disse que ela nasceu num sábado e quem nasce sábado não tem sorte no amor. Ela não acreditava muito nestas coisas, mas depois de tantas decepções, estava quase dando o braço a torcer.

Desde menina lia os contos de fadas e sonhava com um grande amor. Aquele amor tipo romântico e à moda antiga em que o amado manda flores, telefona, faz tudo por sua amada, adivinha até os desejos. Mas ela sempre se decepcionava e pensava que este homem não existia.

E mais uma vez estava ali decepcionada, ferida. Ficou casada apenas oito anos e sonhava viver ao lado de Jarbas por toda a vida.

Estava separada há quase um ano e estava sozinha. Preferia assim. Estava cansada de se decepcionar.

Tirou o resto do dia de folga. Foi para casa, entrou no chuveiro e enquanto a água quente caia em seu corpo ela chorava. Como se na época da separação não tivesse chorado muito mais que Jarbas merecia. Ela se odiava por ainda chorar por ele, mas precisava botar pra fora as mágoas e tristezas.

E seguiu sua vida. Sempre assim. Algumas lágrimas pra limpar a alma, seguir em frente.

O tempo seguiu e ela foi se curando.

Tempos depois um amigo veio falar com ela. Veio contar que Jarbas havia se separado.

Ela não deixou de sentir uma certa alegria como se fosse uma vingança.

-O que houve? Pareciam tão apaixonados.

-Que nada. Ele está tentando esconder, mas o fato é que ela apareceu grávida e você sabe como eu também sei que o filho não poderia jamais ser dele.

Ela sorriu sarcástica:

-E então ele entendeu que ela nunca mereceu o amor dele, não é?

-Expulsou a vigarista da vida dele. E ela ao se ver abandonada com um filho sem pai, fez um aborto.

-Não posso dizer que estou triste com esta notícia. Ele bem mereceu.

Dias depois Jarbas veio conversar com Beth.

-Você já soube que terminei meu relacionamento?

-Sim. Só você se iludiu. Como eu, você não enxergou as evidências. Mas muitas vezes é difícil mesmo enxergar. E finalmente você provou do próprio veneno. Estou vingada.

-Estou pensando em voltar pra minha cidade.

-Machucou-se tanto assim?

-Não tenho nada que me prenda aqui. Só você poderia me fazer desistir de ir embora.

-Eu? Não entendo como eu faria você desistir.

-Eu te amei muito. Sei que você está sozinha.

-Nem continue. Não tem a mínima chance. Você até me ofende se pensa que eu poderia ao menos cogitar essa possibilidade. Quem pensa que sou pra aproveitar resto de feira?

-Você me julga resto de feira?

-Pra qualquer mulher você não seria, mas pra mim é. Desejo que você seja feliz.

Beth saiu. Sentia que o caso com Jarbas ficou totalmente resolvido em si.

E quando encontrou um novo amor soube que estava preparada para viver um romance.

E ela se entregou à paixão de uma maneira segura e madura, sem ilusão de que duraria pra sempre, sem cobranças. Mas com entrega e generosidade.

Deixou os sonhos de amor de contos de fadas pra lá e foi ser feliz no mundo real.

E soube que, sim, ela tem sorte no amor. Num amor que dure tanto quanto a chama existir e brilhar para os dois.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 20/06/2023
Reeditado em 20/06/2023
Código do texto: T7818300
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